O governo e o Congresso ainda não chegaram a um acordo que defina o futuro da principal fonte de financiamento da educação básica no País. A vigência do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização do Ministério (Fundeb) termina no fim de 2020 e ainda não há consenso sobre o formato que passará a vigorar a partir de 2021. A pressão aumenta por causa das eleições municipais, já que prefeitos dependem dos recursos para pagar professores e pressionam deputados a aumentar a fatia destinada às cidades.
A única concordância é que será preciso criar um novo fundo em substituição ao atual e torná-lo permanente. Fora isso, só há divergências. A principal delas é quanto cada um dos entes federativos vai contribuir para o fundo, que neste ano envolve receita de R$ 173,7 bilhões. O Ministério da Educação propõe aumentar de 10% para 15% o aporte do governo federal no novo Fundeb. A bancada da educação no Congresso, formada por aliados e oposicionistas ao Planalto, quer elevar a participação do governo para 40%.
O porcentual maior, porém, defendido pela relatora da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) na Câmara, Professora Dorinha Seabra (DEM-TO), não encontra consenso nem entre os deputados. O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse no ano passado que o governo não teria recursos para bancar um aumento desse tamanho. Atualmente, Câmara e Senado discutem propostas diferentes sobre o Fundeb, mas prometem fechar um texto de consenso para votar mais rapidamente nas duas Casas.
Diante do impasse, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, anunciou o envio de uma PEC do governo aumentando a fatia da União de 10% para 15%. “A proposta que está no Congresso aumenta quatro vezes o volume. E aí, quem vai pagar por tudo isso? Eu vou dizer: eu, você, com mais impostos, crise fiscal, recessão e inflação”, afirmou o ministro nas redes sociais. Ele classificou os congressistas que pedem mais recursos como “demagogos”.
O Ministério da Economia calcula em R$ 855 bilhões o efeito do aumento da complementação da União para 40% em dez anos. A consultoria da Câmara fez um cálculo diferente, apontando impacto de R$ 279 bilhões no período.
O comentário de Weintraub só aumentou a crise. O presidente da comissão especial na Câmara que discute a criação do novo Fundeb, deputado Bacelar (Pode-BA), afirmou que a proposta do governo será ignorada e o “texto já em tramitação [de autoria do Congresso], votado em março”. “Não é o fato de o governo mandar que o Congresso vai engolir. Nós temos autonomia e o debate é longo”, referendou a relatora.
O risco, como era previsto é que o ano acabou sem uma proposta de consenso. A saída, neste caso, seria apenas prorrogar o Fundeb atual, sem mudar o formato. “Se for esse caminho, é um fracasso do governo e uma tragédia de cenário para o País”, afirmou o presidente da Comissão de Educação da Câmara, Pedro Cunha Lima (PSDB-PB).
Disputa
Sem base aliada no Congresso, ministros do governo Bolsonaro enfrentam dificuldades para aprovar os assuntos de seu interesse. Soma-se a isso o fato de Weintraub não ter muitos amigos nas duas casas legislativas. Nas vezes em que participou de audiências públicas, o clima foi de hostilidade. “Não podemos aumentar o repasse da União a ponto de o governo não suportar. O problema é que o governo não confia em si mesmo e não confia nos outros também”, declarou o presidente da Comissão de Educação do Senado, Dário Berger (MDB-SC).
Em dezembro, Weintraub estava em férias quando voltou a entrar em atrito com o Legislativo. Ele demitiu o presidente do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE), Rodrigo Dias, nome ligado a Rodrigo Maia.
O Fundeb responde hoje por 63% das verbas destinadas aos ensinos fundamental e médio. A maioria do dinheiro vai para pagar o salário de professores. Em algumas prefeituras, 100% da verba é destinada para essa finalidade.
O líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), disse buscar um meio-termo entre os 15% propostos por Weintraub e os 40% defendidos por parlamentares. “A discussão tem um rito próprio e vamos acabar entrando em um acordo”, afirmou.
Desequilíbrio
O debate sobre o futuro do Fundeb expõe um desequilíbrio na distribuição dos recursos entre os municípios. Pelas regras atuais, algumas prefeituras com alta arrecadação tributária recebem um repasse extra da União para pagar professores e comprar material escolar, enquanto cidades mais pobres não conseguem o mesmo.
É o caso de Pedra Azul (MG), no Vale do Jequitinhonha, região mais pobre de Minas Gerais. Com quase 25 mil habitantes, o município terá R$ 10,6 milhões do Fundeb em 2020 e não poderá contar com nenhuma complementação da União no fundo. A 665 quilômetros dali, Camaçari (BA), considerado o maior polo da indústria química e petroquímica do Hemisfério Sul, receberá uma complementação de R$ 29,2 milhões da União, além de R$ 100 milhões do Fundeb.
A secretária de Educação de Camaçari, Neurilene Martins, admitiu a discrepância na distribuição do Fundeb, mas disse que todos os municípios dependem dos recursos do fundo e não podem abrir mão dos repasses. No município, 100% do valor é usado para pagar professores e outros profissionais da rede de ensino. “O regramento do Fundeb não dá conta, há territórios no Brasil que ficam descobertos. Se não fôssemos a cidade com esse fôlego, nem pagaríamos a folha”, disse.
A Reportagem tentou contato com deputados e senadores que conhecem o assunto. Há duas semanas os celulares não respondem ao nosso pedido de retorno para comentarem as consequências do impasse nas contas da educação pública no Pará.
Em outubro do ano passado, reunidos no VII Fórum Nacional de Governadores, em Brasília, os governadores de Estado e do Distrito Federal apoiaram o texto do projeto de emenda constitucional (PEC) que cria o novo Fundeb de caráter permanente e com maior participação financeira da União.
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu, em Brasília