Governo quer proibir o uso de celulares nas salas de aulas

Congressistas da base defendem regime de urgência para driblar comissão presidida por bolsonarista
Redes sociais e joguinhos instalados em smartphones, distraem os alunos do conteúdo das aulas

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O governo, por meio do Ministério da Edução (MEC), vai encaminhar ao Congresso Nacional um projeto de lei proibindo o uso de celulares nas escolas públicas e privadas do país. A ação faz parte de um pacote de medidas a ser lançado no Dia das Crianças, celebrado em 12 de outubro. Congressistas da base de apoio ao governo defendem a tramitação em “regime de urgência” para driblar comissão presidida por deputado bolsonarista.

Na Câmara dos Deputados, oito projetos de conteúdo semelhante tramitam desde 2015, mas não avançaram nem da primeira etapa, a da Comissão de Educação, que hoje é presidida pelo deputado bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG).

Para acelerar a tramitação e driblar a presidência de Nikolas Ferreira na Comissão de Educação, alguns deputados da base defendem que o projeto do Planalto seja apresentado com regime de urgência – cuja tramitação não precisa passar pelo crivos das Comissões Temáticas e vai direto para análise e votação em Plenário.

Com isso, o governo força a votação diretamente no plenário em um prazo reduzido – a partir de 45 dias, a proposta tranca as demais votações no plenário.

“Baseado em estudos científicos, em experiências e mostrando o prejuízo que tem sido o uso deste equipamento livre para os alunos nas escolas, vamos discutir se a proibição será em sala de aula ou na própria escola. Claro, que isso será um Projeto de Lei, será discutido no Congresso Nacional. Já tem alguns estados iniciando, até o próprio estado do Ceará. (Queremos) que possa dar segurança para todas as redes municipais e estaduais. O MEC está determinado e a nossa posição é que tem sido um prejuízo ao aprendizado de todos alunos do Brasil”, declarou o ministro da Educação, Camilo Santana, durante viagem a Fortaleza (CE).

A decisão deve passar ainda pelo crivo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Caso a norma seja enviada ao Legislativo, o deputado federal Rafael Brito (MDB-AL), presidente da Frente Parlamentar Mista da Educação, avalia que o resultado deve ser favorável. “É muito importante para nossa sociedade que esse tema seja levado ao Congresso. O excesso de telas têm afetado profundamente a capacidade de concentração de crianças e adolescentes e nós, enquanto parlamentares, precisamos buscar soluções para esses problemas. Certamente teremos discussões intensas sobre a matéria, em razão da sensibilidade do tema, que deve receber a atenção devida.”

Manifestações

Aguardaremos o texto do MEC para, no Parlamento, construirmos a melhor solução possível”, avaliou Brito. Atualmente, na Câmara dos Deputados, oito projetos de lei tramitam sobre o tema. O principal é o projeto de lei (PL nº 104/2015), de autoria do deputado Alceu Moreira (MDB-RS). O texto proíbe o uso de aparelhos eletrônicos portáteis, como celulares e tablets, nas salas de aula da educação básica e superior de todo o país. O projeto prevê que os aparelhos só serão admitidos em sala se integrarem as atividades didático-pedagógicas e forem autorizados pelos professores.

Outros doze projetos de lei com o mesmo teor foram apensados ao texto, que aguarda ser pautado na Comissão de Educação.

Impactos da tecnologia

A proposta do MEC tem como base informações do Relatório Global de Monitoramento da Educação da Unesco, divulgado no ano passado.

No documento, a organização internacional afirma ter preocupação com o “uso excessivo de telefones” e deixa alerta para “impacto negativo no aprendizado”. Ainda de acordo com o estudo, um em cada quatro países possui legislação restritiva sobre o uso de celular nas salas de aula.

Alguns especialistas em educação, analisaram quais são os impactos positivos e negativos da normativa na vida das crianças e jovens. Rudá Ricci, presidente do Instituto Cultiva, aponta que, de um lado, trata-se de novas tecnologias que de alguma maneira, em algum momento, terão que ser incorporadas no dia a dia. “Porém, existe um outro ângulo de ver essa questão, que é o lado gravíssimo. Várias pesquisas internacionais vêm revelando que o uso dos celulares e o ingresso de crianças, adolescentes, nas redes sociais está provocando aumento de depressão profunda e suicídio, principalmente envolvendo meninas, e no caso de adolescentes homens, o aumento de violência e agressividade incontida”, destaca.

Ana Paula Flores, pedagoga e consultora educacional destaca que apesar de ser uma ferramenta importante, o celular tem se virado contra os professores. “O professor não consegue lutar contra 42 alunos em sala de aula conversando via WhatsApp enquanto ele dá aula”, diz. Ela afirma, inclusive, que muitos alunos utilizam inteligência artificial na sala de aula através do celular, o que representa um segundo problema para os professores. Roberval Angelo Furtado, doutor em educação, afirma, no entanto, que a proibição pela simples proibição não faz sentido. “O que se torna necessário é a educação digital dos estudantes.

A conscientização do equilíbrio do uso do aparelho e o estabelecimento de regras claras para a sua utilização no ambiente escolar é um debate que não pode mais ser adiado. “Se a comunidade escolar considera que o uso do aparelho celular interfere no processo de ensino aprendizagem de forma drástica, as medidas necessárias de utilização quanto ao uso pelos estudantes precisam ser tomadas”, conclui Flores.

Outros países

A França foi um dos primeiros locais a adotar a medida, em 2018, e não permite que estudantes utilizem os aparelhos em nenhum momento na escola, inclusive nos intervalos. Itália, Finlândia, Holanda e Espanha também estão entre os países que proibiram o uso dos celulares. Recentemente, a Grécia também adotou a medida, no início deste mês.

A lei grega permite que as crianças e adolescentes levem os aparelhos para a escola, no entanto, devem permanecer dentro das mochilas durante todo o período educativo. No Brasil, alguns municípios e estados já adotaram leis para restringir o uso do celular nas escolas. No Rio de Janeiro (RJ), por exemplo, o prefeito Eduardo Paes determinou, no início deste ano, a proibição do dispositivo dentro e fora das salas de aula. A norma foi criada após uma consulta pública em que 83% de quem respondeu se mostrou favorável à ideia.

* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.