Brasília – Sob permanente desconfiança e ceticismo desde o início do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), a bancada ambientalista duvida da veracidade das declarações de representantes dos Ministérios de Relações Exteriores e do Meio Ambiente sobre o interesse de o atual governo do Brasil aderir futuramente ao Programa Internacional de Ação sobre o Clima (IPCA), na sigla em inglês, criado pela OCDE, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Esse foi o tom da audiência de debates na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, realizado na sexta-feira (9)
Nos debates sobre o IPAC, além dos deputados e representantes do governo, participaram das discussões membros da ONG Conectas, especializada em direitos humanos e socioambientais internacionais.
IPAC
O IPAC é de adesão voluntária, mesmo para os países-membros da OCDE. O Brasil, que almeja ser admitido na organização, foi convidado a aderir ao programa, juntamente com Indonésia e outros integrantes do chamado BRICS, agrupamento formado por cinco grandes países emergentes — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — que, juntos, representam cerca de 42% da população, 23% do PIB, 30% do território e 18% do comércio mundial.
O secretário de comércio exterior e assuntos econômicos do Itamaraty, embaixador Sarquis José Buainain Sarquis, garantiu o interesse do Brasil, mas explicou que vários pontos do IPAC ainda estão em análise.
“Nenhum país não membro da OCDE hoje participa tanto dos trabalhos da organização como o Brasil. No caso do Programa Internacional para Ação Climática, fizemos consultas com vários ministérios setoriais e vamos continuar nesse processo de acompanhamento colegiado sobre os desdobramentos do programa da OCDE para tomar uma decisão mais adiante. Por hora, o Brasil não deve participar do programa e aguardará a evolução da sua própria execução, incluindo definições sobre sua própria governança”, explicou o diplomata.
O IPAC surgiu do projeto de resiliência climática e transição para uma economia de baixo carbono, incentivado por países europeus, sobretudo a França. É composto de indicadores de acompanhamento das ações de mitigação das mudanças climáticas e de redução dos gases do efeito estufa, previstas no Acordo de Paris. Também traz indicadores complementares para o monitoramento das políticas ambientais de cada país, notas de análise de desempenho desse controle climático e uma plataforma interativa para diálogo entre os países. A gerência do programa está a cargo do comitê de política ambiental da OCDE, ao qual o Brasil também já pediu adesão. O gerente de projeto do departamento de relações internacionais do Ministério do Meio Ambiente, Luiz Aguilar, argumenta que esse programa climático ainda está em formação, e tem controvérsias a serem superadas, sobretudo quanto aos indicadores.
“Os instrumentos olham só o estado atual e não levam em consideração o histórico da formação dos gases do efeito estufa nem as contribuições de cada país que já ocorreram historicamente. Isso pode levar a indicadores que poderiam ser não tão favoráveis ou desfavoráveis para os países de industrialização mais recente ou em desenvolvimento, como o próprio Brasil”, declarou Aguilar.
A ONG Conectas avalia que o Programa Internacional de Ação sobre o Clima é importante para o cumprimento de metas do Acordo de Paris, sobretudo às vésperas da COP-26, a próxima Conferência do Clima que a ONU vai promover na Escócia, em novembro. Porém, a coordenadora de direitos socioambientais da Conectas, Júlia Neiva, afirma que a atual gestão ambiental no Brasil está na contramão desses objetivos. Ela citou o relatório que a OCDE publicou no início deste mês com a análise sobre o alinhamento das políticas ambientais do Brasil com os instrumentos da instituição.
“O documento é bem crítico às políticas ambientais brasileiras, avaliando que o país retrocedeu no controle do desmatamento, mantém subsídios injustificados à indústria de fósseis e pesticidas, possui um processo de licenciamento ambiental ineficaz e não integra adequadamente as considerações socioambientais na produção dos planos de logística, energia e transporte. A legislação e as políticas do Brasil foram consideradas como não ou insuficientemente alinhadas a 60% dos 48 requisitos exigidos pelos instrumentos legais analisados pela própria OCDE”, advertiu a ativista.
Ativistas criticam governo
Segundo Júlia, o Brasil terá de rever sua estratégia ambiental se quiser ser aceito na OCDE. A Conectas fez um apelo à Câmara e ao Senado para que não aprovem os projetos de lei que tratam do novo licenciamento ambiental (3729/04), da exploração econômica em terras indígenas (PL 490/2007) e da regularização fundiária (PL 2633/2020), que, segundo ela, estimulam a grilagem de terra e pioram a imagem do país no exterior. Um dos organizadores do debate, o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) também manifestou desconfiança quanto ao interesse do atual governo no programa climático da OCDE.
“Sinceramente, espero que cumpramos com aquilo que são os objetivos maiores do clima no mundo inteiro, mas que não são necessariamente levados a sério pelo nosso governo, o que eu lamento. Espero que, com a mudança no ministério, o Brasil entre em uma sintonia superior na defesa do meio ambiente, respeitando, por exemplo, as terras indígenas”, disse Chinaglia, referindo-se a recente exoneração do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, apontado como mentor da política ambiental adotada pelo atual governo.
Outro organizador do debate, o deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR) disse estar claro o interesse do Brasil no IPAC, apesar das dúvidas quanto à efetividade do programa. Bueno foi o autor da proposta que deu origem à Lei sobre Pagamento por Serviços Ambientais (Lei 14.119/2021) e cobrou medidas efetivas de transição para a chamada “economia verde”. Durante a reunião, o Itamaraty reafirmou que a entrada do Brasil como membro efetivo da OCDE é uma das prioridades da política externa. O pedido formal foi apresentado há quatro anos e, enquanto aguarda a decisão, o país tem buscado participar dos comitês e grupos de trabalho da organização.
Prometendo mundos e fundos
Enquanto o debate indica será permanente no âmbito do Congresso Nacional, ambientalistas e algumas empresas brasileiras se engajam em campanhas para “forçar uma mudança de rumo”, na atual política ambiental brasileira.
Tais grupos afirmam que o país está na contramão do mundo, adotando velhos e desgastados discursos governamentais e do lobby de corporações que costumeiramente repetem as mesmas promessas durante as conferências climáticas que se arrastam por quase três décadas (desde Rio de Janeiro — Carta da Terra em 1992), mas que na prática, eles [governo e empresas] retomam com mais vigor com os financiamentos e incentivos às atividades de mineração, de expansão do agronegócio, de extrativismo industrial e de reserva de mercados (como o patenteamento genético da biodiversidade), tendo como meta a “financeirização da natureza”, desponta no horizonte pacifista, para a nossa esperança e glória, a “Campanha Que Paguem!”, idealizada no seio da sociedade civil, formada por uma ampla frente mundial pela emancipação dos povos em defesa da vida e de verdadeiros caminhos sustentáveis.
A “Campanha Que Paguem”, coordenada pelas Ongs Corporate Accountability International, Amazon Watch, Friends of de Earth Internacional, Indigenous Environmental Network, Corporate Europe Observatory, Global Forest Coalition, entre outras, firmada por mais de 300 Ongs e pelas principais instituições de 68 países, com mais de 200 mil assinaturas, coloca sobre a mesa uma contraproposta fundamentada como alternativa “à economia de mercado”, denunciando e combatendo o modelo de risco sistêmico que representam as falsas soluções dos mercados de carbono e seus derivativos.
Leia abaixo o que os ativistas ambientais propõem:
É hora para que os grandes responsáveis pela crise climática paguem!
As grandes corporações de combustíveis fósseis, da agroindústria e de outros setores extrativistas, com o apoio dos governos, estão interferindo, desviando e atrasando a ação climática durante anos, promovendo falsas soluções para seguir com suas operações e continuar lucrando com a destruição do planeta e do sofrimento de milhões de pessoas em todo o mundo. O pior de tudo é que agora estão colocando o futuro em perigo.
É por isso que devemos seguir unindo forças para fazer com que esses grandes contaminadores sejam sancionados e paguem pela crise climática!
Que paguem pelos danos e pelas perdas! Pelas reparações, por soluções reais; por uma transição justa!
Neste momento de pandemia virulenta, quando milhares e milhares tombam por consequência dos desatinos e insanidades política-institucional, há um sentimento de ceticismo entre as lideranças comunitárias e ativistas, acreditando-se que este encontro preparatório para a próxima COP26 tenha sido “mais do mesmo” (business as usual).
Porém, não será por falta de propostas e iniciativas emergindo do clamor das ruas e da ação proativa de nossas frentes que, mais uma vez, se justifique a omissão e a negligência de governos e das corporações no combate às mudanças climáticas por soluções justas, realistas e duradouras.
Portanto, “adelante” exigirmos por justiça socioambiental. “Que Paguem!”
Para saber mais sobre a Campanha “Que Paguem” clique aqui.
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.
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