Dez dias depois do episódio fatídico de Brumadinho, em Minas Gerais, com o rompimento da barragem de rejeitos de mineração da Vale, o juiz Márcio Teixeira Bittencourt, titular da 2ª Vara Cível e Empresarial Comarca de Marabá, mas respondendo pela 3ª Vara Cível e Empresarial de Marabá, prolatou uma sentença pesada contra a JBS S/A. Não tanto pelo valor, de R$ 200.000,00, mas por outras sanções aplicadas em função da poluição do Rio Itacaiunas, entre elas, a restrição de a empresa abater, no máximo, um terço das 1.550 cabeças de gado que são permitidas diariamente em sua licença de operação.
A sentença é uma resposta a uma ação civil pública do Ministério Público Estadual, por meio da promotora Josélia Leontina de Barros, após ser descoberto o direcionamento de efluentes para uma lagoa de decantação supostamente desativada, sem nenhum tipo de tratamento. Além disso, fiscalização da SEMAS (Secretaria Estadual de Meio Ambiente), as “novas” lagoas de tratamento encontravam-se com a sua capacidade limite, quase em risco de transbordamento.
A JBS apresentou contestação, alegando a inépcia da ação e garantiu que não houve dano ambiental e, por consequência, também não houve dano moral. Disse que diante da licença de operação atestada pela SEMA-PA, o processo deveria ser extinto com resolução do mérito.
Mas o juízo converteu o julgamento em diligência para que fosse realizada inspeção judicial. As partes foram devidamente intimadas e participaram da inspeção realizada em 06 de junho de 2018, que gerou um relatório técnico elaborado pela SEMAS-PA.
O juiz observou que o auto de infração aplicado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente é datado de 24 de agosto de 2012, enquanto o relatório de fiscalização é datado de 12 de setembro de 2012. Por outro lado, a licença de operação apresentada pela JBS foi protocolada apenas no dia 25 de fevereiro de 2013, ou seja, após a autuação e emitida apenas em 24 de abril de 2014, autorizando a operação de abate de 1.500 animais, graxaria, bio filtro e lavador de caminhões boiadeiros.
Em relação à inspeção judicial, o juiz avaliou que a JBS utiliza da captação direta das águas do Rio Itacaiunas em sua cadeia produtiva industrial concernente às atividades frigoríficas e de abate de bovinos. Na atividade principal, divide-se a origem dos resíduos de matadouros frigoríficos em linha verde e linha vermelha. Dessa forma, a linha verde engloba os resíduos resultantes dos dejetos e do conteúdo estomacal dos animais.
Enquanto a linha vermelha é designada aos resíduos derivados do sangue. Logo após a água, juntamente com parte das vísceras dos animais e o restante de capim do rúmen dos animais, segue por um canal aberto denominado Linha Verde, em especial pela cor das fezes dos animais. Já o sangue dos animais segue por um canal aberto denominado Linha Vermelha. Em seguida passam pelo Tanque de lodo, pelo Floco Decantador, em seguida para a Lagoa de Equalização, depois para uma Lagoa Anaeróbica, duas Lagoas Facultativas e, por fim, na Lagoa de Polimento, da qual a água retorna para o Rio Itacaiunas.
Tanto na autuação do ano de 2012, quanto no relatório produzido pela SEMAS no ano de 2018, e no levantamento fotográfico, o magistrado avaliou que as lagoas estão operando com a sua capacidade limite. A inspeção judicial ocorreu no mês de junho de 2018, ou seja, durante o período de menor incidência de chuvas na região de Marabá. No dia da inspeção não foram realizados serviços de abate de animais.
SEGURANÇA DA BARRAGEM
“A empresa possui autorização para o abate de até 1.550 animais, sem informar a frequência. Caso haja a coincidência entre o período das cheias, com grande ocorrência de chuvas e o abate de animais na quantidade autorizada pela licença de operação, as lagoas de tratamento dos efluentes industriais não conseguirão suportar a quantidade de efluentes, podendo transbordar ou até mesmo romper. Entendemos que devem ser aplicadas às referidas barragens, além do procedimento de licenciamento simples, a Lei Federal nº 12.334/2010 que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens destinadas à acumulação de água para quaisquer usos, à disposição final ou temporária de rejeitos e à acumulação de resíduos industriais”, ressaltou o juiz Márcio Teixeira.
Para ele, a JBS é responsável pela lesão ambiental por ter praticado os atos danosos ao meio ambiente no ano de 2012, nos moldes do auto de infração aplicado, uma vez que além de não possuir o Plano de Gerenciamento dos Resíduos Sólidos, estava a despejar diretamente em uma lagoa de tratamento desativada os resíduos das lavagens dos caminhões.
“As novas lagoas, por outro lado, encontram-se operando em sua capacidade máxima e não resta comprovado nos autos o cumprimento das exigências da licença de operação, em especial a comprovação de que a água retirada do Rio Itacaiunas é utilizada no processo industrial está retornando para o rio não poluída, muito pelo contrário”.
O magistrado chegou à conclusão, também, que é perceptível que a água da Lagoa de Polimento (a última do processo de tratamento) apresenta uma cor e odor totalmente diferentes das águas do Rio Itacaiunas. “Mencionamos ainda o princípio ambiental do Poluidor Pagador, fundamental na Política Ambiental Brasileira sendo um instrumento econômico que exige do poluidor, suportar as despesas de prevenção, reparação e repressão dos danos ambientais com a internalização dos custos. Ou seja, é uma obrigação da empresa requerida devolver a água para o Rio Itacaiunas, pelo menos nas mesmas condições em que a água foi originalmente captada. Mas o que de fato nós temos são externalidades negativas, onde a empresa frigorífica fica exclusivamente com os lucros e ao devolver a água sem o tratamento adequado para o Rio Itacaiunas transfere para a sociedade a poluição”.
CATINGA PRA VALER
Além da poluição do Rio Itacaiunas, o juiz mencionou outros problemas relacionados à planta da JBS em Marabá, que está próxima aos núcleos urbanos e que não possui um sistema de tratamento de efluentes adequado com o cumprimento de um Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos são os odores ou as emissões de substâncias odoríferas. Sobretudo o gás sulfídrico (H2S) e várias outras substâncias contendo enxofre (como as mercaptanas), bem como diversos compostos orgânicos voláteis. Uma vez que as operações destas indústrias envolvem a geração e o manuseio de materiais altamente putrescíveis. Dessa forma, a origem destas substâncias está principalmente no gerenciamento inadequado destes materiais, incluindo o dos efluentes líquidos industriais.
Por exemplo, o magistrado chegou à conclusão de que os sistemas de tratamento de efluentes inadequados certamente gerarão substâncias odoríferas em quantidades muito superiores àquelas já geradas em condições controladas e adequadas de operação.
Destarte, o dever de reparar o dano moral ambiental coletivo decorre da simples infração, posto que é necessário prestar integral proteção ao meio ambiente para a preservação da vida das presentes e futuras gerações. Neste ponto, a Constituição recepcionou o artigo 14, §1° da Lei n° 6.938/81, que estabeleceu responsabilidade objetiva para os causadores de dano ao meio ambiente, nos seguintes termos: “sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros.”
Além de fixar a indenização à JBS no valor de R$ 200.000,00, o juiz Márcio Teixeira Bittencourt condenou a JBS a apresentar medida mitigadora emergencial, juntamente com o cronograma de execução, referente ao sistema de efluentes industriais a ser implantada, visando adequar o efluente aos padrões de lançamento em corpos hídricos, conforme determina a Resolução Conama nº 430/2011, no prazo 10 (dez) dias, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00.
Também deve aprovar o Plano de Gerenciamento dos Resíduos Sólidos e da adequação das lagoas à Lei Federal nº 12.334/2010, que estabelece a Política nacional de Segurança de Barragens, destinadas à acumulação de água para quaisquer usos, à disposição final ou temporária de rejeitos e à acumulação de resíduos industriais no prazo 30 dias.
Outra medida que deve ser adotada pela JBS é apresentação de relatórios mensais de automonitoramento de amostras de efluente industrial, juntamente com a Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) do responsável pelas análises.
E mais dura, momentaneamente, é que até a aprovação do Plano de Gerenciamento dos Resíduos Sólidos e da adequação das lagoas à Lei Federal nº 12.334/2010, o quantitativo de animais a serem abatidos não poderá superar um terço da autorização prevista na Licença de Operação, ou seja, no máximo 500 animais por dia, sob pena de multa no valor de R$ 1.000,00 por animal abatido que exceda os quinhentos.
Os R$ 200.000,00 que deve pagar a título de indenização por danos morais coletivos, será revertida para o Fundo Estadual do Meio Ambiente.
A Secretaria Municipal de Meio Ambiente deverá realizar, em caráter de urgência, a análise da qualidade da água contendo no mínimo, vários parâmetros determinados na sentença. A coleta deverá ser realizada em data cujas atividades da empresa estejam em funcionamento realizando a matança dos animais. Deverão ser coletadas amostras da Lagoa de Polimento (última etapa do tratamento) e também diretamente em uma das tubulações que conduzem a água supostamente tratada, devolvendo-a para o Rio Itacaiunas, com a participação de pelo menos um representante da JBS, de preferência deverá ser filmado o momento da coleta das amostras.
Em relação à SEMAS (estadual), deverão ser adotadas medidas emergenciais para evitar que as lagoas transbordem ou se rompam, bem como esclarecer e definir o quantitativo máximo diário de abate de animais para evitar uma catástrofe ambiental e realizar vistorias semanais durante o período das cheias (janeiro a abril) e mensais durante o restante do ano.
A Reportagem do Blog enviou pedido de resposta à Assessoria de Imprensa da JBS, por e-mail, mas até a publicação desta Reportagem nenhuma resposta havia sido dada.
A Reportagem do Blog enviou pedido de resposta à JBS, por e-mail. No início da tarde desta segunda-feira, a Assessoria de Imprensa da empresa respondeu laconicamente com a seguinte frase: “A JBS não comenta processos judiciais em andamento”