Governo publica decreto que cria “Secretaria das Bets” para gerir apostas online

A nova secretaria, subordinada à Fazenda, vai trabalhar em conjunto com o Ministério dos Esportes aumentando a estrutura das duas pastas
Nova secretaria da Fazenda vai trabalhar em conjunto com o Ministério dos Esportes para administrar o sistema de apostas online

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O governo federal publicou no Diário Oficial da União (DOU) desta quarta-feira (31) uma portaria para criar no Ministério da Fazenda (MF) a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) — a “Secretaria das Bets” para regulamentar e fiscalizar apostas online.

A oitava secretaria do MF será responsável por regulamentar o “mercado de bets”, lei sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no final do ano passado, e cuidará de apostas virtuais e físicas, eventos esportivos reais, jogos on-line e eventos virtuais de jogos on-line e atribuições sobre loterias e promoções comerciais.

A nova secretaria da Fazenda vai trabalhar em conjunto com o Ministério dos Esportes que, por sua vez, cuidará da integridade esportiva, em especial o monitoramento da manipulação de resultados, além dos repasses destinados a atletas, clubes e entidades de administração do esporte.

A SPA terá três subsecretarias: a de Autorização, responsável pela análise de pedidos de autorização de ações de distribuição gratuita de prêmios, de Monitoramento e Fiscalização, que supervisionará e desenvolverá ações de fiscalização; e de Ação Sancionadora que vai julgar os Processos Administrativos Sancionadores.

Nova secretaria aumenta tamanho  dos ministérios da Fazenda e dos Esportes

Após negociação com o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos ao longo do segundo semestre do ano passado, a Fazenda conseguiu a liberação de 38 cargos para a secretaria. Inicialmente, a pasta chefiada por Fernando Haddad queria um número maior, entre 65 e 80.

A equipe vai contar com servidores públicos (parte já em atividade, que será remanejada, e outra a ser selecionada via concurso) e cargos de confiança, com pessoas oriundas do setor privado.

A estrutura da secretaria está no decreto publicado no DOU desta quarta-feira. Ela deverá se chamar Secretaria Nacional de Jogos e Apostas e terá caráter permanente. O nome mais cotado para assumi-la é o do advogado José Francisco Manssur, atual assessor especial da Secretaria-Executiva do Ministério da Fazenda. Manssur é conhecido por ser um dos formuladores do projeto que deu origem à lei da Sociedade Anônima do Futebol (SAF).

No Ministério do Esporte, está prevista a contratação de mais 12 servidores, que deverão atuar no combate à manipulação de resultado e fazer o repasse das receitas obtidas com as apostas para as entidades esportivas. Assim, no total, estão previstos 50 servidores, divididos entre as duas pastas.

Na Fazenda, há pressa para que a Secretaria de Jogos seja instalada, visto que ela ainda vai acumular funções para além das bets, como a supervisão de loterias da Caixa e a retomada da Lotex. Hoje, a equipe é de em torno de 15 servidores, que já estariam sobrecarregados.

No final do ano passado, o ministério da Fazenda autorizou a Caixa Econômica Federal a voltar a explorar a “raspadinha” Lotex, em mais uma das investidas do governo para aumentar a arrecadação de impostos.

No que se refere ao combate ao vício em jogo (ludopatia), já há uma estrutura no Ministério da Saúde responsável por transtornos mentais que fará a interface com a Fazenda e o Esporte, não sendo necessária a criação de um novo órgão.

A plataforma para gerir o sistema já em fase de testes — é o sistema operacional propriamente dito que vai monitorar o setor e será gerido pela pasta da Fazenda. Na última quarta-feira (10/1), foi feita uma reunião com representantes das 134 empresas que apresentaram manifestação prévia de interesse para atuar no setor de apostas esportivas.

Além das secretarias, segue no radar do governo a criação de uma agência de integridade para monitorar as apostas e loterias. No entanto, ela só deverá ser criada numa etapa posterior, como uma evolução do processo. Isso porque o trâmite de criação de uma agência reguladora é mais lento.

Arrecadação

A Fazenda conta com a receita que virá a partir do pagamento de impostos sobre as apostas feitas on-line para aumentar a arrecadação e cumprir a meta de déficit fiscal zero.

No Orçamento de 2024, a projeção de arrecadação com as bets foi conservadora, de R$ 728 milhões, mas a estimativa da pasta já subiu para a casa dos bilhões. Nessa previsão, não se levava em conta o jogo on-line, que entrou no texto durante a tramitação do projeto de lei no Congresso e representa cerca de 65% do faturamento das empresas — o que pode elevar o potencial arrecadatório.

O cálculo em si vai depender de dois momentos de arrecadação: a fase de outorgas e a fase de pagamento de tributos pelas empresas. Vale frisar que, para atuação no setor, a lei exigiu sede no território nacional. Plataformas como o “Jogo do Tigrinho” continuam fora da lei e serão rigorosamente combatidos pelas autoridades do fisco e das polícias civis e federal nos estados e no DF.

O valor de concessão inicial para autorização de funcionamento das bets ficou fixado em R$ 30 milhões, tendo de serem pagos no período de 30 dias. Cada outorga terá validade de cinco anos e será concedida pelo Ministério da Fazenda.

Para casas de apostas, serão cobrados 12% sobre a arrecadação. A alíquota incidirá sobre o chamado GGR (gross gaming revenue, na sigla em inglês), que é a receita obtida com os jogos, subtraídos os prêmios pagos aos apostadores. Já os apostadores devem pagar 15% do valor obtido com a premiação nesse tipo de aposta.

No caso das empresas, o segundo momento de tributação vai depender do lucro apurado, conforme o faturamento efetivo. Elas terão que pagar tributos (Pis/Cofins sobre faturamento ou imposto de renda sobre lucro).

Grosso modo, se a maior parte das empresas que manifestaram interesse em pedir outorgas o fizeram já neste ano, serão em torno de 100 empresas pagando R$ 30 milhões. As empresas podem, porém, optar por se capitalizar primeiro e pedir autorização para operar futuramente, em outras levas de autorizações.

Com a estimativa de outorga a 100 empresas, a Fazenda espera arrecadar ao menos R$ 3 bilhões neste ano apenas com essas autorizações. Soma-se a esse valor a estimativa com a tributação das empresas. Com isso, algo como R$ 6 bilhões de arrecadação com as bets neste ano é considerado “factível” pela equipe econômica.

Atraso

Em 2018, a lei n° 13.756 trouxe para o ordenamento jurídico a possibilidade das apostas de cota fixa. O governo Jair Bolsonaro (PL) tinha o prazo de dois anos, prorrogável por mais dois, para regulamentar o mercado, mas não o fez.

Com isso, as regras para funcionamento desse mercado não foram estipuladas e ele seguiu livre do pagamento de impostos.

Em março de 2023, o Ministério Público, junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), questionou o governo Lula (PT) sobre o prazo para regulamentar a questão.

“Essa falta de regulamentação pode causar prejuízo bilionário aos cofres públicos”, alertou o procurador Lucas Furtado na representação, chamando a atenção do governo para o caso.

A discussão sobre o tema se intensificou ao longo do ano passado, após denúncias em série de fraudes nos resultados de partidas de futebol. Em maio, foi instalada na Câmara a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a manipulação de resultado em partidas de futebol. No fim do ano, após intensa negociação, o governo conseguiu aprovar no Congresso o projeto de lei (PL) que regulamentou o setor. No fim de dezembro, o texto foi sancionado pelo presidente Lula com vetos.

Segundo a lei, não será dada autorização para empresas que tiverem como sócios ou acionistas controladores pessoas com participação em Sociedade Anônima do Futebol ou em organização esportiva profissional. Empresas de bets ligadas a atletas profissionais, integrantes de comissão técnica, árbitros ou dirigentes de equipe esportiva brasileira tampouco poderão obter autorização.

Há ainda proibições para jogos e propagandas envolvendo menores de 18 anos, bem como previsão de ações informativas de conscientização dos apostadores e de prevenção do transtorno do jogo patológico.

* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.