O Brasil celebra em 7 de outubro sua eleição mais importante e mais imprevisível desde 1989, quando ocorreu a primeira escolha nas urnas de um presidente após o fim da ditadura. A única coisa que se sabe com certeza é que a surpresa daquela eleição, o então líder metalúrgico esquerdista Luiz Inácio Lula da Silva, será também um protagonista da próxima disputa. Não se sabe se Lula, presidente por duas vezes pelo PT e agora recorrendo de uma condenação da Justiça, poderá ser candidato e se, caso não seja, terá, como líder das pesquisas até agora, força para galvanizar apoios em torno do nome que o substituir.
Do lado da centro-direita, também afetada pela Operação Lava Jato, tampouco o panorama é claro. O veterano governador de São Paulo, Geraldo Alckmim, do PSDB, caminha a passos largos para obter a candidatura do seu partido, mas ainda trabalha para obter apoios de mais siglas enquanto tenta vencer sua fragilidade nas pesquisas, especialmente no Nordeste. Há 24 anos no poder do principal Estado do país, tentará conjugar o sentimento anti-Lula com algum aceno de política social num país em que 70% do eleitorado tem renda familiar de até 2 salários mínimos. Não é tarefa fácil, já que parte do apoio entre investidores e empresários depende do endosso de Alckmin a indigestas reformas, como a da Previdência.
Sem falar que Alckmin – ou quem quer que ocupe seu lugar no espectro político- terá pela primeira vez um adversário não só à esquerda, mas também à direita. A novidade da eleição até o momento é o surgimento da candidatura isolada de extrema direita do deputado e militar reformado Jair Bolsonaro, que aparece em segundo lugar nas pesquisas baseada na pregação contra Lula e até na licença para matar para policiais, um discurso de apelo em um país onde a violência urbana alcança níveis alarmantes. Bolsonaro, por sua vez, terá de provar que sua força eleitoral, é sustentável e perene, o que a maioria dos analistas duvida.
Seja como for, na crise profunda de credibilidade da classe política atual, não se descarta que gente de fora destes citados venham a surgir. No Brasil, o clichê repetido é que tudo só se define mesmo é na campanha da TV, nas quais os candidatos têm tempo gratuito para se vender aos eleitores de acordo com os apoios partidários que consigam obter. Na divisão do tempo na TV, até o apoio do PMDB, um partido à frente de um Governo com recorde de impopularidade, passa a ter peso. Esse panorama, argumentam, costuma cortar o voo de qualquer pessoa de fora. No entanto, com os últimos acontecimentos dentro e fora do país, pode ser que clichês tenham ficado sem validade. Essa será a primeira campanha em que os políticos poderão pagar por propaganda no Facebook, um passo com um potencial imenso e ainda difícil de medir.
O calendário eleitoral já começará, na prática, com tudo neste janeiro. O ano começará com mais um capítulo da novela jurídica de Lula, acusado de ter obtido ganhos pessoais ilícitos como contrapartida por supostamente ter facilitado contratos públicos. Lula já foi condenado em uma das ações pelo juiz Sergio Moro. No dia 24 de janeiro, um tribunal superior vai julgar se confirma ou não a pena. Tudo leva a crer que o ex-presidente deve, sim, ser considerado culpado de novo, o que pela lei que visa tirar os corruptos da política o impediria de concorrer. Ainda assim, resta um longo caminho de contestações judiciais até o Supremo Tribunal Federal e o PT já declarou que vai até o fim para manter Lula na corrida.
Não é uma questão menor: Lula, símbolo de uma era de ouro especialmente para os brasileiros mais pobres, é o favorito isolado nas mais recentes pesquisas, ainda que descontada a efetividade deste tipo de levantamento tantos meses antes das urnas. O instituto Datafolha, de São Paulo, estima que 38% dos eleitores como “lulistas” mais ou menos dispostos a seguir sua indicação. Sem ele na disputa, cresce, por ora, a fatia de brancos e nulos, abrindo ainda mais o campo das incertezas. (El País)