Instituto Oswaldo Cruz iniciará testes de vacina contra a hanseníase

Anvisa aprovou, na última segunda-feira (14), a realização dos testes em humanos. A LepVax será testada em 54 voluntários no Brasil
Laboratório do Instituto Oswaldo Cruz

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A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou, na segunda-feira (14), a realização dos testes da primeira vacina contra a hanseníase em humanos. A LepVax foi desenvolvida pelo Access to Advanced Health Institute (AAHI), instituto americano sem fins lucrativos de pesquisa biotecnológica. O Instituto Oswaldo Cruz (IOC), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), será responsável por liderar um teste clínico histórico para a saúde pública mundial: uma etapa do desenvolvimento de uma vacina contra a doença.

Se a pesquisa obtiver as respostas desejadas, esse pode ser o caminho para a população brasileira contar com uma vacina gratuita contra a hanseníase.

O Brasil é o segundo país com mais casos da doença no mundo, atrás apenas da Índia. Em 2023, o país registrou mais de 19 mil novos casos – um aumento de 5% em relação ao mesmo período de 2022.

A hanseníase é uma doença crônica causada pela bactéria Mycobacterium leprae. A doença chegou ao Brasil com a colonização portuguesa e a vinda de africanos escravizados, com os primeiros casos sendo registrados no Rio de Janeiro em 1600.

Trata-se de um problema de saúde pública de notificação compulsória no país. A doença tem tratamento e cura, e quanto mais cedo for feito o diagnóstico, maiores são as chances de sucesso.

Algumas iniciativas do Brasil para lidar com a hanseníase incluem:

  • Fechamento dos hospitais colônia, que obrigavam a internação compulsória dos doentes e a
  • Proibição do uso do termo “lepra” e seus derivados em documentos oficiais, a partir de 1995, como forma de combater o estigma que o nome carrega desde os textos bíblicos, criando, por ignorância, enorme preconceito social aos portadores.

Ensaio histórico

Candidata a ser a primeira vacina contra a hanseníase, a LepVax foi desenvolvida pelo AAHI, que utilizou a moderna tecnologia de subunidade proteica em seu desenvolvimento. A vacina teve testes pré-clínicos promissores contra a bactéria Mycobacterium leprae, causadora da doença.

Antes de chegar a etapa de estudos em humanos no Brasil, que contará com 54 voluntários, ela já teve sua segurança demonstrada em testes em 24 pessoas sadias nos Estados Unidos. O estudo mostrou a segurança da vacina, sem nenhum registro de evento adverso grave. Também apontou imunogenicidade, ou seja, capacidade de estimular a resposta imunológica.

Com o teste no Brasil, os pesquisadores vão poder observar os efeitos da LepVax em um território com transmissão da hanseníase. O Brasil concentra 90% dos casos da doença no continente americano, além de ser o segundo país do mundo em número de notificações da doença. Em dez anos, de 2014 a 2023, foram quase 245 mil novas infecções, segundo o Ministério da Saúde. Apenas em 2023, foram registrados 22.773 novos casos.

Portanto, considerando o cenário epidemiológico do país, os pesquisadores acreditam que possivelmente o sistema imunológico de grande parte dos brasileiros teve contato anterior com micobactérias, o que pode influenciar na resposta à vacina.

A chefe do Laboratório de Hanseníase do IOC/Fiocruz, Roberta Olmo, destaca que a realização do ensaio clínico da LepVax no instituto reflete o grau de maturidade alcançado ao longo de anos de trabalhos pioneiros do laboratório, que permitiram conquistar o reconhecimento da comunidade científica nacional e internacional.

“A eliminação sustentada da hanseníase enquanto problema de saúde pública requer uma vacina. Neste cenário, a LepVax surge como uma vacina profilática e terapêutica, que poderá contribuir para as metas de controle da doença,” afirma ela.

O enfrentamento da hanseníase está no escopo do Comitê Interministerial para Eliminação da Tuberculose e Outras Doenças Determinadas Socialmente (Cieds), instalado em junho. O grupo de nove pastas é liderado pelo Ministério da Saúde para buscar soluções contra doenças negligenciadas, muitas vezes associadas à pobreza e a outros determinantes sociais.

Para a hanseníase, as metas incluem a interrupção da transmissão em 99% dos municípios, a eliminação da doença em 75% dos municípios e a redução de 30% do número absoluto de novos casos com incapacidade física aparente no momento do diagnóstico até 2030.

Três doses

O Instituto Oswaldo Cruz vai avaliar a segurança e a imunogenicidade da vacina, além de investigar o uso de duas formulações diferentes da vacina, com baixa e alta dose de antígeno. Para isso, os participantes serão divididos aleatoriamente em três grupos: dois receberão a vacina, sendo um com dose baixa e outro com dose alta; e o terceiro grupo receberá o placebo, que é uma solução salina, sem efeito biológico.

Cada um dos participantes receberá três doses da aplicação correspondente ao seu grupo, com 28 dias de intervalo. Depois disso, eles serão acompanhados por um ano. Para participar, é preciso ter entre 18 e 55 anos, boas condições de saúde e não estar grávida. Além disso, os voluntários não podem ser pessoas que já tiveram a doença ou contato próximo com pacientes com hanseníase.

O dermatologista e pesquisador do Ambulatório Souza Araújo, Cássio Ferreira, explica em texto divulgado pelo Instituto Oswaldo Cruz que a segurança da vacina será avaliada através do acompanhamento clínico e de exames laboratoriais. “Nos Estados Unidos, o resultado foi muito positivo, sem nenhum evento adverso de maior gravidade. As reações registradas, como dor no local da injeção, cansaço e dor de cabeça, são comuns em imunizações. Essa primeira demonstração de segurança foi fundamental para a pesquisa avançar,” relata.

O Instituto Oswaldo Cruz foi escolhido como centro clínico responsável pelos testes e o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz) é o patrocinador do ensaio clínico. O projeto da LepVax é financiado pela entidade filantrópica American Leprosy Missions (ALM), dos Estados Unidos, que lidera o desenvolvimento da vacina desde 2002. O estudo no Brasil também tem financiamento do Ministério da Saúde e do fundo japonês Global Health Innovative Technology Fund (GHIT Fund). A Fundação de Saúde Sasakawa, do Japão, é parceira da pesquisa.

Por Val-André Mutran – de Brasília

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