Sem margem de negociação com os partidos do chamado Centrão (PP, PL, PSD, MDB, PRB e DEM) e sob forte pressão da oposição, não restou alternativa aos negociadores do governo senão aceitar a retirada de pontos considerados controversos do texto da PEC 6/2019 (Reforma da Previdência), preservando, porém, as propostas de impacto fiscal contidas no texto, que prevê a economia de R$ 1 trilhão em dez anos, com a aprovação da matéria.
O que se sabe é que quatro pontos da proposta podem ser retirados do texto original enviado à Câmara dos Deputados há 35 dias. O relator da PEC, deputado Delegado Marcelo Freitas (PSL-MG), deve se reunir agora pela manhã com parlamentares e líderes partidários para analisar eventuais mudanças em seu parecer. Foram apresentados 13 votos em separado, em contraponto ao parecer apresentado no último dia 9. Em seu relatório, Freitas é favorável à admissibilidade e constitucionalidade da PEC.
“A iniciativa não compromete a meta de economizar R$ 1 trilhão em dez anos nem o plano de retirar da Constituição as normas da aposentadoria”, disse. Mas, o Executivo vai abrir mão da prerrogativa exclusiva de, no futuro, propor novas alterações do sistema pela apresentação das propostas em formato de Lei Complementar –– que não precisam de quórum privilegiado para a sua aprovação.
Alterações no texto
Para destravar a reforma da Previdência no Congresso Nacional, o governo cedeu em quatro pontos, na primeira etapa da tramitação, na Comissão de Constituição e Justiça(CCJ).
O primeira alteração vai retirar do texto original o fim da multa de 40% do FGTS nas demissões sem justa causa para aposentados que continuam trabalhando; e abre mão do fim do recolhimento da contribuição de 8% a partir da concessão da aposentadoria.
Também vai ceder em outro ponto relevante para a judicialização dos temas relacionados à Previdência: o de que as ações deveriam ser ajuizadas apenas nos estados de origem de quem entra com o processo contra a União. Hoje, as pessoas podem propor ações nos estados ou na Justiça Federal em Brasília, ampliando as chances de vitória.
O governo aceitou também retirar da proposta todos os trechos que tratam como “de iniciativa do Poder Executivo Federal” a prerrogativa para propor mudanças futuras na Previdência. Ou seja, as mudanças também poderiam ser propostas pelo Congresso. Alguns exemplos são o gatilho da idade mínima de aposentadoria de acordo com o aumento da expectativa de vida; e mudanças nas regras do benefício, como idade, tempo de contribuição e valor de cálculo.
Nessa mesma linha, será retirada do texto a prerrogativa do Executivo de propor projeto para definir a idade máxima para aposentadoria compulsória dos servidores públicos. Essa idade hoje é de 75 anos, o que permitiu que os ministros do Supremo Tribunal Federal e de outros tribunais ficassem mais tempo no cargo.
As emendas serão apresentadas oficialmente aos líderes dos partidos na manhã de hoje, antes da reunião da CCJ, marcada para as 14h30 no Anexo II, Plenário 01, da Câmara.
Em outra frente para garantir a aprovação, o governo vai ceder à pressão de alguns parlamentares e antecipará a divulgação do impacto fiscal de algumas medidas da reforma na quinta-feira (25). O plano inicial era abrir os números somente quando o projeto já estivesse na comissão especial, que vai analisar o mérito da proposta a fim de negociar novas emendas.
Bastidores
Nos bastidores, também se comenta a liberação de emendas parlamentares que não são impositivas para quem votar a favor da matéria, além de cargos para aliados nos estados. Com isso, integrantes do Executivo e parlamentares já contam com uma vitória certa na CCJ. O palpite do presidente da comissão, deputado Felipe Francischini (PSL-PR) é de obter mais de 40 votos dos 66 integrantes do colegiado: “Vamos aprovar o relatório por boa margem de votos”, espera.
O secretário especial de Previdência, Rogério Marinho, também tem certeza da aprovação: “A votação vai ocorrer hoje. A sinalização que nós temos dos deputados e líderes que apoiam a pauta é que isso está pacificado. Não tenho dúvidas de que teremos um desfecho favorável”, disse, confiante.
Segundo o vice-líder do Solidariedade, deputado Paulo Pereira da Silva (Paulinho), a articulação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi fundamental no convencimento dos parlamentares. Mesmo em Lisboa, onde participa de fórum jurídico, Maia disparou mensagens pelo WhatsApp para líderes e presidentes de partidos com a minuta das alterações fechada com o governo, contou Paulinho: “Depois da derrota na semana passada, acho que agora a CCJ vai aprovar o relatório. Outros itens de questão de mérito poderão ser discutidos na comissão especial.”
A líder do governo no Congresso, deputada federal Joice Hasselmann (PSLSP), acredita que o governo conseguirá votar hoje e “virar essa página”. “É claro que, se for preciso dar um pequeno passinho para trás para andar dez para frente, é muito mais inteligente fazer essa negociação”, admitiu.
Mais cedo, antes de embarcar de Belém para Brasília, a reportagem conversou com o deputado federal Cássio Andrade (PSB-PA), vice-líder do partido na Câmara. Ele disse que a bancada da legenda, a priori, continuará na oposição à aprovação da proposta, mas, a legenda só deve fechar questão sobre a matéria depois de quinta-feira (25), quando a Executiva e o Diretório Nacional farão uma convocatória do seus mais de 100 membros e “bater o martelo”. “Apresentamos na CCJC um voto em separado, em que listamos o que deve ser modificado no texto do relatório e apresentamos uma contraproposta ao texto da PEC”, explicou.
Andrade e outros representantes da bancada do PSB, no voto em separado, contrário ao parecer do relator, deputado Delegado Marcelo Freitas, que havia aprovado a admissibilidade, afirmam que a PEC apresenta “vícios insanáveis de inconstitucionalidade”, recomendando a supressão de 19 dispositivos, entre os quais aqueles que se referem à desconstitucionalização da Previdência, capitalização, BPC, trabalhadores rurais e revogações de regras de transição.
“Sabemos que o sistema da Previdência precisa de ajustes, de tempos em tempos. Porém não podemos votar a favor dessa PEC, da forma como foi apresentada”, disse Cássio. Após isso, conforme Andrade, se o partido não for comtemplado nessa nova rodada de negociação, vai votar contra a aprovação da matéria.
Um dos coordenadores dos partidos da oposição na CCJ, deputado Zé Guimarães (PT-CE), no entanto, comentou que a frente tentará obstruir a votação até que sejam apresentados os dados que fundamentaram a proposta de alteração das aposentadorias. O governo adiantou que vai revelar os cálculos apenas na próxima quinta-feira (25).
Por Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília