Grupos de Trabalho da Reforma Tributária iniciam Audiências Públicas

Nas primeiras audiências, ficou clara a preocupação de vários setores da economia com o desemprego que pode resultar do aumento da carga tributária
Deputados do Grupo de Trabalho (GT) da Regulamentação da Reforma Tributária (PLP n° 68/2024), na primeira e segunda audiências públicas do colegiado, na terça-feira (28/5)

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O grupo de trabalho (GT) da Câmara dos Deputados, que analisa o projeto de lei complementar de regulamentação da reforma tributária (PLP n° 68/24), encerra a semana com a realização de uma maratona de audiências públicas aprovadas no plano de trabalho apresentado na terça-feira (28). Segundo o roteiro, em até 60 dias, os 14 deputados com status de relatores, pretendem entregar seu relatório até o final deste semestre legislativo, que se encerra em julho.

São dois grupos de trabalho, e o segundo, também composto por sete deputados relatores, iniciou a primeira reunião na terça-feira. Esse segundo GT, ainda aguarda o envio, pela equipe econômica do governo, do texto do projeto de lei complementar que vai regulamentar o Comitê Gestor e Distribuição da Receita do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad declarou na semana passada que encaminharia o projeto até ontem, quarta-feira (29), o que acabou não ocorrendo, atrasando o cronograma do segundo GT.

O primeiro GT já está discutindo a regulamentação apresentada pelo governo no escopo do PLP n° 68/2024, que trata das especificações comuns ao IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), à CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e o Imposto Seletivo, criados na aprovação da Emenda Constitucional n° 132/2023.

Para não estourar o prazo de entrega do relatório, está prevista a realização de oito audiências públicas e reuniões com técnicos do governo. O objetivo é chegar a um texto de consenso no grupo.

Cronograma

Das oito audiências, duas foram realizadas na terça-feira (28). Na primeira audiência, compareceu, a convite do GT, o “pai” da reforma tributária, Bernard Appy, secretário Extraordinário da Reforma Tributária, vinculada ao ministério da Fazenda, ouvido durante a manhã. O colegiado voltou a se reunir à tarde com entidades empresariais, com o comparecimento de representantes das maiores confederações do páis. As demais audiências serão realizadas nas seguintes datas:

• 3 de junho, às 14h30: sobre normais gerais do IBS e CBS sobre operações;
• 4 de junho, às 9 horas: sobre o modelo operacional do IBS/CBS;
• 4 de junho, às 14h30: a respeito de IBS e CBS sobre exportações e importações, regimes aduaneiros especiais, regimes de bens de capital e zonas de processamento de exportações;
• 5 de junho, às 9 horas: sobre cashback, cesta básica e demais alimento;
• 5 de junho, às 14h30: sobre regimes diferenciados, profissões regulamentadas, serviços de educação e saúde, entre outros; e
• 6 de junho, às 9 horas: sobre regimes específicos e continuação de regimes diferenciados.

As audiências públicas serão presididas em sistema de rodízio pelos membros do GT. Os nomes dos convidados para os debates de junho ainda serão divulgados pela secretaria do grupo de trabalho.

Impacto na economia

Durante o debate com o GT, o secretário extraordinário da Reforma Tributária voltou a defender os principais pontos da proposta, como o split payment, um modelo de cobrança que separa o pagamento do imposto no ato da transação, muito comum nos Estados Unidos.

Secretário Extraordinário da Reforma Tributária – Ministério da Fazenda, Bernard Appy (esq.) e o deputado federal Augusto Coutinho (REPUBLICANOS-PE)

Segundo ele, o impacto da mudança tributária na economia será sentido no médio prazo (entre 10 e 13 anos), e vai ajudar a reduzir a pressão por aumento de carga tributária. “Estamos falando aqui, provavelmente, no aumento maior que 10 pontos percentuais no PIB potencial do Brasil. por conta da reforma tributária”, disse, explicando que isso se dará devido ao aumento da produtividade de todos os setores, um dos efeitos positivos da reforma tributária.

Fiscalização e alíquotas

Os deputados levantaram os pontos da proposta que mais preocupam, como a fiscalização do IBS. O deputado Joaquim Passarinho (PL-PA) teme que o contribuinte fique sujeito a uma dupla auditoria do tributo, que é compartilhado entre estados e municípios. “Temos que ter algum tipo de definição bem clara”, disse.

O deputado Moses Rodrigues (União-CE) defendeu que a alíquota do Imposto Seletivo seja destacada na nota fiscal ao consumidor, para que ele tome conhecimento. Já o deputado Luiz Gastão (PSD-CE) pediu um prazo menor para devolução dos créditos de IBS/CBS.

Também houve sugestões para incluir o sistema de tax free para o IBS/CBS para incrementar o turismo. O tax free consiste no reembolso dos impostos pagos nas compras feitas por turistas estrangeiros. O secretário Appy afirmou que a medida depende de análise do custo e benefício, e disse que o assunto pode ser estudado pelo governo.

Confederações

À tarde, o GT recolheu as demandas especificas dos representantes de diferentes setores da economia. Os participantes ressaltaram a importância de manter a coerência com a emenda constitucional aprovada no ano passado, que serve de base para o projeto em análise.

O representante do setor de seguros e saúde complementar, Alexandre Leal, destacou que a reforma trata da taxação de bens e serviços. Logo, na opinião do especialista, receitas financeiras não deveriam ser tributadas, porque não são uma coisa nem outra.

Já o consultor tributário da Confederação Nacional do Comércio e Turismo (CNC), Gilberto Alvarenga, defendeu como ponto mais importante da reforma a não cumulatividade dos tributos.

“A não cumulatividade deve ser ampla e qualquer limitação deve ser pensada e analisada como uma exceção. O conceito de uso e consumo pessoal é tido pela emenda constitucional como o único limitador à não cumulatividade”, disse.

Assessor Econômico da Confederação Nacional de Serviços (CNS), Fernando Garcia

De acordo com o consultor tributário da mesma confederação, Fernando Garcia, a reforma vai acarretar aumento de impostos para o setor. Segundo disse, o comércio terá elevação de 18% na carga de tributos, e os serviços, como regra geral, de 90%. Hotéis, que hoje pagam 6,7% de impostos, vão ser taxados pela tarifa padrão prevista na forma, estimada em cerca 26,5%.

Para Fernando Garcia, essa elevação no pagamento de impostos vai ter impacto na inflação e gerar desemprego. Como forma de compensação, o consultor defende redução da contribuição previdenciária para setores como energia, saneamento e gás, e serviços de informação. O consultor também acredita que o setor de serviços deveria ter alíquotas especiais.

“Nesse momento de definição das alíquotas, é muito importante preservar alíquotas menores para atividades que têm capacidade de geração de emprego qualificado, de maior remuneração. Hoje, se nós pegarmos os dados do Ministério do Trabalho, do sistema Rais-Caged, nós já percebemos que o setor de serviços privados não financeiros remunera melhor do que os outros setores de economia”, apontou Garcia.

O representante da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen), Sebastião Garcia, também sustentou que a educação vai pagar mais impostos com a reforma. Segundo ele, as escolas pagam atualmente 8,65% de tributos. Com o novo sistema, acredita que possa haver aumento da alíquota de 0,30% a 2,55%.

Deputado federal Joaquim Passarinho (PL-PA)

Joaquim Passarinho, que também é presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE), é autor do projeto de lei complementar (PLP n° 50/2024), apresentado paralelamente à proposta do governo, que estabelece a regulamentação da apuração, recolhimento, fiscalização e cobrança; da mediação e do processo administrativo tributário do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), tributos previstos nos artigos 156-A e 195, V, da Constituição Federal, e dá outras providencias. Considerado um projeto completo, a proposta foi bem recebida por todos os setores empresariais e cobre lacunas não abordadas pelo texto do governo.

Passarinho ressaltou que o maior desafio do grupo de trabalho será atender às demandas dos setores produtivos sem aumentar a carga tributária. O parlamentar também defende que o texto final deve ser claro, para evitar interpretações divergentes.

“Eu não posso deixar que três tributaristas leiam o mesmo texto e cada um interprete de uma maneira diferente. Aí não dá. A lei tem que ser clara, simples, autoaplicável, tem muita coisa na legislação que está jogando para uma regulamentação posterior. A regulamentação por decreto, por portaria, é muito ruim, porque isso acaba mudando muito e a gente acaba não entendendo”, afirmou.

A reforma tributária tem tudo para ser o acontecimento mais importante para a economia brasileira desde o Plano Real, mas seu sucesso depende da qualidade das regras que vão definir o seu funcionamento.

* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.