Brasília – Assunto do momento na maior parte das grandes companhias e setores mais dinâmicos da economia global, assim como de governos mundo afora, o modelo de certificação de créditos de carbono está em xeque. “Acho que tem que ser uma coisa híbrida, com uma agência reguladora para que a gente não corra risco de ser vítima do lobby das certificações internacionais,” disse o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), defendendo que o Brasil tenha uma certificadora nacional de créditos de carbono.
A declaração foi dada em conversa com jornalistas na última quarta-feira (20), quando Barbalho propôs um modelo que não seja totalmente privado e que, segundo ele, é uma ideia que já apresentou ao governo federal. Ele cita ainda o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como um dos possíveis entes que poderiam ter o papel de lastrear parte do processo de certificação nacional, como forma de garantir maior integridade ao mercado brasileiro de redução de emissões.
A certificação dos créditos de carbono tem enfrentado problemas de credibilidade no mercado voluntário de carbono. Parte desse problema chegou a diminuir em 4% a demanda por offsets, ou compensações, em 2022 em relação ao ano anterior, segundo levantamento da BloombergNEF – empresa especializada em inteligência de mercados.
Depois de uma explosão, em 2021, o mercado voluntário de créditos de carbono – em que as empresas buscam compensar suas emissões de forma espontânea – está passando por um processo de depuração.
Tanto a demanda quanto a oferta de créditos perderam bastante fôlego em 2022, segundo a BloombergNEF, mostrando que a euforia do “carbono neutro” nas manchetes e nos relatórios de sustentabilidade esconde uma dinâmica complexa e cheia de desafios, o que tem preocupado investidores e governos.
“Se 2021 foi o ano da decolagem do mercado de offsets, 2022 seria mais bem descrito como o ano da turbulência inicial após ele ter atingido as nuvens mais baixas,” aponta a empresa de inteligência de mercado.
Foram analisados os números dos quatro principais registros dos chamados offsets, ou compensações: Verra, Gold Standard, American Carbon Registry e Climate Action Reserve.
Após ter quase dobrado no ano anterior, a demanda por créditos caiu 4% em 2022, para 155 milhões de toneladas de carbono equivalente. Os dados consideram a aposentadoria de créditos, feita quando as empresas efetivamente os usam para compensar suas emissões, fazendo com que os títulos saiam de circulação.
Já a oferta ficou praticamente estável, com leve alta de 2% nas emissões de créditos de carbono em 2022, para 255 milhões de toneladas. Em 2021, o salto havia sido de 113%.
O cenário pode parecer contraintuitivo a um primeiro olhar, diante do crescente interesse das empresas (ao menos no discurso) pela compensação de emissões. Parte desse ajuste é técnico: a proibição da aposentadoria de créditos para transformá-los em tokens rastreáveis, expediente usado por empresas de criptomoedas como Toucan Protocol e a brasileira Moss, tirou um forte vetor de demanda.
Segundo a Bloomberg, em 2021 as cinco principais empresas cripto aposentaram 18 milhões de créditos, valor que caiu para apenas 5 milhões de toneladas em 2022 (a proibição começou a vigorar no meio daquele ano).
Mas, na essência, aponta a empresa, a freada brusca no mercado de créditos está ligada a um certo amadurecimento por parte dos compradores, que começam a ficar mais atentos à qualidade dos projetos e o quanto eles efetivamente contribuem para evitar ou capturar emissões de gases de efeito estufa.
No cenário global, a demanda por projetos de Redução de Emissões provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+) caiu 40% em 2022 em relação a 2021. A avaliação do levantamento é de que o risco reputacional dos créditos provenientes do desmatamento evitado tem feito desenvolvedores “tirarem o pé do acelerador”.
Denúncias de greenwashing – expressão em inglês que significa “maquiagem verde” ou “lavagem verde”. Nesses casos, as marcas criam uma falsa aparência de sustentabilidade, sem necessariamente aplicá-la na prática – já chegaram inclusive ao Brasil. Um exemplo foi revelado pela imprensa no ano passado sobre a negociação da Petrobras por créditos de carbono do Acre que tinham problemas com documentos da certificação e registros de desmatamento.
É um sinal de alerta justamente por se tratar de projetos que vêm sendo aplicados especialmente nos estados amazônicos, como no Pará, Acre e Tocantins.
Além da questão da certificação que poderia garantir maior integridade para o mercado voluntário nacional, Barbalho lembra que outros assuntos deverão ser tratados ao longo do desenvolvimento do uso de offsets.
“Essa questão da certificação pressupõe regularização fundiária e integridade. Acho que esses serão os gargalos que vão ser muito cobrados quando o mercado estiver mais aquecido”, pontuou.
Iniciativas jurisdicionais
O governador do Pará avalia que o projeto de lei que cria um mercado regulado de crédito de carbono, o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), precisa antes de tudo garantir a possibilidade dos sistemas jurisdicionais no texto — o que significa, na prática, poder aos estados para criação e negociação dos seus próprios programas de mercado voluntário.
O trecho do texto chegou a ser colocado em xeque durante a tramitação da matéria na Câmara dos Deputados, mas foi retomado após articulação dos governadores dos estados da região Amazônica e do próprio Barbalho com o relator da matéria na Casa, deputado Aliel Machado (PV-PR).
Machado defendia à época que a gestão dos créditos ficassem sob responsabilidade dos próprios produtores interessados em comercializar os créditos de áreas florestais preservadas.
A solução encontrada no texto foi um dispositivo para garantir que os proprietários possam sair do mercado jurisdicional e negociar seus próprios créditos diretamente com compradores, caso queiram.
O governador defendeu ainda o uso de reservas legais para remuneração no mercado de carbono no projeto de lei.
“Se eu sou dono de 100% da minha terra, por que eu não posso ter lucro de 20% que eu uso? E os 80% que eu preservo? Acho que precisamos abrir a mente para transformar a captura de carbono, a floresta viva, em um valor,” disse.
Por Val-André Mutran – de Brasília