Brasília – Há pelo menos uma década, o seguro defeso, benefício de acesso ao seguro-desemprego do pescador artesanal, previsto na legislação brasileira, direito dos pescadores profissionais artesanais, conforme prevê a Lei nº 10.779/2003, regulamentado por meio do Decreto nº 8.424/2015 é alvo de golpes milionários. Quadrilhas compostas por políticos, dirigentes de Colônia de Pescadores e “laranjas” se fingindo passar por pescadores e até funcionários públicos, se organizam para concretizar golpes que podem atingir prejuízos de até R$ 535,7 milhões anual, denuncia Bruno Batista Barreto, coordenador-geral de Governança e Cobrança Administrativa do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Para estancar essa sangria de recursos públicos federais, explica Bruno Batista Barreto, o governo criou um grupo interinstitucional que resultou numa economia, com a prevenção de fraudes, de mais de R$ 132 milhões. “Se não houvesse esse combate às fraudes, os prejuízos poderiam superar meio bilhão de reais num único ano”, disse.
Há pelo menos há dez anos, o sistema sofre com denúncias de fraudes, promovidas por pessoas e até mesmo quadrilhas que sacam os recursos sem ter direito a eles. O tema foi debatido pela Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados.
Parlamentares que participaram da audiência, porém, apontaram possíveis prejuízos para o pescador que necessita do auxílio. Um deles foi o autor do requerimento para o debate, o deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ).
“Algo está errado. Há tantos empecilhos para os que fazem jus a esse benefício e apesar do rigor do INSS em conceder para alguns, apesar de toda a tecnologia que temos disponível, continuamos a conviver com essas supostas fraudes. A corda sempre arrebenta para o lado mais fraco. Numa época de recessão como agora, em 2021, muitas famílias que fazem jus ao benefício podem ser seriamente prejudicadas”, reclamou o parlamentar fluminense.
Problema antigo
No Pará, o problema é antigo e recorrente. Em 2017, policiais federais desarticularam uma quadrilha composta por servidores do Ministério do Trabalho e Emprego, representantes de sindicatos e associações de pescadores e donos e funcionários de casas lotéricas de sete cidades do Pará.
Os alvos da operação Caceia eram suspeitos de participar de um esquema que fraudava o seguro defeso. O benefício mensal, equivalente a um salário-mínimo, concedido a pescadores artesanais durante o período de reprodução dos peixes, quando a pesca é temporariamente proibida por causa da necessidade de prevenção de determinada espécie.
Na época, os federais cumpriram 12 mandados de prisão preventiva, 17 de busca e apreensão e 5 de condução coercitiva (quando o investigado é conduzido para prestar depoimento e liberado em seguida) nos municípios de Jacundá, Goianésia do Pará, Breu Branco, Tucuruí, Belém, Ananindeua e Cachoeira do Arari.
Após a realização de audiência de custódia, os detidos em caráter preventivo foram encaminhados para presídios de Belém, Marabá e Tucuruí, onde ficaram à disposição da Justiça Federal.
A PF vinha investigando indícios de irregularidades da quadrilha desde outubro de 2016, quando recebeu as primeiras denúncias de que representantes de colônias, sindicatos e associações de pescadores de Breu Branco e Tucuruí cadastrariam para receber o seguro defeso pessoas que não preenchiam os requisitos mínimos para ter direito ao benefício.
No curso das investigações, a PF confirmou suas suspeitas. Identificou uma “imensa rede de pessoas envolvidas com as fraudes”, em diversos municípios do Pará. Parte dos investigados fraudavam também outros benefícios sociais federais, como o bolsa-família.
Os investigados responderam pelos crimes de associação criminosa, estelionato contra instituição de direito público, corrupção passiva e ativa, falsificação de documentos, falsidade ideológica, inserção de dados falsos em sistemas de informações e outros. Somadas, as penas alcançaram mais de 30 anos.
Novo sistema
Nessa cruzada de combate à corrupção, “a gente instituiu uma sala de crise, inicialmente, onde foi comprovada irregularidade em milhares de requerimentos, na verdade a gente tinha algumas dezenas de milhares, quase centenas de milhares de requerimentos em que foram constatadas fraudes só naquele periodozinho de junho de 2020 até outubro de 2020 (amostragem da auditoria feita pelo INSS). A gente verificou a necessidade de um monitoramento constante dos processos do SDPA-seguro defeso e a necessidade de ação imediata para impedir o acesso dos fraudadores. Por conta disso foi criado um grupo de trabalho interinstitucional”, contou Bruno Batista Barreto.
Segundo Jairo Gund, secretário-adjunto da Secretaria de Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura, foi feito um novo sistema para coibir as fraudes.
“Desde julho nós iniciamos o projeto piloto de recadastramento em Pernambuco, onde tivemos bastante êxito nesse novo processo e, agora, desde outubro, nós estamos em nível nacional fazendo esse recadastramento e nesse novo sistema já prevendo o cruzamento de dados com uma ferramenta chamada sniper (franco-atirador, na tradução do inglês), que faz o cruzamento de dados com mais assertividade, atendendo esses apontamentos lá de 2015 que apontavam fraude”.
Segundo o representante do INSS Bruno Batista Ribeiro, 9% dos requerimentos bloqueados pelo sistema foram “falsos positivos”, ou seja, deveriam ser pagos aos pescadores e foram incorretamente bloqueados. E de todos os benefícios suspensos, eles representaram apenas 1,75%, segundo ele, uma margem muito pequena de erro.
A efetividade do novo sistema confere mais uma ferramenta de proteção ao dinheiro público contra “pescadores de aquário” que nunca viram um caniço na vida, pródigos em atacar, como “piranhas famintas”, os recursos federais.
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.