Uma guinada surpreendente tem marcado a trajetória do empresário Stefano Arnhold. Depois de 25 anos como CEO da TecToy – a icônica marca brasileira de games –, que trouxe para o país consoles clássicos como o Master System e o Mega Drive, ambos da japonesa Sega, o empresário vendeu sua participação na companhia e estruturou um fundo de venture builder – organizações integradas por pessoas que possuem alto conhecimento em tecnologia e gestão de negócios –, a CBKK, voltado para negócios de impacto e criado por ele há quatro anos.
Desde então, já foram R$ 3,7 milhões em financiamento. Com os recursos, a empresa está se preparando agora para concretizar o plano de construir a sua segunda fábrica, dessa vez em São Paulo, para distribuição nacional da marca de chocolates finos De Mendes, feitos com cacau nativo e cupuaçu, por povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos do Amapá e Pará.
Da Selva de Pedra à Selva Amazônica
Stefano Arnhold se habituou a corrigir um erro frequente de quem o cumprimenta: não, ele não é o fundador da companhia TecToy. Ressalta, porém, que chegou quando o negócio ainda estava engatinhando, com apenas três meses de fundação, em 1987 e já com uma pequena participação acionária. “Entrei no time aos 15 minutos do primeiro tempo”, brinca o paulistano, hoje aos 70 anos, ao contar sua trajetória no mundo dos negócios.
Arnhold, portanto, ajudou a construir a cultura da marca que ficou na memória dos brasileiros que foram crianças nos anos 1980 e 1990, e acabou virando o principal rosto da empresa depois que o cofundador Daniel Dazcal, até então CEO, morreu em 1994, e ele o sucedeu. Antes disso até, no mesmo ano, já havia comprado mais 45% da companhia (15% de Dazcal e 30% dos outros fundadores), que se somaram aos 10% que já tinha e lhe deram o status de maior acionista.
O empresário, contudo, já não está mais ligado à TecToy desde 2019, quando a companhia foi vendida à Transire Eletrônicos, fabricante de maquininhas de cartão. Passou então a procurar oportunidades, de preferência com alguma pegada ESG – conceito que abrange um conjunto de práticas voltadas para a preservação do meio ambiente, responsabilidade com a sociedade e transparência empresarial – e se deparou com uma reportagem sobre o amapaense César de Mendes, que criou no Pará, há 11 anos, a marca de chocolates finos De Mendes, feitos com cacau nativo e cupuaçu, por povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos no Pará e Amapá.
Arnhold pegou um avião até a região Norte (que ele já conhecia muito bem porque a fábrica da Tectoy fica na Zona Franca de Manaus), passou uma tarde inteira conversando com César e fez a proposta no dia seguinte, em 2020.
Com um empréstimo mútuo conversível, o empresário passou a financiar o negócio, com o objetivo de dar escala, por meio do seu fundo de venture builder, a CBKK, voltado para negócios de impacto e criado por ele há quatro anos. Desde então, já foram R$ 3,7 milhões em financiamento. Com os recursos, a empresa está se preparando agora para concretizar o plano de construir a sua segunda fábrica, dessa vez em São Paulo.
A colheita e o pré-processamento continuarão sendo feitos apenas no Pará, mas a finalização e a distribuição partirão da capital paulista. Ainda com uma produção tímida e um portfólio de 29 produtos, a nova fábrica tem como objetivo também dobrar a exportação de cacau para a Europa, chegando a 10 toneladas. “O diferencial está no propósito da De Mendes. Ela contribui com as comunidades locais e o César é reconhecido e acolhido por eles”, diz Arnhold.
Apesar de ser uma empreitada recente, Arnhold tem uma relação antiga com o campo. Filho de um agrônomo criador de pássaros, criou em 1994 a Fundação Daniel Dazcal, que ficou ativa por 14 anos, disseminando técnicas de permacultura, em Manaus, e capacitou populações carentes para a produção por meios ecologicamente mais responsáveis e economicamente viáveis.
Maratonista e acostumado a correr 50 km por semana, o empresário conhece bem a importância de pensar a logo prazo e vê a De Mendes apenas como o primeiro de uma série de investimentos que estão por vir ao longo da próxima década. A meta dele é chegar a 120 negócios até 2035, uma ambição que combina com a longevidade que marcou sua trajetória no mercado de tecnologia.
Foi em 1981 que Arnhold teve seu primeiro contato com o mundo do games, quando ainda trabalhava com seu tio em uma empresa de fotografia, representando companhias japonesas como Minolta e Yashica. À época, o empresário conheceu a fábrica da Nintendo, em Kyoto, antiga capital do Japão, quando a empresa ainda focava em jogos de cartas e minigames, e percebeu o potencial do setor.
Dois anos depois, foi para a área de planejamento estratégico da Sharp Brasil, uma das mais importantes fabricantes de eletrônicos na época, onde conheceu Daniel Dazcal, que saiu da companhia em seguida para investir US$ 5 milhões na criação da TecToy, ao lado dos irmãos Abe e Léo Kryss, pouco antes da chegada de Arnhold. “A Estrela [uma das maiores fábricas do Brasil no segmento de brinquedos] não estava desenvolvida e nem interessada na área de eletrônica. E essa era nossa vantagem, poderíamos brincar e testar produtos”, diz Arnhold.
Depois que foi comprada pela Transire, em uma época em que o mercado de consoles já era dominado pela Nintendo e pela Sony, com o Playstation, a empresa fechou o capital em 2019 e agora está focada na venda de eletrônicos. Mas pretende voltar a ser forte no mundo dos games, com o computador gamer portátil, lançado há um mês.
Hoje como investidor, Arnhold acredita que pode ser útil a negócios locais como o da De Mendes não apenas pela injeção de dinheiro, mas também pela experiência que adquiriu como executivo no período da TecToy, além do que aprendeu com Dazcal. “Ele dizia que nenhuma organização é melhor que as pessoas que a compõem, e levo isso comigo”, enfatizou.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.