Funai dá aval para conciliação com invasores da Apyterewa

Desintrusão de colonos em assentamento do Incra se arrasta há mais de década na Justiça

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Brasília – Conflito que se arrasta nos tribunais há mais de uma década, com a Justiça determinando a retirada de invasores que cercam base da Funai na terra indígena Apyterewa (TI), em São Félix do Xingu, no Pará, a Fundação Nacional do Índio (Funai) se manifestou de forma favorável a uma tentativa de conciliação que pode resultar na legalização da permanência de invasores na Terra Indígena Apyterewa, no Sudeste do Pará.

A Funai encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) ofício onde contraria estudiosos e a associação indígena que representa uma das etnias que vive no local. O temor é que uma conciliação sirva de base para legalizar invasores em outras áreas. A terra Apyterewa foi a segunda mais desmatada entre 2019 e 2020, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Estima-se que haja pelo menos 1,5 mil invasores na área.

A manifestação da Funai é de outubro do ano passado. É uma resposta a um ofício da Advocacia-Geral da União (AGU), que representa o governo federal em um processo sobre o caso no STF. A AGU ainda não respondeu se a União vai ou não participar da conciliação.

“Entendemos que a via conciliatória deve ser buscada, considerando que é interesse da Funai o deslinde da ação judicial, de forma que temos interesse em participar das tratativas conciliatórias”, diz o documento assinado pelo presidente da Funai, Marcelo Xavier, delegado da Polícia Federal que já trabalhou na assessoria de parlamentares ruralistas durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Funai, em 2017.

MPF é contra

Em novembro, atendendo a pedido do Ministério Público Federal (MPF), a Justiça Federal em Redenção (PA) concedeu liminar de reintegração de posse contra invasores que cercaram uma base da Fundação Nacional do Índio (Funai) dentro da Terra Indígena Apyeterewa, do povo Parakanã, entre os municípios de Altamira (Oeste) e São Félix do Xingu (Sudeste ), no Pará.

A decisão ordena “a cessação imediata de toda e qualquer atividade de bloqueio ou ameaça de bloqueio” da base da Funai, a apreensão de todos os maquinários, instrumentos, equipamentos, veículos encontrados no local e o uso de força policial para a retirada imediata dos invasores, sob pena de multa de R$ 20 mil por hora. O processo cita nominalmente Abadia Aparecida Lima Mendonça e Vicente de Paulo Terenco de Lima e quaisquer pessoas que estejam participando do cerco aos fiscais ambientais que atuam na área.

Para a Justiça, ainda que legítimo o direito de manifestação contra atos particulares ou estatais, “não pode ser exercido de forma indiscriminada, em prejuízo da efetividade do serviço público federal, tal como no caso sob análise, em que os manifestantes ameaçam o uso da força em face de agentes públicos e de bens públicos, impedindo o acesso via terrestre à base da Funai no interior de terra indígena, com o intuito de ocupar e devastar patrimônio da União e da coletividade”.

O MPF fez o pedido de reintegração de posse em 18 de novembro de 2020, com base em informações da Funai. No dia 17, um grupo de 50 a 70 pessoas cercaram a base da Fundação dentro da Terra Indígena Apyterewa, fizeram bloqueios em vias e pontes que dão acesso ao local, ameaçando a integridade física de agentes públicos da autarquia indigenista, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e da Força Nacional que estavam promovendo ações de fiscalização contra o desmatamento ilegal. Veja a íntegra da decisão.

Conciliação

O pedido de conciliação foi feito pela Prefeitura de São Félix do Xingu, em cujos domínios estão parte da terra indígena, que tem 773 mil hectares e onde vivem cerca de 780 índios das etnias Parakanã e Araweté. Desde 2007, a prefeitura tenta anular a demarcação. O argumento é que a União demarcou a terra indígena sem considerar que já havia colonos morando na área e um Projeto de Assentamento do Incra.

Documentos produzidos pelo governo e que constam do processo indicam que a região passou a ser alvo de intensa invasão nos anos que se seguiram ao início do processo de demarcação.

À justiça, a prefeitura de São Félix do Xingu defende a conciliação como uma forma de evitar que a União gaste dinheiro com a desintrusão dos não-indígenas. Em dezembro, o governo do Pará também se manifestou favoravelmente à conciliação.

Para o professor de Antropologia Carlos Fausto, do Museu Nacional, a posição da Funai e do governo do Pará não chega a surpreender: “Uma conciliação neste caso seria trágica e traria consequências para todo o Brasil. A decisão não surpreende porque, na atual gestão, a Funai passou a ser guiada por interesses diferentes. Este não é um posicionamento favorável aos índios. No caso do governo do Pará, ele sempre esteve a favor dos ruralistas e contra os indígenas”.

A declaração do professor foi contestada pelo governo do Pará. O governo do Pará disse que seu objetivo é “contribuir com o debate” e “levando em consideração a preocupação social com a segurança pública daquela área”.

Procurada, a AGU disse que não se manifestaria. A Funai afirmou, por meio de nota, que “a busca da via conciliatória é a forma adequada para composição de todo e qualquer litígio”.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.