Ao trocar o clima ameno da pacata Vitória da Conquista pelo calor úmido de Belém do Pará, nos anos 70, o jovem Luiz Fernandes Rocha não se importou muito em se mudar de uma cidade com média de 17 graus de temperatura para uma capital em que, na sombra, os termômetros marcam 30. Ele queria vencer na vida, pelo esforço e pelo estudo. E venceu. Hoje, aos 52 anos, secretário de Segurança do Pará, com 25 anos de Polícia na bagagem e quatro anos de dedicação à Aeronáutica no currículo, fase em que se especializou em armas e munições, o baiano Luiz Fernandes acaba de se ver no centro do caldeirão.
Nesta entrevista, o secretário comenta os dias mais quentes já vividos no Pará, depois da morte dos ambientalistas em Nova Ipixuna, revela algumas convicções da investigação desses casos, condena a espetacularização das operações policiais e o uso político da miséria alheia e revela a nova arma da segurança pública no combate ao tráfico de drogas: o Núcleo de Lavagem de Dinheiro.
A violência está fora de controle no Pará?
Não, muito pelo contrário. Temos um acompanhamento diário das ocorrências policiais no Estado e os números são bastante claros: a violência vem caindo progressivamente. Nos primeiros quatro meses deste ano, comparados com o ano passado, se você buscar os números dos homicídios, que são um indicador crucial da violência, verifica que houve uma redução das mortes violentas de 17% no Estado, 35% na região metropolitana e 38% em Belém. Em 2006, quando deixei o cargo de delegado-geral da Polícia Civil, foram cometidos em torno de 680 homicídios no ano. Já em 2010, esse número saltou para mais de 1.400 mortes violentas, quase o dobro. O que se vê agora, novamente, é a redução da violência. Ela está sob controle, sim.
Mas de repente o Estado se viu sacodido por mortes derivadas de conflitos agrários e em uma só noite apareceram seis mortos em Abaetetuba. Isso não põe esses números em xeque?
De jeito nenhum. As ocorrências recentes não anulam todo o trabalho que vem sendo feito pelo sistema de segurança. O governador determinou três medidas-chaves: combate ao tráfico, redução da impunidade e adoção de políticas públicas para áreas de risco. Foi graças a essas medidas que conseguimos conter a violência que estava exacerbada sim, mas em 2010 e não hoje. O tráfico, como se sabe, é um provedor de crimes como o homicídio. A impunidade, se não é combatida com eficiência, torna-se uma referência negativa para o cidadão. E as políticas públicas são o grande diferencial do governo que está disposto a combater a origem da criminalidade.
Como a SEGUP pretende combater o tráfico, reduzir a impunidade e implantar políticas públicas nas áreas de risco?
O caminho é o trabalho integrado de todas as instituições da área de segurança, aliado à inteligência, ao uso da tecnologia e à presença firme do Estado em todos os cantos do Pará. Por exemplo, estamos combatendo a impunidade, na medida em que reduzimos a ocorrência de homicídios. Montamos uma nova Divisão de Homicídios, estamos abrindo unidades de integração das polícias Civil e Militar e valorizamos a inteligência. Estudando as vítimas dos homicídios, verificamos que 80% têm alguma relação com o tráfico de drogas. Então, priorizamos o combate ao tráfico e já fizemos mais de 1300 prisões de traficantes este ano.
Esses traficantes presos não são apenas a chamada arraia-miúda? Quando a polícia vai prender os tubarões do tráfico?
As prisões não são apenas de pequenos traficantes. Existem muitos deles sim, mas há também aqueles traficantes que dominam algumas áreas da cidade e impõem o terror nas comunidades. Os grande traficantes, esses estão travestidos de grandes empresários e é mais difícil enquadrá-los. Mas não é impossível.
E como o senhor pretende fazer isso?
Vamos criar o Núcleo de Lavagem de Dinheiro e investigar a origem de algumas fortunas de pessoas sobre as quais há indícios de pertencerem a esse esquema de tráfico de drogas. Será um trabalho conjunto com Receita Federal e Polícia Federal. O núcleo será uma ramificação da Inteligência. O projeto já está pronto e vai começar a fase de seleção e qualificação de pessoal. Teremos uma equipe especializada, delegados, investigadores, contadores, economistas. Será um trabalho revolucionário e ainda ajudará a identificar alguns dos maiores sonegadores desse Estado. A sonegação é crime, assim como o tráfico. Por causa da sonegação, o dinheiro que fomenta as políticas públicas deixa de chegar nas casas das pessoas.
E quanto aos crimes no campo, secretário? O que será feito para coibi-los?
O Estado não pode estar ao mesmo tempo em todos o lugares. Mas não deixará de dar respostas à sociedade. Os crimes que não puderem ser evitados serão solucionados. As ocorrências em Nova Ipixuna e Eldorado dos Carajás caminham neste sentido. Só para elucidar o assassinato do casal de ambientalistas, temos mais de 20 policiais na área de Marabá e Nova Ipixuna. Nossa resposta foi imediata. O sistema de Segurança se transferiu para o local imediatamente, com delegados especializados, peritos, investigadores e policiais militares. O próprio delegado-geral-adjunto comanda as apurações.
Quem matou o casal de ambientalistas, secretário?
Não posso lhe dizer isso aqui, porque as investigações ainda estão em curso. Mas posso lhe assegurar que a Polícia já tem algumas convicções formadas a partir dos depoimentos colhidos, da perícia nos corpos, da apuração no local e do cruzamento de informações. Já temos, inclusive, o principal suspeito.
O crime tem as digitais dos madeireiros ou é derivado de lutas internas no assentamento?
As duas situações estão presentes. Tanto reflete essa situação de intolerância dentro do assentamento como também foi estimulado pela ganância de alguns madeireiros.
Os assentamentos viraram terra sem lei?
O problema é criar e não dar assistência necessária. Não é só dar um pedaço do chão e deixar La. O camarada não tem como sobreviver. A gente viu esse filme há quatro anos, no caso Dorothy. Eu era delegado geral na época. Fui para a área comandar as investigações e tive contato com as pessoas dos assentamentos. Fiquei chocado quando tive que tirar dinheiro do bolso para dar para uma mulher alimentar seus cinco filhos. Na mesma época que mataram a Irmã Dorothy, também assassinaram um cidadão que deixou a família ao léu, passando fome. Não tinha ninguém comovido com a situação dessa senhora e dessas crianças. É fácil o camarada estar na Europa, nos Estados Unidos, discursando, dizendo que tem que preservar a nossa mata. Tem sim, claro. Mas tem primeiro que cuidar do povo que nela vive e passa fome.
Mas não é a presença do Estado que vai reprimir a violência nessas áreas e dar condições de vida a esse povo?
Falta o Estado, sim, mas o Estado como um todo. Faltam políticas públicas, não o Estado policial, mas o Estado que educa, que cuida da saúde, que ajuda a preservar a natureza e o homem, que dá ao colono a condição de trabalhar e criar sua renda. O governo, a União, as administrações municipais. Veja só esses episódios recentes. O casal foi morto porque havia muita resistência a eles. Tanto na cidade quanto no assentamento, porque eles brigavam muito para incutir na cabeça das pessoas que era possível sobreviver sem derrubar a floresta. Alguns assentados, estimulados por madeireiros gananciosos, não pensam assim e para eles o Zé Cláudio e a Maria eram obstáculos.
O fato de os líderes se comportarem feito xerifes nessas áreas não estimula o ódio, a violência. Eles estão fazendo suas próprias leis nessas áreas?
Ai se vê novamente a ausência do Estado como um todo, de todas as esferas de poder. Se a gente não puder ter um policial na área, dada a distância, as características do assentamento, estamos procurando estabelecer uma ligação positiva entre os colonos e a área de segurança pública. Manter pessoas da própria área que tenham esse contato.
Seria um X-9, secretário?
Não, de jeito nenhum. Até porque ele não sobreviveria uma semana. Sabemos o risco que as pessoas correm e não compactuamos com essa situação. Se o cidadão quer denunciar hoje, ele tem o serviço 181, em que ele pode ligar sem se identificar. O que estamos fazendo é conversando com estas pessoas para que elas apresentem as demandas do assentamento e a gente possa provê-las, não apenas de policiamento, mas de defesa social, como a questão dos documentos, registro civil, atendimentos diversos.
Todos esses problemas acabaram levando o governo federal a mandar para o Estado tropas federais, que chegam na próxima terça-feira. Isso é uma intervenção federal no governo do Pará?
De jeito nenhum. Até porque foi o governador que solicitou ajuda federal e essa força nacional vem ao nosso território com o intuito de colaborar. Não vai atuar sozinha. É uma soma de esforços, como deve ser. Nós temos que ter a humildade de admitir que ainda existe um déficit de policiais, que estamos tentando resolver com a realização de concursos públicos. E temos também que olhar para a população. Se a chegada dessas tropas vai ajudar a população, então elas são bem-vindas.
Em que áreas elas vão atuar, as áreas críticas?
São as áreas de assentamento, no sul e sudeste do Pará, com certeza, mas também em lugares como Pacajá. A ministra Maria do Rosário, da secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, diz que só em 2010 houve 13 assassinatos sem apuração em Pacajá. Nós vamos apurá-los. Ou você reduz a impunidade, ou não reduz os crimes. Se alguém cometer o crime, será responsabilizado. Essa é a diferença do governo de hoje para o que passou. Se o cidadão apertar a nossa campainha, pode ter certeza de que vai ser atendido.
Fonte: Secom