A Polícia Federal prendeu 11 pessoas na operação Minamata, que combate a exploração ilegal de ouro no Amapá. Entre os detidos estão Romero César da Cruz Peixoto, ex-superintende do DNPM, Miguel Caetano de Almeida, proprietário da Mineração Morro da Mina, além de pessoas ligadas à empresa Ourominas.
As prisões aconteceram após a Justiça Federal emitir 11 pedidos de prisão preventiva e temporária. Duas pessoas que estavam foragidas se entregaram na sexta-feira (1). A investigação apura as atividades de uma organização criminosa e um esquema de exploração e comercialização ilegal de ouro no Estado.
Entre os crimes cometidos pelo grupo, segundo a denúncia, estão condições análogas ao trabalho escravo, degradação ambiental, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro, que foram constatados pelos órgãos envolvidos na operação durante visita ao garimpo na quinta-feira (30).
Ao todo, 49 medidas judiciais foram emitidas: 30 mandados de busca e apreensão, 6 de prisão preventiva, 5 de prisão temporária, além de 8 conduções coercitivas, em Macapá, Santana, Oiapoque, Rio de Janeiro e São Paulo.
Também houve bloqueio de R$ 113 milhões em bens móveis e imóveis. Durante a operação, a PF apreendeu ouro, joias, veículos, entre outros itens.
Para o Ministério Público Federal (MPF), que apura a situação desde 2016, a Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros do Lourenço (Coogal) usa a atividade como justificativa para cometer os crimes.
“É evidente que a Coogal é uma cooperativa de fachada, que serve exclusivamente para fins espúrios e ilícitos, tanto na exploração do trabalho dos colaboradores ou não [colaboradores], como na forma do ganho do trabalho dessas pessoas, porque tem vários crimes que estão sendo investigados e foram constatados. É uma situação complexa, que envolve uma organização criminosa que atua aqui há muito tempo com as mesmas pessoas e nos mesmos lugares”, disse a procuradora do MPF, Adriana Scordamaglia, em entrevista coletiva nesta sexta-feira.
As prisões preventivas realizadas pela PF foram do promotor de Justiça aposentado e secretário Municipal de Educação de Macapá, Moisés Rivaldo Pereira; Ricarte Caetano de Almeida, que gerencia as atividades da Mineração Morro da Mina; Miguel Caetano de Almeida, ex-prefeito de Oiapoque e proprietário da Mineração Morro da Mina; Gilson Colares Cohen, responsável pela A.J.C Cohen, ligada à Ourominas; José Ribamar Pereira “Barão Preto”, proprietário da Comércio e Representações e Serviços Lourenço Ltda (Cecap) e ligado à Empresa Dillon; e Raimundo Nonato Martil Piaba, vereador de Calçoene.
Além dos presos de forma preventiva, outras cinco pessoas foram presas de forma temporária. Romero César da Cruz Peixoto, ex-superintendente do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM); Luís Ferreira Cavalcante “Piauí”, que seria o “braço” da Ourominas em Lourenço; José Tássio Martins Pereira, proprietário da Cacap e ligado à Empresa Dillon; Cláudio Henrique da Silva Ribeiro, responsável pela CHS Ribeiro – ME, ligada à Ourominas; e Antônio de Sousa Pinto, presidente da Coogal.
Esquema
Segundo a PF, empresários cariocas e paulistas se apoderaram de uma cooperativa de garimpeiros no distrito de Lourenço, em Calçoene, a 374 quilômetros da capital, a mais antiga mina em atividade do país, e usaram os trabalhadores em condições análogas à escravidão.
De acordo com o delegado Victor Arruda, entre os presos está o ex-prefeito do Oiapoque, Miguel Caetano de Almeida, o “Miguel do Posto”, que fazia parte do quadro de cooperados, mas que era um empresário e explorava a área.
“Ele entrou com capital substancial e explora as pessoas que, em tese, são cooperados, mas ele não garante os direitos trabalhistas nem as normas de segurança, e obtém em consequência disso um lucro acima do comum em uma atividade como aquela”, disse Arruda.
Quanto ao vereador de Calçoene, Raimundo Piaba, o delegado informou que ele usava o cargo para influenciar politicamente para que os crimes continuassem acontecendo.
“O vereador tem influência forte na região e a usava para articular coisas de interesse dessa organização criminosa, a exemplo de liberações de licença e situações análogas a essa”, declarou Arruda.
O promotor de Justiça aposentado e atual secretário de educação de Macapá, Moisés Rivaldo, também foi um dos presos na operação. Para a PF, ele injetava recursos financeiros na associação. Ele seria o detentor de um dos garimpos investigados na operação.
“O Moisés tem envolvimento em várias frentes. Tanto no investimento dessa atividade criminosa, como também na manutenção de pessoas na condição análoga de escravo, já que ele, como já dito pelo DNPM, tem uma mina sendo explorada no local”, afirmou Arruda.
Nas investigações foi identificada que a exploração mineral acontecia dentro e fora das duas áreas com concessão legal. Juntas, segundo o DNPM, as lavras autorizadas tinham cerca de 13 mil hectares, quase todas degradadas ambientalmente.
“A devastação é grande, porque está sendo feito um tipo de lavra de garimpo de maneira descontrolada, não respeitando as normas da mineração. Há duas semanas morreu um garimpeiro em desabamento por desrespeito a essas normas. O que a gente viu em fiscalizações desde 2015 foi a devastação quase que total da área”, declarou o representante do DNPM, João Gomea.
O representante disse que a cooperativa é detentora de duas concessões na área e tem autorização para extrair ouro e tantalita, que estão em vigor. A região seria vistoriada desde 2010 pelo órgão, principalmente com relação à segurança dos garimpeiros.
“O crime de lavagem é uma das dinâmicas. Se misturava o pouco do ouro que a cooperativa tinha como exploração legal, com o ouro que ela tinha como exploração ilegal, e depois disso esse ouro era revertido em dinheiro. Fora isso também já se apurou a lavagem no balanço contábil. São várias tipologias praticadas pela cooperativa e sobretudo pelos investidores e pelas DTVMs [Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários] envolvidas”, falou a procuradora Adriana.
O Ministério Público do Trabalho (MPT), representado na coletiva pelo procurador Ulisses Carvalho, considerou a investigação difícil devido aos vários crimes, principalmente pelas características de trabalho servil.
“É uma investigação difícil por se tratar de vários crimes, que ocorriam inicialmente relacionados a condições de trabalho escravo de diversos trabalhadores na região de garimpo, em relação de servidão, onde poucos ganhavam muito, entre os trabalhadores, a cooperativa, como intermediaria, e as grandes detentoras são as distribuidoras de títulos de valores imobiliários e são as empresas que lucram. Além disso tem uma degradação ambiental impressionante”, falou Carvalho.
As investigações começaram em 2015, após uma denúncia ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Na quinta-feira, foi realizada a segunda operação do órgão na área.
“Em situação de analogia à escravidão, foram 16 trabalhadores flagrados ontem. O MTE constatou uma cooperativa fraudulenta. Nenhum dos princípios de cooperativismo, nem mesmo os formais, eram observados. O que havia era uma área onde trabalhavam cooperados e não cooperados da mesma forma, e sempre uma organização por trás lucrando com o trabalho destas pessoas”, disse a auditora fiscal do MTE, Jamile Freitas.
Ainda de acordo com o Ministério do Trabalho, nos últimos 10 anos, 24 garimpeiros morreram devido às condições inseguras de trabalho, principalmente no desmonte hidráulico do garimpo. Somente no último ano foram 4 mortes registradas.
Durante a coletiva de sexta-feira, os representantes dos órgãos federais declararam que estudam propostas para melhorar a fiscalização na área.
“A gente vai atuar para tentar regularizar a cooperativa e melhorar as condições para o provo do Lourenço. Como já foi dito, vamos trabalhar para implementar políticas públicas ali. Porque não adianta fazer a operação e não tentar mudar daqui para frente para que essas condições não voltem a ocorrer. A riqueza produzida não fica lá e o que sobra é a precarização, condições péssimas de vida”, disse o procurador do MPF, Antônio Diniz.
Ourominas
As investigações da Polícia Federal sobre a participação da Ourominas no esquema de compra ilegal de ouro começaram no início deste ano. Segundo a PF, a companhia fraudava notas fiscais da compra de parte do produto extraído ilegalmente de garimpos no Amapá e em outros Estados para evitar o pagamento de impostos. Na época, a empresa teve R$ 100 milhões em bens bloqueados pela Justiça. (NMB)