A competitividade do setor produtivo passa obrigatoriamente pelo investimento em logística para o escoamento da produção. É o que defendem as organizações que representam o setor, entre elas a Confederação Nacional da Indústria (CNI), que apontou os portos brasileiros como o principal gargalo da cadeia de logística. Uma pesquisa feita pela instituição com os industriais em todo o país aponta que 76% dos entrevistados citaram a infraestrutura portuária como o principal problema, seguido de energia elétrica (73%) e transporte ferroviário (58%). A baixa qualidade da infraestrutura penaliza os custos de produção e nesse contexto a Medida Provisória 595, ou MP dos Portos, sinaliza um choque de competitividade para o Brasil.
O advogado José Mario da Costa Silva ( * ) comenta os principais aspectos da medida.
Do que trata a MP dos Portos especificamente?
A lei trata de três temas relacionados ao porto. Primeiro o porto em si, no que tange a concessões, autorizações e arrendamentos. O segundo tema se refere aos trabalhadores do porto. Pela MP, a contratação desses profissionais não precisará mais da intermediação do Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO), os operadores dos portos privados poderão contratar diretamente, o que representará redução de custos operacionais. A terceira parte da lei trata do operador portuário, pessoa que trabalha dentro da área do porto organizado por meio de arrendamento na efetiva operação de carga e descarga dos navios.
O que se espera com a entrada em vigor da Medida Provisória?
Agilizar a retirada da carga nos portos brasileiros. No Brasil, se leva, em média, cinco dias para desembaraçar uma carga, em procedimentos legais de descarga; em Xangai, o desembaraço é feito em apenas 12 horas. Diminuindo o tempo de desembaraço da carga, será possível baratear o custo para o armador. Com a queda nos preços da operação portuária, espera-se gerar um efeito dominó, com a diminuição nos custos em toda a cadeia produtiva. Nos portos brasileiros, estamos no limite. No Porto de Santos, a fila de caminhões para o desembarque da soja chega a 30 quilômetros. Os navios ficam parados 20, 30 dias na Baía de Santos sem conseguir carregar. Essa demora eleva os custos para o armador, com consumo extra de combustível de motor para geração de energia do próprio navio devido o elevado tempo de fundeio. Esses custos extras são repassados a quem contratou o transporte. Essa dinâmica é péssima para a competitividade.
Qual a diferença entre os terminais privados e os públicos, a partir do momento em que se muda o perfil dos terminais privados?
Acredito que os empresários terão como objetivo baratear as taxas portuárias e tornar seu empreendimento atrativo para os armadores e usuários. Essa redução no preço das tarifas pode se dar com investimento em porteiners e transteineres, na área do porto, na quantidade dos berços, em que se atracam os navios. Além de outras medidas que permitam agilidade no desembaraço de cargas. Os portos poderão praticar tarifas próprias, mas serão regulados pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), que entre outras atribuições fiscalizará a qualidade destes serviços.
Diante da situação atual dos portos públicos, quase que inoperantes, com uma demanda reprimida e um mercado portuário amplo para ser explorado, estaremos criando uma concorrência desleal entre os terminais privados e os portos públicos?
A visão sobre essa questão deve ser ampliada, o exportador não deve perder o contrato em decorrência de uma gestão portuária e respectiva infraestrutura logística deficitárias que sacrificará diretamente o escoamento da commodity. Hoje, a realidade é que muitos produtores brasileiros estão perdendo negócios em função do gargalo portuário.
A Medida Provisória é realmente o melhor instrumento para as mudanças necessárias? Uma nova lei não seria o mais adequado?
A MP é uma Lei de tempo curto que precisa passar pela chancela do Congresso; do contrário, não teríamos democracia. Um projeto de lei seria mais viável, mas poderia ficar engavetado em algum lugar. A MP tem tramitação mais rápida. O Brasil precisa dela.
O prazo para autorização dos terminais de uso privado por 25 anos, podendo ser renovado uma vez por igual período, é suficiente para que o investidor tenha retorno do seu investimento?
Considero um bom período, apesar de que a norma portuária fala do prazo de 25 anos, porém, renovado por prazos sucessivos. O empresário tem que ter retorno. Se quiser ser competitivo vai ter que investir no Porto. O investimento mais pesado será nos equipamentos para atender a operação de carga e descarga do navio. Quanto mais amplos forem os berços, mais movimentação os portos terão. Os empresários terão de investir e precisarão de tempo para recuperar esses investimentos que são altos. E a grande novidade apontada na Lei n.º 12.815, de 05 de junho de 2103 (atual Lei dos Portos), é que a Presidente Dilma vetou a renovação automática dos contratos regidos sob a modalidade arrendamento, dos portos administrados pela iniciativa privada que situam-se dentro da área do porto organizado. Neste sentido é prudente que não haja confusão, pois os terminais de uso privativo (TUP), cujos contratos são regidos sob a modalidade termo de autorização ou contrato de adesão, terão renovação sem licitação. Ressalto ainda que a sucumbida Lei n.º 8.630, previa a instalação de TUPs tanto dentro como fora da área do porto organizado), e a nova norma respeitou este direito adquirido no atual art. 59.
Só a modernização dos portos não resolve os problemas dos exportadores brasileiros. O que falta?
A lei moderniza, mas sozinha não basta, precisa andar de mãos dadas com investimentos na infraestrutura portuária. Como já dissemos, a intenção é diminuir os custos e agilizar o desembaraço. Mas no caso do Pará, a hidrovia Araguaia-Tocantins precisa sair. As eclusas não são suficientes para dar plena navegabilidade ao rio Tocantins. Há outro obstáculo, o famoso Pedral do Lourenço. Esse rio passa seis meses na baixa, seis meses na cheia. Em julho já começa a baixar, então, não dá para dizer ao armador, e também ao importador, “venha carregar a soja em Vila do Conde entre os meses de janeiro a julho, e depois volte a carregar em Santos!”. Para uma logística perfeita, é fundamental que navegação fluvial atenda o fluxo dos comboios de balsa durantes os doze meses do ano ininterruptamente. A única via para desafogar o Porto de Santos é descarregar a soja por Belém, Vila do Conde e Santana (no Amapá). Tenho que ter uma infraestrutura logística funcionando plenamente dentro do Brasil. Hoje, o que está mais próximo para desafogar esse escoamento da soja é a região de Miritituba, em Itaituba.
Outra questão que a MP dos Portos altera é a contratação de trabalhadores. Se sancionada agora os terminais de uso privado podem ter trabalhadores próprios e com isso reduzir seus custos operacionais. Na outra ponta, como ficam os trabalhadores avulsos que tinham boa remuneração? Esses trabalhadores poderão ser substituídos pelos próprios?
Todos querem defender seus interesses. E os trabalhadores fizeram muito barulho, muito barulho por nada. Trata-se de mão de obra especializada, e os empresários terão que se render a ela. Não acredito que vai gerar desemprego ou carência de mão de obra. Pode haver um impacto na remuneração. A tabela do OGMO é um dos fatores que encarece o custo. Agora eles terão vínculo empregatício. Em compensação, amplia-se mercado para essa categoria, que terá outros benefícios como insalubridade, adicional noturno, repouso semanal remunerado, porque o porto não vai parar.
Qual a posição do Pará nessas mudanças? Seremos destaque em portos?
Sou entusiasta em vários sentidos. Primeiro devo destacar que o 4º Distrito Naval, com sede em Belém, é o único setor da Marinha do Brasil que promove a segurança da navegação tanto sobre as águas interiores, como sobre a navegação marítima. O segundo destaque é pela real necessidade de atender a demanda reprimida dos fazendeiros do Mato Grosso. E só estou falando de soja, mas no dia em que a Hidrovia Araguaia-Tocantins estiver em plena navegabilidade, outros produtos – como o gado – circularão. O frete marítimo é muito mais barato do que o terrestre. No Brasil, fomos pautados pelo transporte rodoviário. A exemplo dos modulados, temos em Belém várias franquias de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, cujo percurso corta o Brasil inteiro por meio rodoviário, e o consumidor final pagará essa conta. Metade do que vai ser gasto com a construção dos estádios para Copa de 2014, resolveria o problema de infraestrutura da logística hidroviária no Estado do Pará.
( * ) – José Mario da Costa Silva é advogado do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff e também presidente da Comissão de Direito Marítimo e Portuário da OAB/PA e e professor de Direito Marítimo do Centro de Instrução Almirante Braz Aguiar (CIABA).