Brasília – Um grupo de parlamentares de vários partidos notabilizados pela defesa dos direitos humanos, apoiados por militantes da causa indigenista e renomados sertanistas, fizeram um Ato de Protesto no Salão Verde da Câmara dos Deputados na quinta-feira (13), e posteriormente foram recebidos no Gabinete do Presidente da Casa, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), quando entregaram um abaixo assinado com o pedido para que o Congresso rejeite o projeto de lei do governo que libera atividades econômicas em terras indígenas.
Dentre os apoiadores do Ato, estavam Sydney Possuelo e Antenor Vaz, duas das maiores autoridades sobres povos isolados e de recente contato na Amazônia, três parlamentares de esquerda e representantes de várias etnias indígenas.
Segundo eles, o governo do presidente Jair Bolsonaro está desmantelando as proteções do Estado construídas ao longo de décadas desde o Marechal Rondon e alegaram que a Fundação Nacional do Índio (Funai) foi transformada em uma ferramenta de interesses ruralistas e mineradores.
“Não conheço na história republicana uma situação tão perigosa para os povos indígenas no Brasil. Este governo está desmontando tudo o que foi feito em 90 anos de proteção ao indígena”, alertou Sydney Possuelo. “Há real perigo de etnocídio contra povos isolados. E isso já está em curso”, completou.
Ele disse também que o governo Bolsonaro está acabando com uma política iniciada em 1986 de isolar os povos de recente contato da sociedade brasileira para protegê-los dos vírus mortais para eles e do avanço ilegal de pescadores, madeireiros e garimpeiros.
Desde sua campanha eleitoral, Bolsonaro afirma que seu governo iria assimilar os 900.000 indígenas e desenvolver economicamente a Amazônia, porque eles vivem na miséria como animais no zoológico.
Para Antenor Vaz, sob maior perigo da nova política indigenista adotada pelo atual governo estão os povos de recente contato. O Brasil tem a maior concentração no mundo de povos indígenas isolados, com 114 dos 185 grupos identificados na América do Sul.
O sertanista Antenor Vaz, que atua como consultor para políticas de proteção a indígenas isolados, afirma que o não atendimento às demandas e aos interesses do segmento tende a prejudicar o país e o mundo em maior escala.
“A Funai foi tomada de assalto por pessoas que atendem aos interesses ruralistas”, disse a líder da minoria na Câmara, Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
A Constituição estabelece a autodeterminação dos povos indígenas e que o Estado tem que proteger suas vidas e seus direitos.
Junto aos deputados Airton Faleiro (PT-PA) e Edmilson Rodrigues (PSOL-PA), foi feito um apelo para o Congresso frear os planos do governo Bolsonaro sobre os povos indígenas.
Possuelo e Vaz condenaram a nomeação na semana passada pelo governo de um missionário evangélico, Ricardo Lopes Dias, para dirigir o departamento de povos indígenas isolados e recente contato.
Possuelo presidiu a fundação entre os anos de 1991 e 1993, durante o governo de Fernando Collor. Durante sua trajetória como indigenista, teve contato com diferentes grupos em situação de isolamento e foi o responsável pela criação da Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC).
O Ministério Público Federal (MPF) em Brasília entrou na terça-feira (11) com uma ação civil pública para suspender a nomeação de Dias sob o argumento de que há evidente conflito de interesses, incompatibilidade técnica e risco de retrocesso na política de não-contato desde a década de 1980. À noite, no Plenário da Câmara, cinco deputados da Bancada Evangélica defenderam a nomeação de Dias para o cargo, em razão de seu “extraordinário curriculum”, disse o porta-voz do Grupo, deputado Otoni de Paula (PSC-RJ).
Segundo o MPF, para nomear o missionário, a presidência da Funai fez antes uma alteração no regimento interno do órgão, retirando a exigência de que o coordenador da área de isolados seja um servidor de carreira.
Para o MPF, é indubitável a ilegalidade da nomeação porque a medida enfraquece a capacidade institucional da Funai em proteger a autodeterminação e a vida dos povos indígenas, mandamentos constitucionais que regem a atuação da fundação.
Dias foi membro por uma década do Novas Tribos, um grupo cristão fundado nos Estados Unidos no ano 1942 e que tem como missão evangelizar povos isolados.
“Desde que os europeus chagaram aqui, sempre houve cobiça das terras indígenas e das almas indígenas”, disse Vaz, que pediu ao Congresso e ao MPF para agirem contra o “ataque frontal” aos povos indígenas do Brasil.
Projeto de Lei
O governo federal apresentou na semana passada numa grande cerimônia em comemoração aos “400 dias de Governo”, com destaque, o Projeto de Lei 191/2020 (leia a íntegra do texto), do Executivo, que autoriza a mineração em terras demarcadas. A deputada Joênia Wapichana (Rede-RR) liderou o pedido para que Maia arquive a proposta do governo.
O texto regulamenta a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em reservas indígenas. De acordo com a Constituição Federal, essas atividades só podem ser realizadas em solo indígena com prévia autorização do Congresso Nacional, por meio de decreto legislativo, e mediante consulta às comunidades afetadas, as quais é assegurada participação nos resultados.
A proposta define condições específicas para a pesquisa e lavra de recursos minerais, como ouro e minério de ferro, e de hidrocarbonetos, como petróleo e gás natural; e para o aproveitamento hídrico de rios para geração de energia elétrica nas reservas indígenas.
Na mobilização na Câmara contra o projeto que permite mineração em terras indígenas Wapichana afirma que o texto é inconstitucional. Segundo ela, o governo Bolsonaro quer restringir o usufruto exclusivo dos indígenas em suas terras. A deputada também questionou a capacidade estatal de fiscalização e monitoramento das grandes mineradoras. “O Brasil sequer solucionou problemas relacionados aos grandes desastres que nós vimos, como Mariana, Brumadinho, e não teve nenhuma resposta para a sociedade sobre esses desastres, precisamos sanar as feridas”, alertou.
“Apelo, do fundo da alma e com a consciência de que o Brasil não merece esse tipo de agressão à sua Constituição e, muito menos, o povo brasileiro e os povos indígenas, em particular, merecem agressão ao seu direito à vida. É absolutamente inconstitucional querer regulamentar o art. 176 e o art. 231 da Constituição através de projeto de lei, quando todos sabemos que os artigos e a Constituinte exigem leis complementares para sua regulamentação”, protestou no Plenário, o deputado federal Edmilson Rodrigues (PSL-PA). “(…) Não dá para aceitar que um Governo totalmente, absolutamente e expressamente comprometido com a destruição dos direitos indígenas tente empurrar isso goela abaixo do Congresso Nacional através de um projeto de lei, já que a Constituinte de 1988 exige – e assim foi estabelecido na Carta Magna – que seja através de lei complementar. São dispositivos diferentes, e por isso este projeto tem que ser devolvido ao Governo”, alertou Rodrigues.
Para o deputado Airton Faleiro (PT-PA), o momento pede uma maior aglutinação dos atores políticos e populares em torno do tema. “Principalmente para tratar dos direitos dos povos isolados, que não têm voz e precisam ainda mais do parlamento e da sociedade”, destacou.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu, em Brasília.