Exposição da Caixa enfurece Arthur Lira; governo teme retaliação

Obra da artista Marilia Scarabello, Arthur Lira, Damares Alves e Paulo Guedes aparecem dentro de uma lata de lixo
Obra da artista Marilia Scarabello faz parte da exposição ''O Grito'', na Caixa Cultural, em Brasília, que foi suspensa por ordem do presidente Lula

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Em mais um episódio que ilustra o desleixo e a falta de tato político da articulação política do governo, expos ao ridículo o presidente da Câmara dos Deputados, que foi retratado ao lado da senadora Damares Alves (PL-DF) e do ex-ministro da Economia Paulo Guedes, numa obra da artista Marilia Scarabello faz parte da exposição ‘’O Grito’’, na Caixa Cultural, em Brasília, dentro de uma lata de lixo e uma ilustração do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), defecando na bandeira do Brasil.

Na ilustração, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), defeca na bandeira do Brasil enquanto mexe no celular

Se a intenção era tirar sarro dos quatro personagens, o plano deu errado, pelo menos no que toca às suscetibilidades do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que incrédulo ao ver a obra, teria ficado furioso e visto o ato como provocação inaceitável.

A insatisfação de Lira chegou por emissários ao conhecimento do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Horas depois a exposição foi suspensa. A gracinha pode ter outras consequências mais duradouras, como antecipar a demissão da presidente da Caixa Econômica, Rita Serrano.

Na avaliação de analistas políticos, esse tipo de manifestação política numa exposição bancada com dinheiro público é proibido por lei. Nessa direção, o comando da Caixa Cultural divulgou nota explicando as razões do cancelamento da exposição.

Além de cancelar a mostra, que iria de 17 de outubro a 17 de dezembro, a Caixa informou que vai apurar as “responsabilidades pelos órgãos internos”. Políticos e influenciadores de direita também reagiram e pediram punições. Bia Kicis (PL-DF), por exemplo, protocolou três requerimentos sobre o tema na noite da segunda-feira (23).

Eles pedem a convocação do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para “prestar esclarecimentos acerca do evento”, o depoimento da Presidente da Caixa Econômica Federal, Rita Serrano, e da Superintendente Nacional de Patrocínio, Eventos e Promoção da Caixa, Ana Luiza Fraga, e solicitam ao Tribunal de Contas da União que fiscalize os gastos e as eventuais irregularidades do patrocínio com a mostra.

O episódio ocorre em momento delicado. Lula havia retomado a análise sobre a troca no banco depois de ter congelado a possibilidade por causa de uma declaração de Lira ao jornal Folha de S. Paulo. Na ocasião, o deputado disse em entrevista que as indicações políticas para os cargos no banco público passariam pelo seu crivo e afirmou que a ideia era contemplar não só o PP, seu partido, mas também outros de seu grupo político, como União Brasil, Republicanos e parte do PL.

Desde julho, Lula negocia com Lira a presidência da Caixa e suas principais diretorias. O comando do banco foi oferecido pelo Planalto para o Centrão quando esse grupo político ingressou no governo em troca de cargos na Esplanada.

O governo também negocia com o Congresso a votação de projetos considerados essenciais para a pauta econômica defendida por Fernando Haddad (Fazenda), como o projeto de taxação de offshores e fundos de investimentos exclusivos. O texto está na pauta do plenário da Câmara e pode ser votado na sessão desta terça-feira (24).

O presidente da Câmara que deu o aval principal para as mudanças nos ministérios de Lula, que oficializaram a entrada do PP e do Republicanos na base de apoio do governo, em 6 de setembro. Lira entregou a Lula em 28 de setembro o nome de Carlos Antônio Fernandes Vieira como possível indicado para presidir a Caixa no lugar de Rita Serrano.

Ministros de Lula avaliam que o episódio da exposição foi ruim para o governo porque Brasília retoma o ritmo normal nesta semana. Lula voltou a despachar no Palácio do Planalto desde a segunda-feira (23) depois de três semanas recluso no Palácio da Alvorada para se recuperar de duas cirurgias, uma no quadril e outra nas pálpebras. Lira também retornou à capital depois de ter passado duas semanas na Índia e na China.

As artes polêmicas

A obra “Bandeiras” conta com várias flâmulas do Brasil modificadas para fazer referência a temas polêmicos, como discussões sobre aborto, drogas e censura. Há uma bandeira do país com a folha da maconha ao centro, outra totalmente rosa com a frase “manda nudes” e uma com as cores do partido nazista, mas com um símbolo de proibido e o número 22 no meio, fazendo referência à dezena de Bolsonaro na urna nas últimas eleições.

Na arte do ex-presidente defecando na bandeira, ele está agachado e com o celular na mão. A exposição “O Grito!” foi divulgada como uma mostra que propõe reflexão sobre os 200 anos de Independência do Brasil. Ela contava com obras de vários artistas visuais brasileiros. A obra “Bandeiras” é da artista Marília Scarabello, que coleciona imagens de bandeiras do Brasil manipuladas desde 2016.

A Caixa cita que ela faz “releituras da bandeira brasileira que retratam os mais diversos imaginários acerca do Brasil, com variadas manifestações de pensamento”. Veja a nota completa:“A CAIXA informa que a exposição ‘O grito!’ foi selecionada no âmbito do Programa de Ocupação dos espaços da CAIXA Cultural 2023/2024, modelo de seleção pública para projetos culturais que são patrocinados para ocupação dos espaços do banco.

A obra ‘Bandeiras’ compõe a exposição e apresenta uma coleção de imagens do público em geral recebidas pela artista Marília Scarabello, desde 2016, com releituras da bandeira brasileira que retratam os mais diversos imaginários acerca do Brasil, com variadas manifestações de pensamento.

Considerando que foi identificada na obra em questão manifestação com viés político-partidário, o que fere as diretrizes do programa, a CAIXA decidiu suspender a referida exposição. A direção do banco informa ainda que determinou apuração de responsabilidades pelos órgãos internos”.

* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.