Brasília – Aguardado há mais de duas semanas para explicar os detalhes da Reforma da Previdência dos civis e militares na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados (CCJC), o ministro da Economia, Paulo Guedes, foi hostilizado pela oposição e trocou insultos com o deputado federal Zeca Dirceu (PT-PR), filho de Zé Dirceu. O governo se reúne nesta quinta-feira (4) com seus líderes para decidir se vai fazer uma representação contra Dirceu no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar.
Após mais de seis horas, a audiência foi encerrada abruptamente. Era noite quando o ministro saiu da sessão acompanhado por agentes da Polícia Legislativa e logo deixou a Câmara rumo ao prédio do ministério.
Precipitou o fim repentino da sessão a troca de xingamentos entre Guedes e o deputado Zeca Dirceu (PT-PR), filho do ex-deputado José Dirceu, cassado após acusação de liderar o escândalo do Mensalão no 1º Governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Dirceu primeiramente questionava o ministro na mesma linha de argumentação adotada por outros deputados da oposição. O parlamentar solicitou a Guedes que fossem apresentados mais dados sobre as projeções que basearam a proposta de reforma da Previdência.
“Quais foram as projeções e estudos que levaram vocês a decidirem priorizar a reforma da Previdência, que é tão cruel com os mais pobres, em vez da reforma bancária, dos seus amigos banqueiros? Em vez de combater o que o senhor colocou aqui hoje, que o país privilegia os rentistas, Por que não começar por isso, senhor ministro?”, questionou o deputado.
O tom irritou o ministro. Mas depois Dirceu disse que Guedes agia como um “tigrão” para mexer no direito de trabalhadores, mas “tchutchuca” para alterar regras para o sistema financeiro. Foi a gota d’água.
“Eu estou vendo, ministro, que o senhor é tigrão quando é com os aposentados, com os idosos, com os portadores de necessidades. O senhor é tigrão quando é com os agricultores, os professores. Mas é tchutchuca quando mexe com a turma mais privilegiada do nosso país. A sua função, o cargo público que o senhor ocupa, exige outra postura. O que o senhor precisa aqui…” Guedes se ofendeu e respondeu, fora do microfone:
“Tchutchuca é a mãe, é a avó, respeita as pessoas. (…) Isso é ofensa. Eu respeito quem me respeita. Se você não me respeita, não merece meu respeito.”
Após a confusão, no plenário, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) disse que teria tentado ir à mesa da presidência da comissão para tentar acalmar os ânimos, mas teria sido impedida por uma assessora que, segundo a parlamentar, seria assessora do ministro.
O fim abrupto da sessão na CCJ ocorreu quando a audiência já se encaminhava para o fim. Era a última rodada de perguntas. Guedes encerraria o debate minutos depois.
Na avaliação do deputado Silvio Costa Filho (PRB-PE), presidente da Frente Parlamentar em defesa do Pacto Federativo, a forma como a audiência foi encerrada é ruim para a negociação da reforma. Ele sugere que o governo retire de pauta as questões mais polêmicas, como as mudanças no BPC e na aposentadoria rural, para diminuir a tensão.
“Isso apequena o Congresso”, afirmou o parlamentar.
Provocações desde o início da audiência
Durante a sessão ficou claro que a oposição havia ensaiado uma pauta de provocações e perguntas que não tinham o objetivo de qualificar o debate e sim tumultuá-lo. Houve diversos momentos de animosidade. No início da noite, Guedes irritou-se com as interrupções de deputados que o questionavam. O ministro contra-atacou, acusando os parlamentares de serem “especialistas em fake news” e não terem agido nas últimas décadas para corrigir injustiças tributárias e previdenciárias.
“Vocês estão há quatro mandatos (no poder)! Por que não cobraram impostos sobre dividendos? Vocês estiveram 18 anos no poder e não tiveram coragem de mudar, não cortaram nada? Eu respeitei a Casa, mas a casa não está me respeitando! A Casa não me dá o direito de falar!” gritou Guedes, classificando deputados da oposição de “especialistas em criar bagunça” por promover o que ele chamou de “fake news” sobre a reforma.
Os deputados do PT haviam questionado Guedes sobre os gastos com juros no Orçamento.
Guedes jogou para os deputados a responsabilidade de avaliar a proposta de mudanças na Previdência dizendo que “a escolha é totalmente de vocês. Quem vota são vocês, não sou eu”. Nessa altura era previsível que a reunião não acabaria bem.
“Por que vocês não cortaram a aposentadoria dos militares? Cortem vocês. Vocês são o Congresso Nacional. Vocês têm medo?” indagou o ministro, respondendo às críticas de que o projeto de mudança nas aposentadorias dos militares seriam brandas em comparação à reforma da Previdência.
Após a audiência ser interrompida para Guedes ir ao banheiro, o ministro voltou a bater boca com deputados, depois dizer que quem não reconhece a necessidade da reforma da Previdência precisa ser internado.
“Quem acha que não é necessária (a reforma)? É caso de internação, é caso de internar”, disse Guedes, sendo interrompido por deputados da oposição.
O deputado Henrique Fontana (PT-RS) cobrou respeito a outras opiniões, e o ministro tentou se explicar: “Eu não estou dizendo que tem que internar quem não aprovar essa reforma. Eu estou dizendo que tem que internar quem não quer reconhecer que precisa haver uma reforma. Eu jamais diria que tem que internar alguém que discorda de mim. Quem não reconhecer (a necessidade da reforma), seria um caso de internação. O que estou dizendo é o diagnóstico.”
Antes, Guedes disse que o Brasil nunca terá uma Previdência igual a do Chile. O país adota o regime de capitalização semelhante ao proposto pelo governo.
“O Brasil jamais terá a Previdência como a do Chile. O Brasil jamais deixará de ser um país solidário. O Brasil jamais deixará de ser assim. Ainda bem. Nós somos fraternos, generosos. Mas não podemos ser contra a aritmética”, disse.
Val-André Mutran – É correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.