Haddad anuncia primeiras medidas econômicas do governo Lula

São três Medidas Provisórias, três decretos presidenciais e uma portaria
A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, o ministro da Economia, Fernando Haddad, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e o ministro da Casa Civil, Rui Costa, durante assinatura das primeiras medidas econômicas do governo

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Brasília – De olho em fazer bonito no Fórum Econômico Mundial de Davos, na próxima semana, e tentar acalmar o mercado, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou um pacotão composto por três Medidas Provisórias, três decretos presidenciais e uma portaria, em entrevista coletiva nesta quinta-feira (12), num dia em que o mercado financeiro viu, estarrecido, a quase falência das Lojas Americanas após a revelação de uma inconsistência contábil de R$ 20 bilhões, derrubando as ações da empresa em 77,45% próximo ao fechamento da bolsa.

A equipe liderada por Fernando Haddad acredita que as medidas ajudem a reduzir o déficit estimado em R$ 231,5 bilhões neste ano. O ministro atribuiu os péssimos números à gestão anterior.

Há dois anos o Brasil convive com um com carrasco que assombrou e martirizou seu passado: a inflação, que hoje voltou a ser uma das mais altas do mundo penalizando a população que não seja rica.

Ao lado de Fernando Haddad na ocasião do anúncio, estavam a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet; a ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck; o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron; e o secretário da Receita Federal, Robison Barreirinhas.

Fernando Haddad (Fazenda) anuncia as medidas do pacotão fiscal em entrevista coletiva aos jornalistas, ao lado das ministras Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) e Esther Dweck (Gestão e Inovação em Serviços Públicos)

Mais cedo, antes do anúncio, Haddad e Tebet participaram de audiência com o presidente Lula, que assinou as MPs e os decretos. Ele promoveu, nesta quinta, uma maratona com os principais ministros para tomar conhecimento de cada uma das medidas de cada ministério para os primeiros 100 dias de governo. O dono da caneta Montblanc analisará se irá vetar ou aprovar o que foi apresentado pelos subordinados.

Inconsistências

Logo no início do powerpoint da apresentação, olhando com lupa sobre a tabela, ficaram evidentes algumas inconsistências. Por exemplo, medidas de transformar ajuste fiscal pelo lado das despesas e das receitas para diminuir o rombo nas contas do governo federal, previsto no Orçamento em R$ 231,5 bilhões, o equivalente a 2,3% do PIB, para um déficit em torno de 0,5% a 1% do PIB, entre R$ 90 bilhões e R$ 100 bilhões.

No início da coletiva, porém, o ministério divulgou uma apresentação apontando que as medidas poderiam, na verdade, levar a um superávit de R$ 11,3 bilhões.

O pacote prevê ações para aumentar a arrecadação, entre elas a volta da cobrança de impostos federais sobre a gasolina, além da redução de despesas em 2023 e de um programa de refinanciamento tributário, chamado “Litígio Zero”.

De antemão, o mercado precificará que, na prática, com o aumento dos preços dos combustíveis, haverá elevação dos custos das empresas e inflação, o que atingirá o crescimento da atividade econômica – estagnada há dois meses. A parcela da população que depende do Bolsa Família será prejudicada fortemente, uma vez que, com o aumento da inflação, significa desvalorização do valor do programa.

“Algumas medidas podem frustrar. Tem uma série de coisas que, em virtude da desorganização dos processos administrativos ao longo dos últimos quatro anos, fica difícil prever. Eu não quero vender aquilo que pode ser difícil entregar, eu não quero frustrar. Outra coisa que eu não controlo é a reação do Banco Central,” afirmou o ministro. “Agora, um déficit menor de 1% do PIB eu consigo entregar”.

A previsão do rombo fiscal cresceu com a aprovação da PEC que permitiu ao novo governo furar o teto de gastos para cumprir promessas de campanha. Por isso, Haddad comemorou a nova estimativa de receita do Tesouro, de R$ 36 bilhões para o ano – algo em torno de 0,34% do Produto Interno Bruto (PIB).

Ele destacou também o aproveitamento dos ativos do PIS/Pasep, como previsto na PEC da Gastança, que considera R$ 23 bilhões. “Estamos falando de praticamente R$ 60 bilhões, o que é receita primária sem que nada precise ser feito,” afirmou Haddad.

O ministro disse que o principal objetivo do Ministério da Fazenda é fazer com que as despesas e as receitas se aproximem do cenário de 2022, em relação ao PIB. Nesse ponto da fala de Haddad ficou implícito que os números da economia sob Paulo Guedes estavam sob controle, mas que houve uma “desorganização” com o pacote de medidas eleitoreiras para Bolsonaro ganhar as eleições e que acabou “bagunçando” a economia.

“Me parece evidente que é adequado tentar equilibrar o orçamento ainda neste ano. Não estamos reclamando que somos governo, mas festejando porque iremos arrumar a casa,” disse Haddad, citando uma agenda conjuntural de 90 dias.
Segundo o ministro, as medidas econômicas serão acompanhadas passo a passo e se houver frustrações, novos cálculos serão feitos, com possibilidade de outros anúncios.

Entre os principais pontos do pacote anunciados hoje estão a revogação da redução do PIS/Cofins cobrado sobre receitas financeiras de grandes empresas e a volta do voto de desempate em favor da Fazenda no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

Desoneração dos combustíveis

Uma das incertezas sobre as medidas do novo governo é a desoneração de PIS/Cofins sobre combustíveis. No dia em que tomou posse, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou uma Medida Provisória que prorrogou por 60 dias a desoneração da gasolina e do diesel até o final do ano, o que significa perda de receitas para a União.

Segundo Haddad, uma decisão sobre o assunto só será tomada após o indicado para a presidência da Petrobras, senador Jean Paul Prates, assumir o cargo. O presidente Lula prometeu mudar a política de preços da estatal, que hoje é atrelada à variação do dólar e do valor do barril de petróleo no mercado internacional. Desde essa fala, as ações da Petrobras na bolsa de valores desvalorizaram e a companhia perdeu R$ 30 bilhões em valor de mercado, e ao que parece, continuará perdendo.

Durante o anúncio das primeiras medidas econômicas do governo Lula, Haddad afirmou que o governo estima a receita de PIS/Cofins sobre combustíveis de acordo com a lei atual, mas que o presidente pode reavaliar o prazo de redução dos impostos federais sobre esses produtos.

A volta do voto de qualidade no Carf

O pacote de medidas apresentado hoje inclui a volta do chamado voto de qualidade – instrumento extinto em 2020 que permitia o desempate em julgamentos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) a favor do governo.

O Carf é o tribunal administrativo que julga recursos de autuações da Receita Federal antes dos processos irem à Justiça.

Segundo a lei de 2020, em caso de empate no julgamento de processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, resolve-se em favor do contribuinte. Até então, o voto de qualidade permitia ao presidente de cada turma do Carf, sempre um representante da Fazenda Nacional, desempatar os julgamentos.

Haddad argumenta que teses favoráveis à Fazenda reconhecidas pelo Judiciário têm sido revistas pelo Carf. “A Fazenda ganha no Judiciário, mas não pode recorrer a ele,” justifica a pasta.

E complementou o ministro: “Era melhor não ter o Carf do que ter como era antes. Tivemos R$ 60 bilhões em prejuízos por ano com o Carf como era. Com as mudanças de cultura teremos um ganho de R$ 50 bilhões por ano”.

Litígio Zero

Haddad também anunciou um programa de refinanciamento de dívidas tributárias. Chamado de “Litígio Zero”, o mecanismo permitirá parcelar dívidas com a União e incluirá descontos de até 100% de multas e juros para pessoas jurídicas. O parcelamento poderá ser feito em até 12 meses.

O programa prevê ainda elevar o piso de acesso de processos ao Carf. Hoje, o corte é de 60 salários mínimos e a proposta é que processos de até mil salários mínimos sejam julgados definitivamente nas delegacias estaduais e do Distrito Federal e Territórios.

Com a medida, a Fazenda espera redução de 70% dos processos que entram no tribunal tributário, mas que representam menos de 2% do valor total. Segundo a apresentação feita na coletiva, o estoque de processos administrativos no Carf vem oscilando em torno de 100 mil desde 2018. Já o valor do estoque subiu de cerca de R$ 600 bilhões entre dezembro de 2015 e dezembro de 2019 para mais de R$ 1 trilhão em outubro do ano passado.

Com a adoção do “Litígio Zero”, que prevê também o fim do recurso de ofício para processos com valores abaixo de R$ 15 milhões, o governo espera reduzir substancialmente as filas de processos hoje existentes. De acordo com o ministério, nesses casos, se o contribuinte vence na primeira instância, acaba definitivamente o litígio.

Por Val-André Mutran – de Brasília

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