Greves no Ibama, ICMBio e SFB já causam prejuízo de R$ 80 bilhões ao país

A paralisação obrigou bloqueios de empreendimentos bilionários em linhas de transmissão, perfuração de petróleo e fiscalização de obras do PAC
Protestos de servidores de órgãos do meio ambiente federal em ato na Esplanada, em frente ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. Eles reivindicam reajuste salarial e recomposição do quadro de servidores

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Há sete meses numa mobilização por melhores salários, servidores federais em greve, ligados a três órgãos-chave do Ministério do Meio Ambiente – Ibama, ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e Serviço Florestal Brasileiro, já deixaram um rastro de prejuízos em adiamento de projetos de investimentos, de cobrança de multas e até de exportações, entre outros passivos, que passam de R$ 80 bilhões, numa conta que não para de subir. Nem as obras do PAC escapam.

A mobilização, iniciada em janeiro deste ano, com paralisação de serviços externos – incluindo emissão de licenciamento ambiental e fiscalização de campo –, se arrasta há mais de sete meses sem perspectiva de acordo com o governo federal.

O próprio presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), diz que “os servidores têm direito à greve”, “lutar por seus direitos”, e que o governo dele “não vai proibir as greves”. Tais declarações fossem feitas por um CEO numa empresa privada, seria motivo de demissão por justa causa. Como na política isso só é possível a cada quatro anos, por vontade do eleitor, os empresários do Brasil não sabem a quem recorrer para estancar o prejuízo bilionário ocasionado pelos servidores ambientais federais.

O cenário revela, como consequência da paralisação grevista, congelamento de importantes projetos de investimentos privados, alguns em áreas estratégicas para o Brasil, e para o próprio governo, uma vez que nem as obras previstas pelo Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) conseguiram o aval dos órgão em greve. E sem licenças as obras estão sendo paralisadas num efeito dominó.

Num momento de dificuldades na execução orçamentária, queda de arrecadação e explosão da conta na rubrica da previdência social com a entrada de novos beneficiários após uma redução das filas de espera no INSS, o governo não tem caixa para zerar o défict fiscal que ele próprio previu ao criar o arcabouço fiscal, mesmo assim, R$ 80 bilhões de prejuízo para mover a roda da economia cobrará, de maneira dramática, do próprio governo, dificuldades ainda maiores na administração das contas públicas, advertem os economistas em vários artigos publicados nos grandes jornais.

Sete meses de braços cruzados

Já são sete meses de paralisação que está afetando áreas da economia que dependem de fiscalização e, principalmente, de licença ambiental – da perfuração de poços de petróleo à autorização para instalação de linhas de transmissão, passando pela importação de veículos elétricos, exportações de vários itens e fiscalização de obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

O movimento, liderado pela Ascema (Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente), reivindica equiparação de salários dos servidores dos três órgãos com os da ANA (Agência Nacional de Águas). O piso passaria de R$ 8.817,72 para R$ 15.058,12, enquanto o teto aumentaria de R$ 15 mil para R$ 22.900.

Sem acordo

Os servidores rejeitaram todas as propostas oferecidas pelo governo. Foi convocada uma paralisação geral em julho, incluindo os funcionários que trabalham em áreas administrativas.

A greve durou três dias e foi suspensa após uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que exigiu a retomada de atividades consideradas essenciais, impondo multa diária de R$ 200 mil em caso de descumprimento. Governo federal e grevistas estão agora participando de audiências de conciliação.

Sem fiscalização, a área de degradação florestal da Amazônia por atividades como queimadas, garimpo e extração de madeira aumentou quase 17 vezes no primeiro quadrimestre de 2024 em comparação ao mesmo período do ano passado, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

Além da devastação e do prejuízo bilionário acumulado com a paralisação de serviços externos, há também uma parte que deve ser creditada à falta de servidores dos órgãos, que passaram por uma política de esvaziamento de quadro de pessoal ao longo dos últimos anos, cujo resultado mais visível é o acúmulo de serviços pendentes.

O Ibama é um exemplo. Das 5.241 vagas existentes no órgão, 2.286 – quase a metade – estão desocupadas. A situação tende a piorar até 2025, quando um terço do efetivo deve se aposentar.

O efeito desse problema duplo – falta de licenciamento por causa da greve com o atraso nas emissões de autorizações dos últimos anos por falta de pessoal – está paralisando o segmento de transmissão de energia.

O setor já acumula R$ 74,2 bilhões de investimentos em linhas de transmissão pendentes, pois todas as licenças ambientais referentes aos leilões de transmissão de energia de 2022, 2023 e 2024 – com prazos de conclusão das obras que vão de 2027 a 2030 – ainda não foram analisadas.

O atraso certamente vai afetar o leilão de 6.464 km de novas linhas de transmissão de energia elétrica, previsto para o segundo semestre. Mesmo que a greve terminasse hoje, seriam necessários sete meses de trabalho contínuo para analisar os processos pendentes.

Para se ter uma ideia do gargalo, do início de 2023 para cá, apenas quatro empreendimentos de grande porte (acima de 500 kV de transformação) obtiveram licenças ambientais de implantação e de operação. Mesmo assim, de caráter provisório.

Sem royalties

O setor de óleo e gás também contabiliza prejuízos milionários com a falta de emissão de licenciamento e de fiscalização.

De acordo com o Ministério de Minas e Energia, as perdas de arrecadação por conta de atrasos no processo de licenciamento ambiental para projetos offshore (em mar aberto) de petróleo e gás já chegam a R$ 5,2 bilhões, o equivalente a R$ 750 milhões por mês.

A Ascema calcula perdas mensais menores de arrecadação, de R$ 470 milhões, mas inclui na conta outros R$ 485 milhões mensais em royalties, elevando o prejuízo total para cerca de R$ 6,7 bilhões.

Outro setor também acusou prejuízos com a paralisação dos servidores ambientais. Segundo a Associação das Indústrias Exportadoras de Madeiras do Estado do Pará (AIMEX), somente em julho cerca de 500 cargas de madeira foram impedidas de embarcar, o que resultou em prejuízos parciais de R$ 150 milhões.

As negociações dos servidores com o Ministério de Gestão e Inovação tiveram início em outubro de 2023, com a abertura de uma mesa de discussão. Mas evoluíram pouco em direção a um acordo e há uma reclamação geral do pouco caso do governo para uma área de grande importância na agenda verde do governo as vésperas da COP 30 – a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima – a ser realizada na cidade de Belém (PA), em novembro de 2025.

Além de fiscalizar a segurança e a integridade de terras indígenas e Unidades de Conservação, os servidores grevistas são responsáveis, ao emitir licenças ambientais, pela autorização de hidrelétricas, de grandes obras, gasodutos, minerodutos e plataformas de petróleo.

Apesar de semelhante, o movimento dos funcionários de órgãos ambientais não tem ligação com outra campanha recente por melhores salários, de servidores federais ligados às 11 agências reguladoras, também sem solução por enquanto.

Os servidores rejeitaram a última proposta salarial do governo em assembleia do Sinagências na segunda-feira (22/7), com 99% dos votos. Na mesma ocasião, 93% dos presentes decidiram fazer uma paralisação de 48 horas a partir da 0h do próximo dia 31/7.

O movimento expôs o grau de sucateamento das agências reguladoras, essenciais para fazer o País andar, pois regulam 60% dos setores que movimentam a economia. Em junho, diretores-gerais das agências reguladores (nomeados pelo governo anterior) e sete ministros do atual governo pediram solução rápida para a disputa.

As agências reguladoras enfrentam o mesmo problema dos órgãos ambientais – falta de pessoal para dar conta do serviço. As 11 agências federais estão com cerca de um terço dos seus postos desocupados, com 3.708 cargos vagos de um total de 11.522.

* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.