“Oh! Senhora Nazarena
Nessa passagem terrena
Escrevo o nosso ditame
Em nome do filho santo
Proteja-nos com seu manto
Até que o mestre nos chame”
(Círio dos Milagres – Ivan Cardoso)
E foi assim, sob a proteção da Virgem de Nazaré, que faleceu o músico paraense Ivan Cardoso, vítima de infarto na noite deste sábado (12). O corpo dele será velado e enterrado num cemitério particular em Belém, onde o artista costumava passar o Círio com a família.
Mas neste ano, Ivan havia decidido ficar em Parauapebas, cidade que passou a viver com a esposa e onde se apresentava em restaurantes, bares e eventos. O banquinho, o violão e a voz do “garoto tinhoso” eram inconfundíveis. Na inauguração do Centro Cultural de Parauapebas lá estava ele animando o ambiente, todo de branco e com sua inseparável boina. Dia 14 de setembro, foi a vez de se apresentar na Feira do Livro realizada no município.
Também era comum encontrar o músico em restaurantes, como o Fogão à Lenha, dando um sabor a mais à clientela. “Menos um dos poucos amigos que tinha, pessoa maravilhosa, ser humano de primeira grandeza. Sem falar do profissional fantástico!!”, escreveu o dono do restaurante, no grupo de whatsApp criado por Ivan, para divulgar seus shows e apresentações.
Nascido em Cametá, Ivan Cardoso se apaixonou pela música quando ainda era criança, tanto que aos 8 anos de idade começou a tocar. Aos 15 já levava suas músicas aos festivais. E foram muitos tanto no Pará, como em outros Estados, como Amapá, Maranhão, Bahia, Minas Gerais, São Paulo e Paraná.
No ano de 2000, Ivan Cardoso foi selecionado como único representante da região Norte para tocar no Festival de Música Brasileira, da Rede Globo. A música “Moleque Tinhoso” disputou com 24.190 composições e ficou entre as 48 finalistas. O título carimbou, em 2001, o primeiro dos quatro CDs que lançou. Todos, independente.
Depois de “Moleque Tinhoso”, vieram “Ritual”, em 2006, “No Reino da Carimbolândia, em 2012”, e “Brazônida”, no ano seguinte. Em 2013, Ivan preparou o show “Resumo”, com apresentações em Belém das músicas dos seus quatro álbuns produzidos.
As letras de Ivan Cardoso eram carregadas de sentimento amazônida, transcreviam o cotidiano do caboclo, do índio, do pescador, do negro, da cultura. E eram também universais e poéticas. Com parceiros, como Alfredo Moraes, compôs “Sonho e Viagem”, que à época foi uma das mais tocadas na rádio Cultura
“Quero ser o colibri da manhã
No frondoso flamboyant, repousar
Viajar de flor em flor, no afã
De imitar o Peter-Pan, meu herói
Dia desses, ao sentar no divã
Viajei num Djavan de vinil
Do Brasil, eu fui ao Vietnã
Praticar tai chi chuan que não dói”.
Ivan amava cantorias assim como um bom xote, toadas, guarânias. Suas composições foram gravadas por Nilson Chaves, Lucinnha Bastos, Nazaré Pereira, Arraial do Pavulagem, Marcos Monteiro. Fundou grupos musicais, como o Arraial do Labioso, Arraial do Bilu e Teteia e a Banda Cio da Terra. Ele era fã do Clube da Esquina, dos mineiros Milton Nascimento, Lô Borges, Flávio Venturini.
O menino, o moleque atrevido, travesso, de sorriso franco, chegou aos 36 anos de carreira sem grande fama, contudo cheio de admiradores. E partiu protegido pelo manto da Virgem.
Por Hanny Amoras – Correspondente do Blog em Belém