O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) está proibido de instalar novos assentamentos em todo o Estado do Pará sem o prévio Licenciamento Ambiental e Cadastro Ambiental Rural. A decisão (veja a íntegra) consta de liminar expedida pelo juiz federal Arthur Pinheiro Chaves, da 9ª Vara, especializada no julgamento de ações de natureza ambiental.
Na mesma decisão, o Incra também fica obrigado a adotar medidas para cessar o desmatamento em todos os 2.163 assentamentos instalados em território paraense, apresentando mensalmente as imagens de satélite à 9ª Vara federal, como forma de demonstrar que está cumprindo a decisão judicial.
A Justiça Federal determinou ainda que o Incra apresente, em 90 dias, um plano de recuperação de todas as áreas degradadas apontadas em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal. Em 30 dias, acrescenta a decisão, deverá o órgão apresentar um plano de trabalho para a conclusão dos cadastros ambientais rurais e licenciamentos ambientais de todos os assentamentos no Pará. Em caso de descumprimento da decisão, o Incra será multado em R$ 10 mil por dia.
O MPF alega na ação que os projetos de assentamentos instalados pelo Incra em todo o Estado têm promovido desmates de grandes extensões, muitos dos quais verificados no interior de unidades de conservação, provocando agressões ao bioma da Amazônia paraense. Segundo a ação, os danos que ocorrem no interior dos assentamentos, em áreas destinadas à desapropriação para reforma agrária, têm crescido continuamente nos últimos anos.
Na decisão, o juiz Arthur Chaves concordou com o entendimento do Ministério Público de que os procedimentos adotados pelo Incra na criação e instalação de assentamentos vêm promovendo a destruição e danos irreversíveis ao meio ambiente em todo o Pará. “Vale destacar a obrigatoriedade do licenciamento de atividades potencial ou efetivamente causadoras de poluição ou degradação ambiental como de fundamental relevância na promoção do princípio da prevenção, que informa as normas relacionadas com a proteção dos recursos naturais”, destaca o juiz.
Como exemplo da destruição em assentamentos do Incra, o juiz menciona dados colhidos pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), indicando que 29,4% do desmatamento anual na Amazônia Legal ocorrem no interior dos assentamentos, ou seja, dos 742.779 quilômetros quadrados de área desmatada, 133.644 quilômetros quadrados se situam dentro dos 2.163 assentamentos.
O juiz Arthur Chaves considerou relevantes as conclusões de levantamento do Imazon (Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia). No período 1997-2010, segundo a entidade, de 1.440 assentamentos analisados, abrangendo uma área de 174.307 quilômetros, cerca de 30% da área de assentamentos, correspondentes a 53.150 quilômetros quadrados, foram desmatados. Destes 30%, 17% da área desmatada, correspondente a 30.472 quilômetros quadrados, teriam ocorrido a em momento anterior ao assentamento, já os 13% restantes ocorreram após a criação.
Assassinato
Ao classificar de “tormentosa” a questão fundiária no Pará, o juiz Arthur Chaves relembra casos como o do assassinato da missionária norte-americana Dorothy Stan, ocorrido em fevereiro de 2005, no município de Anapu (PA), e episódios como o massacre de Eldorado dos Carajás, em que 19 sem-terra foram mortos durante confronto com a Polícia Militar, em abril de 1996.
“Casos emblemáticos com do de Dorothy Stang e de Eldorado de Carajás, ainda na década de 1990, chamaram a atenção do mundo para a questão, denotando a necessidade de uma distribuição mais justa de terras em que a prática, historicamente, tem sido a da grilagem (vide o caso Carlos Medeiros, conhecido como o “fantasma” e que seria, ante o descontrole dos registros cartorários, proprietário de área superior à da superfície do próprio Estado do Pará) e da exploração desenfreada e violenta da terra, inclusive por parte de madeireiras e pecuaristas”, diz Arthur Chaves.
Na tentativa de resolver questões como essas, ressalta o magistrado, o Incra não pode ignorar princípios da ordem constitucional e legal, uma vez que a reforma agrária, como o conjunto de medidas que visem promover a melhor distribuição de terra, mediante modificação do regime de sua posse e uso, a fim de atender o princípio de justiça social, só pode ocorrer através do cumprimento da função sócio-ambiental da propriedade distribuída ou a ser distribuída.
Arthur Chaves chega à conclusão de “que não há e não pode haver nenhum problema ou conjuntura, por mais abrangente e importante que se apresente, que seja capaz de autorizar soluções prejudiciais ao resguardo da natureza e do meio ambiente, sob pena de cobrança de um preço a recair de forma mais pesada justamente sobre a população campesina e interiorana mais pobre, que visa se beneficiar com a reforma agrária e que vive basicamente dos recursos naturais destruídos com a atuação predatória ao meio ambiente.”
Fonte: Justiça Federal – Seção Judiciária do Pará