Helder defende na COP27 investimentos em projetos da bioeconomia para salvar a Amazônia

“O impulsionamento da bioeconomia é vocação do Pará e da Amazônia”, disse o governador
Governador do Pará, Helder Barbalho, apresentou importante tese na COP27

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O governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), apresentou na quinta-feira (15), um conjunto de projetos baseados na natureza para soluções climáticas, em particular, as experiências em bioeconomia desenvolvidas pelo Pará e que podem ser replicadas em toda a região de influência da Floresta Amazônica, durante painel na 27ª edição da Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (COP27), realizada em Sharm el Sheikh, no sul do Egito.

Barbalho defendeu que os mecanismos internacionais subsidiem o financiamento público para estimular os negócios e empregos verdes que giram em torno da bioeconomia no estado. A tese defendida por Barbalho atraiu a atenção para uma audiência composta de especialistas, ambientalistas e autoridades de diferentes partes do mundo porque foi um chamamento direto para abrir a discussão sobre a forma como hoje a Amazônia está ocupada e a possibilidade de se mudar a exploração predatória por uma bioeconomia que pode salvar a maior e mais importante floresta tropical do planeta. Afinal, além das preocupações óbvias sobre o clima, é fundamental equacionar o futuro de 22 milhões de seres humanos que lá residem.

“Esse é um momento especial para reafirmar o compromisso do nosso estado no impulsionamento desta nova vocação que é a bioeconomia. Estamos considerando o conhecimento, a ciência, a tecnologia e o saber dos nossos ancestrais, mas por outro lado, construindo o financiamento público subsidiado para estimular negócios verdes. Nosso desafio é conciliar tradição e inovação, gente e floresta viva e cremos que a bioeconomia é o novo pilar econômico da Amazônia e, particularmente, do Estado do Pará”, analisou.

O conceito de bioeconomia não é novo, mas está circunscrito, na prática, a especialistas e é tido como novidade nos debates da COP27 e qual seu alcance e poder transformador nos esforços globais para a redução do efeito estufa, das emissões de CO² e como as nações podem trabalhar juntos para frear o aquecimento global.

Bioeconomia

Aliar biodiversidade com tecnologia e inovação é a base principal da bioeconomia. O Brasil tem forte potencial para liderar o processo no Mundo e desenvolver esse segmento como uma das maiores chances de se desenvolver de maneira sustentada e, assim, estar à frente de outras economias mundiais.

Segundo dados da Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI), o setor de biotecnologia industrial — um dos segmentos da bioeconomia — pode agregar, nos próximos 20 anos, aproximadamente US$ 53 bilhões anuais à economia brasileira e cerca de 217 mil novos postos de trabalhos qualificados. Para isso, as empresas do setor precisariam investir aproximadamente US$ 132 bilhões ao longo desse período.

Umas das prioridades para a bioeconomia poder avançar no Brasil está no aprimoramento da legislação, tanto de normas relacionadas ao uso da biodiversidade quanto para inovação e propriedade intelectual.

Outro tema que precisa ser regulamentado é a questão dos bioinsumos para fabricar fertilizantes e defensivos.

Pesquisa da Annual Biocontrol Industry Meeting (Abim) estima que o mercado mundial de bioinsumos gira em torno de US$ 5,2 bilhões, com taxa de crescimento superior a 15% ao ano. A previsão é de que o setor dobre de tamanho até 2025 e chegue a US$ 11,2 bilhões.

Mas, a bioeconomia é um ecossistema bem maior. A Bioeconomia é a ciência que estuda os sistemas biológicos e recursos naturais aliados a utilização de novas tecnologias com propósitos de criar produtos e serviços mais sustentáveis. A bioeconomia está presente na produção de vacinas, enzimas industriais, novas variedades vegetais, biocombustíveis, cosméticos entre outros.

Um exemplo são as novas sementes de cacau utilizados em lavouras que registram baixa produtividade, devido a exaustão das plantas e dos solos no município de Medicilândia, localizado num trecho da BR-030 — a lendária rodovia Transamazônica.

José Garcia, da Top Frutas, recuperou uma área degradada com sua plantação de cacau

É o que conta o agricultor José Garcia, paulista que se mudou coma família para produzir cacau em Medicilância, criando a Top Frutas e recuperou uma área degradada com sua plantação do fruto.
Aos 75 anos, José Garcia tem um grande orgulho dos 62 mil pés de cacau espalhados pela propriedade de 70 hectares. “Isso aqui antes era um deserto”, conta. “Transformamos a terra degradada em Floresta.”

Dono do sítio Top Frutas, ele chegou em Medicilândia, cidade paraense às margens da Transamazônica, em meados da década de 1970, no auge dos projetos de colonização promovidos pelo Incra.

Paulista, nascido e criado em uma família de pequenos agricultores, foi para o Norte com os pais, a mulher e filhos. “A gente tinha aquela ansiedade de possuir mais terra, aumentar a produção”, lembra. Lá, os Garcia se dedicaram ao cacau.

Há dez anos, porém, a plantação deu sinais de exaustão. Foi quando José ouviu falar em cacau geneticamente modificado — cacau clone, como ele chama. “Tivemos a ousadia de trazer a técnica para cá”, diz. Deu muito certo. Os 700 gramas produzidos por cada pé de cacau, há cinco anos, hoje são três quilos — o triplo da média brasileira.

“A meta é chegarmos a 200 toneladas por ano”, prevê José. Atualmente, com apenas as lavouras mais antigas dando frutos, o equivalente a 30% da plantação, o agricultor produz 60 toneladas, por ano.

Ao renovar plantação de cacau, José mudou o sistema de operação do sítio e adotou a consorciação de culturas. Apontada por especialistas como uma das alternativas mais sustentáveis à monocultura, a técnica prevê o cultivo de dois ou mais tipos diferentes de cultura, na mesma lavoura.

No Top Frutas, os cacaueiros dividem a roça com pés de banana, abacaxi, goiaba, abacate. Toda a produção é vendida com exclusividade para a Cargill. Se, por um lado, a exuberância das lavouras de José ilustra à perfeição o potencial da bioeconomia da Amazônia; por outro, a escassez de iniciativas como as dele é o retrato do desperdício de oportunidades oferecidas pela floresta.

Oportunidades

Em tempos de urgência climática, carência de áreas agrícolas e ameaça à segurança alimentar global, o desenvolvimento sustentável da região é imprescindível para o futuro da alimentação. Um futuro, aliás, que poderia já ter sido presente — não fosse a lógica ainda dominante de olhar para o bioma como uma fonte inesgotável de riquezas.

Entre 2017 e 2019, dos 955 produtos exportados por negócios sediados na Amazônia, apenas 64 vieram de extrativismo florestal não-madeireiro, sistemas agroflorestais, pesca e piscicultura e hortifruticultura tropical.

Ou seja, eram compatíveis com a floresta, como mostra o estudo “Oportunidades para Exportação de Produtos Compatíveis com a Floresta na Amazônia Brasileira”, realizado pelo projeto Amazônia 2030, uma iniciativa de pesquisadores brasileiros para a elaboração de um plano de ações para a região.

Pimenta, cacau, açaí, mel, óleos, peixes e frutas movimentaram, no período, US$ 298 milhões anuais. O mercado global dos mesmos produtos, no entanto, chegou a US$ 176,6 bilhões.

“Se as empresas da Amazônia que exportam produtos compatíveis com a floresta conseguissem atingir esse patamar, faturariam cerca de US$ 2,3 bilhões, por ano”, lê-se no relatório.

Um dos entraves para os negócios da floresta é a ineficiência operacional e a falta de garantia fitossanitária, de padrão de qualidade e/ou mão de obra treinada. “Nada disso é rocket science. É o básico”, diz Salo Coslovsky, autor da pesquisa do Amazônia 2030 e professor da Universidade de Nova York. “Mas não é o básico para quem mora longe dos grandes centros consumidores.”

Castanha-do-Pará

A história da castanha-do-pará é exemplar. Em todos os cantos do mundo, o produto é conhecido como “castanha do Brasil”, mas o mercado global é abastecido com frutos vindos da Bolívia. Em 1998, os produtores brasileiros não atenderam às normas da União Europeia e foram ultrapassados pelos bolivianos.

Apenas 100 gr de castanha-do-pará, custa R$ 22,00 em média, nas prateleiras de supermercados nas grandes capitais

Mesmo no gigantesco mercado interno do Brasil, uma embalagem com 100 gramas de castanha-do-pará, custa em média, nas grandes capitais, em torno de R$ 22,00. No sul do Pará, onde a castanheira tinha grande ocorrência, as árvores foram abatidas e estão praticamente extintas.

“Ponto a ponto, em praticamente tudo, o Brasil é melhor do que a Bolívia”, lembra Salo. “É maior, mais rico, conta com mais saída para o mar, não tem diferentes grupos étnicos, mas eles se organizaram e fizeram.”

As empresas bolivianas se uniram, compraram um laboratório de aflotoxinas (substâncias cancerígenas produzidas por fungos), contrataram consultores de qualidade, desenvolveram novas tecnologias de produção e controle sanitário, disseminaram boas práticas e convenceram o governo a simplificar os trâmites da exportação.

Uma das alternativas para impulsionar a bioeconomia da Amazônia, indicam os especialistas, é a parceria entre produtores locais, grandes companhias, governo e academia. Em 2020, a JBS, por exemplo, lançou o Fundo JBS Amazônia.

Com o objetivo de melhorar a qualidade de vida das comunidades tradicionais e indígenas e incentivar o desenvolvimento científico e tecnológico do bioma, a iniciativa já comprometeu R$ 60 milhões, em doze projetos. “Os projetos apoiados fomentam a pesquisa e o desenvolvimento de ingredientes e produtos a partir da biodiversidade do bioma amazônico, gerando negócios para a região”, diz Joanita Maestri Karoleski, presidente do Fundo JBS pela Amazônia.

Um deles é o Pesca Justa e Sustentável, em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Associação dos Produtores Rurais do Carauari (Asproc), no interior do Amazonas, a cerca de 800 quilômetros de Manaus, por via pluvial. A ideia é fortalecer o manejo do pirarucu, de modo a que o produto conquiste novos mercados.

“Pensamos em algo que pudesse potencializar a produção, empoderar a comunidade e criar novos produtos e conquistar novos mercados”, explica Viviane Rodrigues Verdolin dos Santos, pesquisadora da Embrapa. Orçada em cerca de R$ 1,6 milhão, a iniciativa prevê a criação de um protocolo de gestão hídrica e a capacitação da mão de obra, segundo os preceitos da economia circular.

“Nossa ideia é que eles [a comunidade local] aprendam a transformar em produtos nobres resíduos que ou vão para o lixo ou são vendidos por um valor agregado muito baixo”, diz Viviane. O couro de pirarucu, por exemplo, é valiosíssimo nos mercados nacional e internacional. Graças ao projeto, os ribeirinhos também vão produzir embutidos e defumados, a partir de partes menos nobres do peixe.

Como o pirarucu, a pimenta jiquitaia baniwa é outro patrimônio da floresta. Os baniwa vivem nas cabeceiras do rio Negro, entre Brasil, Colômbia e Venezuela. Somam de 15 mil a 18 mil pessoas, em 200 comunidades e sítios. Do lado de cá, são cerca de 6 mil, em 85 agrupamentos. Com apoio do Instituto Socioambiental e da Organização Indígena da Bacia do Içana, a pimenta baniwa ganhou o mundo.

Até a pandemia do novo coronavírus, a produção anual dos cerca de 170 quilos acontecia em quatro galpões; as casas de pimenta. Com balcões e pias de inox, estufa para a secagem dos frutos, todas seguem os padrões sanitários, exigidos pela lei. Atualmente, apenas um funciona –as outras estão em reforma.

Cerca de 30 empresas revendem a pimenta — com algumas, o contrato prevê o repasse de 10% do lucro, para o povo indígena. É o caso da Soul Brasil Cuisine, do casal Letícia e Peter Feddersen. Fundada em 2018, a empresa produz condimentos com produtos nativos brasileiros e exporta para Cingapura, Malásia, França, Estados Unidos e Porto Rico.

Os Feddersen também trabalham com comunidades ribeirinhas e quilombolas. Segundo Letícia, dessa forma, a Soul Brasil ajuda preservar a floresta em pé. “A gente não está inventando nenhuma roda. Os saberes desses povos são ancestrais”, diz. “O mundo busca histórias e quando a gente faz esses relatos, os olhinhos brilham”. E história é o que não falta na floresta.

Interlaçados

A bioeconomia emprega novas tecnologias a fim de originar uma ampla diversidade de produtos. Engloba as indústrias de processamento e serviços interlaçando-se ao desenvolvimento e à produção de fármacos, vacinas, enzimas industriais, novas variedades vegetais e animais, bioplásticos e materiais compósitos, biocombustíveis, produtos químicos de base biológica, cosméticos, alimentos e fibras.

Ela surge como resultado de uma revolução de inovações aplicadas no campo das ciências biológicas. Está diretamente ligada ao desenvolvimento e ao uso de produtos e processos biológicos nas áreas da saúde humana, da produtividade agrícola e da pecuária, bem como da biotecnologia. Envolve, por isso, vários segmentos industriais.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.

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