Justiça bloqueia reembolso de gasolina para 104 deputados por irregularidades em contas

Parlamentares são listados em relatório de ONG sobre supostos altos gastos com combustível. Seis deputados são do Pará
Deputados envolvidos podem perder o mandato

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Brasília – Denúncia protocolada pela ONG Instituto Ops resultou no bloqueio do reembolso de gastos de combustíveis pagos com a cota de verba de gabinete de 104 deputados federais devido irregularidades em contas de reembolso de despesas. Auditoria realizada em documentos fiscais referentes a despesas com combustíveis e lubrificantes que foram ressarcidas a parlamentares da Câmara dos Deputados entre os anos de 2019 e 2020 constataram os delitos.

Da lista de 104 parlamentares da Câmara dos Deputados citados no relatório, alguns conseguiram a façanha de realizar abastecimentos com mais de mil litros de combustíveis em apenas um abastecimento.

Os casos foram encaminhados como denúncia ao Ministério Público Federal, ao Tribunal de Contas da União e à Câmara dos Deputados.

A Justiça determinou que a União se abstenha de reembolsar despesas com combustíveis feitas pelos deputados federais denunciados por irregularidades na prestação de contas por parte deles — alguns chegaram a gastar R$ 1.000 em um só dia com gasolina. A entidade contabilizou gasto de R$ 27 milhões com combustíveis nesse período.

Com base no relatório da Operação Tanque Furado, o vereador paulistano Fernando Holiday (Novo) moveu ação na Justiça Federal contra os 104 deputados e deputadas citados no relatório, em face das irregularidades encontradas pelo Instituto OPS.

O Juiz Federal Renato Coelho Borelli mandou suspender o pagamento das despesas com combustíveis desses deputados, nos casos apontados no relatório.

A decisão na ação judicial baseada no relatório da Operação Tanque Furado, feito pela ONG Instituto Ops, que auditou 1.863 notas fiscais de abastecimento de veículos de deputados e assessores entre 2019 e 2020.
Leia a decisão do Juiz Federal Substituto Renato Coelho Borelli, respondendo pelo acervo do JT da 7ª Vara.

Denunciados

Entre os casos suspeitos a ONG cita os deputados José Guimarães (PT-CE), que teria abastecido 326 vezes em um só dia, e Hiran Gonçalves (PP-RR), que teria abastecido 1.119 litros de gasolina e 1.070 de diesel de uma só vez.

Constam na lista de denunciados seis deputados federais do Pará: Beto Faro (PT-PA), Celso Sabino (PSDB-PA), Cristiano Vale (PL-PA), Delegado Éder Mauro(PSD-PA), * Edmilson Rodrigues (PSOL-PA) e Olival Marques (DEM-PA).

As suspeitas que recaem sobre os parlamentares paraenses é a mesma: diversos abastecimentos em um só dia, conforme atestam as notas fiscais de pedido de reembolso apresentadas à Câmara.

A reportagem entrou em contato com todos os deputados paraenses envolvidos, mas nenhum, até a publicação da matéria, retornou o pedido de explicações.

O relatório

Os casos suspeitos de irregularidades encontrados no âmbito da Operação Tanque Furado, assim como, indícios de crimes tributários, mostram que a Câmara dos Deputados não tem logrado êxito na verificação das situações fiscais e contábeis das notas fiscais apresentadas por seus parlamentares, tarefa essa determinada pelo Ato da Mesa No 43/2009, ao mesmo tempo que se desnuda uma prática questionável de emissão de notas fiscais eletrônicas que podem estar provocando prejuízos aos cofres públicos.

Parte considerável dessas notas fiscais eletrônicas ao consumidor (NFC-e) não possui a identificação do consumidor, foi emitida em nome de consumidores que não fazem parte do gabinete parlamentar, ou ainda, emitida em nome de empresas, fato que contraria a exigência imposta pela própria Câmara dos Deputados para que a indenização ao parlamentar ocorra, vez que tais documentos devem conter, obrigatoriamente, o nome do parlamentar (http://bit.ly/ceap_assessores).

Fica provado também neste relatório que gabinetes parlamentares apresentam, sempre dos mesmos postos de combustíveis, notas fiscais eletrônicas (NF-e) emitidas em nome de seus deputados e deputadas, em valores exatos do limite mensal estipulado pelas regras da Câmara, atualmente de R$ 6 mil. Como se fosse possível contabilizar até mesmo as gotas de combustíveis.

Esse fato, por si só, demonstra a total ausência no controle nos gastos com abastecimentos por parte da própria Câmara dos Deputados que efetua o ressarcimento mediante a apresentação de documento fiscal que esteja acompanhado do requerimento padrão assinado pelo parlamentar que

declara, mediante assinatura, assumir inteira responsabilidade da despesa, em especial, pela garantia de que os produtos constantes no documento fiscal foram entregues.

É compreensível, mas não aceitável, que a Câmara venha efetuando tais ressarcimentos a parlamentares ao longo dos anos. Isso se deve ao fato de se tratar de um trabalho hercúleo e de demandar incontáveis horas de trabalho. Não é uma tarefa simples localizar as NFC-e “dentro” das NF-e.

O relatório mostra, ainda, casos como o da nota fiscal eletrônica ao consumidor (NFC-e) que contém 326 abastecimentos efetuados em um só dia, como se possível fosse a um parlamentar alcançar tamanho feito. Em outro caso, veículo abastecido com mais de mil litros de combustível. Há também abastecimentos feitos em nome de empresas, e até mesmo à pessoa jurídica do parlamentar que se candidatou às eleições de 2020; é o caso do deputado federal Alexandre Frota (PSDB-SP).

Esses casos e tantos outros foram apresentados à sociedade como “gastos normais” para o desempenho do mandato, mas o que foi apurado é que isso não se trata de verdade absoluta.

A dificuldade para alcançar os detalhes apresentados no relatório é fator único que consideramos para que essa quantidade de irregularidades venha passando despercebida pela Câmara dos Deputados.

O relatório conclui que: “É urgente que a Câmara dos Deputados adote uma política diferente para realizar ressarcimento de despesas com combustíveis e lubrificantes, seja pela exigência da apresentação apenas da NFC- e, com a identificação do consumidor, placa do veículo e quilometragem, seja por extinguir essa rubrica, visto que em tempos de internet rápida e de inúmeros recursos tecnológicos de comunicação disponíveis, o deslocamento de parlamentares e seus assessores não é mais uma necessidade imperativa.”

Verba indenizatória

A verba indenizatória é um recurso público disponível aos parlamentares da Câmara dos Deputados e destinado exclusivamente para o custeio de mandato. O valor mensal depende do estado que o parlamentar representa, partindo de R$ 30,7 mil para os eleitos pelo DF, até R$ 45,6 mil aos eleitos por Roraima.

Para ter acesso à verba o parlamentar deve entregar à Câmara dos Deputados a nota fiscal ou recibo da despesa, a depender do caso, além de assinar um termo onde assume total responsabilidade pelas despesas, inclusive garantindo que os produtos e/ou serviços foram entregues, e que os gastos foram exclusivamente para o custeio do exercício do mandato.

A Câmara, por sua vez, verifica apenas a regularidade fiscal e contábil das notas, o que veremos não ser uma verdade absoluta.

Nos anos de 2019 e 2020, de acordo com dados extraídos da própria Câmara dos Deputados até o final de janeiro de 2021, a cota para o exercício da atividade parlamentar (que engloba a verba indenizatória, passagens aéreas, serviços postais e telefonia) custou aos contribuintes R$ 362,8 milhões.

Dentre as despesas reembolsáveis aos parlamentares, estão combustíveis e lubrificantes. Diferentemente da maioria das outras rubricas, esta é limitada a R$ 6 mil mensais. Apesar de não constar nas regras que norteiam seu uso, o Ato da Mesa Diretora No 43/2009, secretários e assessores parlamentares também podem utilizar deste recurso para abastecer seus veículos, desde que seja para uso exclusivo de mandato.

“Não obstante, observamos que, conforme esclarecimentos da Mesa da Câmara dos Deputados, datado de 16/05/2017, divulgado aos senhores deputados: a aquisição de combustíveis e lubrificantes de que trata o inciso IX do art. 2o do Ato da Mesa n. 43, de 2009, não exige a presença do Deputado no estabelecimento em que se dá o abastecimento do veículo, desde que o combustível ou lubrificante adquirido se destine estritamente a apoio do exercício do mandato e que o documento fiscal que comprova a despesa seja emitido em nome do parlamentar, em conformidade com a norma supramencionada”, relatou a Câmara em comunicado enviado ao diretor do Instituto OPS, em 16/12/2020.

Nos anos de 2019 e 2020, parlamentares da Câmara dos Deputados gastaram R$ 27 milhões com combustíveis e lubrificantes, sendo que no ano de 2020, em decorrência da pandemia do coronavírus, os valores foram menores. Contudo, a realidade foi diferente para muitos parlamentares citados no relatório que, pelo menos, mantiveram seus gastos inalterados.

Muitos parlamentares citados no relatório mantiveram seus gastos inalterados mesmo durante as fases mais agudas da pandemia

Recomendações

O relatório faz recomendações específicas aos órgão de controle para cessar a “sangria” de recursos públicos praticados pelos parlamentares envolvidos no esquema.

Ao Ministério Público Federal: a apuração de cada um dos casos aqui mostrados e, caso sejam confirmadas as irregularidades, que se apresente denúncia à Justiça, tantas quanto forem necessárias, para que os responsáveis sejam julgados com todo o rigor da lei, e que a identificação dos processos que surgirem a partir deste documento seja informada ao Instituto OPS para o devido acompanhamento.

Ao Tribunal de Contas da União: a apuração de cada um dos casos aqui apresentados, a aplicação das sanções necessárias aos envolvidos, além de sugerir à Câmara dos Deputados profunda alteração das normas internas para o uso da verba indenizatória para fins de abastecimento e lubrificação de veículos, como a exigência para que tais despesas sejam ressarcidas aos parlamentares mediante a apresentação, exclusivamente, de NFC-e, contendo o nome do parlamentar, o modelo do veículo, placa e quilometragem do veículo na hora do abastecimento, além do termo de responsabilidade já existente.

À Câmara dos Deputados: a apuração de cada um dos casos aqui apresentados para a cobrança, afinal e se for o caso, a cada um dos parlamentares envolvidos, de todo o valor indevidamente recebido como ressarcimento, começando pelos valores citados nas páginas 282 e 300 deste relatório, além de manter, inclusive, este denunciante informado sobre todas as restituições que possam vir a ser realizadas, a qualquer tempo. Ademais, diante dos indícios de irregularidade, que seja autorizada uma imediata revisão de todos os ressarcimentos deferidos nos últimos anos, que se rastreiem eventuais novos casos, com semelhantes falhas, e a imediata alteração nas regras para que despesas com abastecimentos e lubrificantes sejam ressarcidas aos parlamentares mediante a apresentação, exclusivamente, de NFC-e, contendo o nome do parlamentar, o modelo do veículo, placa e quilometragem do veículo na hora do abastecimento.

Relação dos 104 parlamentares citados no dossiê

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Edmilson Rodrigues (PSOL-PA) – O deputado elegeu-se Prefeito de Belém na eleição de 2020

O Blog do Zé Dudu está aberto para que os parlamentares apresentem suas justificativas aos fatos publicados na reportagem.

As denúncias são da maior gravidade, pode ensejar denúncia ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, — e, em última instância, os envolvidos podem perder os respectivos mandatos.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.

3 comentários em “Justiça bloqueia reembolso de gasolina para 104 deputados por irregularidades em contas

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