Não há confirmação até o momento, de que o governador do Pará Helder Barbalho (MDB) vai integrar a megacomitiva do governo do presidente Lula (PT), que embarca para missão na China no próximo final de semana. A diferença é que, enquanto a maioria dos convidados ao 0800 vai passear, no máximo participar de uma ou duas reuniões, o governador paraense poderia desatar na viagem o nó em que se transformou o protocolo de intenções assinado há três anos entre Pará e China, para implantação e exploração do projeto da Ferrovia Pará. Como se sabe, o projeto não saiu do papel e caminha a passos protocolares.
Deputados ouvidos pelo Blog acreditam que o repique da pandemia do coronavírus em terras chinesas adiou o que já estava demorando. A crise econômica atingiu em cheio o gigante asiático após seu governo adotar uma política de covid zero que paralisou os passos da economia de fio a pavio naquele país.
Somente após protestos populares — raros e proibidos —, o soberano Xi Jinping, reeleito no ano passado para o terceiro mandato consecutivo, resolveu dar um refresco suspendendo a ordem de quarentena total nas regiões mais atingidas pela pandemia.
Entretanto, as consequências da ordem Covid Zero persistem. Respingaram no Brasil, e particularmente no Pará, onde a Vale S/A ainda não se recuperou dos soluços de oscilações no preço do minério de ferro explorado notadamente nas minas sulparaenses e em algumas pantas mineiras. A recuperação de preços da tonelada de minério de ferro cotada na Bolsa de Valores de Dalian assemelha-se a uma gangorra num parquinho de domingo.
Enquanto o rebote da pandemia continua a impor estragos, alguns passos em direção do avanço do projeto estão sendo dados. Segundo a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia do Estado do Pará (Sedeme), a terceira fase do Evtea — Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental — vem evoluindo rapidamente. O estudo avalia a viabilidade do tronco principal do projeto, que deve ter 515 km de extensão, passando pelos municípios de Abaetetuba, Acará, Barcarena, Moju, Tailândia, Abel Figueiredo, Dom Eliseu, Ipixuna do Pará, Paragominas, Rondon do Pará, Tomé-Açu e Bom Jesus do Tocantins.
O Governo do Estado já solicitou a Licença Prévia dos 515 km que devem, inicialmente, cortar os 12 municípios contemplados. Nessa fase do licenciamento ambiental, estão em curso a realização das obrigatórias audiências para receber contribuições, alterações e reavaliações para o projeto que ainda não está completamente definido.
Era o que dizia, no primeiro governo de Helder, o então secretário da Sedeme, José Fernando Gomes Júnior, hoje presidente da Cosanpa: “A expectativa é que a ferrovia promova, principalmente, o escoamento de produtos e a verticalização da indústria paraense. A importância da ferrovia vai do transporte, tanto do minério, quanto para cargas gerais e de passageiros. O nosso grande desafio, dentro de todo o rigor da legislação ambiental, que a Semas sempre faz de uma forma célere e competente, é começar as obras no primeiro semestre de 2023, com o prazo de duração de três anos. Vamos acompanhar esse licenciamento e, sem dúvida, teremos geração de emprego e renda”. A Sedeme hoje é comandada pelo secretário Paulo Eduardo Maestri Bengtson.
Como parte das ações de governo que contribuirão para a celeridade da execução do projeto, o governador destacou o empenho no processo de regularização fundiária, fruto das necessidades para o trajeto pensado para o trecho, e ainda o licenciamento ambiental com sustentabilidade, responsabilidade e celeridade para avançar os investimentos. “É o nosso dever de casa imediato”, reafirmou Helder.
Inicialmente, o governo do Pará garantiu o início da Ferrovia Pará em 2021. A declaração veio logo após a assinatura do protocolo de intenções para estudos de viabilidade econômica de implantação e exploração do projeto da Ferrovia Pará, entre os municípios de Marabá e Barcarena. A cooperação, firmada em Brasília (DF), no valor de R$ 7 bilhões, envolve a empresa China Communication Construction Company (CCCCSA), controladora da brasileira Concremat.
A malha ferroviária proposta irá interligar o porto de Vila do Conde, em Barcarena, no nordeste do Estado, a municípios do sudeste paraense, como Marabá e Parauapebas, e de lá até Açailândia, no Maranhão, com a Ferrovia Norte-Sul.
De acordo com Helder, trata-se de um dos mais importantes projetos estruturais e de desenvolvimento do Norte do Brasil e o maior investimento internacional em andamento no país, e que, ao mesmo tempo, reforça os laços do Pará com o povo chinês. O protocolo servirá de orientação para futura negociação e assinatura de convênios, acordos e outros termos que possam ajustar as necessidades do corredor ferroviário.
Com uma obra dessa envergadura, faria todo o sentido o governador ter cadeira cativa na comitiva do governo federal que vai à China, com embarque previsto para a próxima sexta-feira (24). “Se houve essas tratativas, estão sendo conduzidas secretamente”, disse um deputado ouvido pela reportagem.
Estados do agro avançam
Enquanto no Pará as perguntas sem repostas superam com vantagens as incertezas, Estados essencialmente agrícolas, como vizinho Mato Grosso e o não tão próximo Mato Grosso do Sul apostam em ferrovias para desenvolver a logística e melhorar o escoamento da produção do agronegócio do Centro-Oeste rumo ao porto de Santos, numa direção e ao Porto de Miritituba, no Oeste do Pará, a 300 km de distância ao sul de Santarém, na outra.
Mato Grosso iniciou as obras de uma ferrovia de 730 quilômetros ligando polos como Rondonópolis, Cuiabá e Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso do Sul. A obra caminha porque o governo planejou e trabalhou com rapidez para destravar processos e fazer com que ferrovias tenham melhorias no estado.
As ferrovias são vistas pelos governos dos dois estados como primordiais para vencer as grandes distâncias entre a região e Santos, que fica a 1.400 quilômetros de Rondonópolis, cidade que será ainda mais primordial com a extensão ferroviária que a concessionária Rumo fará até 2030, conectando-a a Cuiabá e Lucas do Rio Verde.
É uma questão de matemática primária. Dois trens de 120 vagões que deixem a cidade mato-grossense rumo ao porto no litoral paulista retiram o equivalente a 700 caminhões das estradas.
Para que a obra saísse do papel, o governo estadual criou uma legislação que permitiu que a Rumo pudesse construir e operar a ferrovia.
Inicialmente, havia a possibilidade de as permissões saírem por meio do governo federal, mas uma demora do Ministério da Infraestrutura, então sob comando de Tarcísio de Freitas (Republicanos), eleito governador de São Paulo, fez com que o estado decidisse desenvolver os mecanismos necessários para uma ferrovia estadual.
Na avaliação do governador Mauro Mendes (União Brasil), que como Helder Barbalho, foi reeleito, “o custo do frete tende a diminuir no estado do Mato Grosso, o que representará mais recursos na mão dos grandes empresários do agronegócio”.
Já Eduardo Riedel (PSDB), eleito no ano passado governador de Mato Grosso do Sul, disse que prevê avanços no transporte ferroviário no estado a partir da relicitação da malha oeste da própria Rumo e da construção de uma nova ferrovia. “São duas ações altamente estratégicas do estado”.
João Alberto Abreu, presidente da Rumo, disse que segue a discussão com o governo federal para a relicitação da malha oeste, que entra no estado por Três Lagoas e segue até Corumbá, passando pela capital sul-matogrossense, Campo Grande.
Já a nova ferrovia esperada parte do porto de Paranaguá (PR) e segue até o centro-sul de Mato Grosso do Sul, onde encontra a malha da Rumo. “Essa nova Ferroeste vem de Paranaguá, atravessa o Paraná inteirinho, entra no sul do estado e encontra em T o braço que liga Campo Grande a Ponta Porã, entre Ponta Porã e Maracaju. Esse eixo é extremamente estratégico para o estado, que é a região mais industrializada, pelas cooperativas do Paraná, é a região de maior fluxo de grãos e de mercadoria e que, encontrando a malha oeste, dá uma competitividade muito grande a todo o estado. É um projeto que nós temos que avançar”, disse Riedel.
E a pergunta que fica é, Helder, afinal, vai à China? De qualquer maneira, os paraenses ficam intrigados ao não entenderem por que projetos mais novos que o da Ferrovia Paraense, já passaram à frente do Pará e já estão em obras.
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.