Leilão do governo para compra de arroz do exterior sob suspeitas

O que era para ser uma solução para um possível desabastecimento de arroz no país, está sob suspeita de um mal explicado negócio com dinheiro público
A lojinha de queijos "Queijo Minas", localizada em Macapá e de propriedade de Wisley Souza, venceu o maior lote do bilionário leilão de importação de arroz da Conab. A parte da Wisley deverá envolver mais de R$ 700 milhões

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Autoridades do governo federal responsáveis por garantir o abastecimento e a segurança alimentar dos brasileiros anunciaram a importação de arroz do exterior, mas, após o anúncio dos vencedores do certame, submergiram e não atendem os pedidos da imprensa para explicar os questionamentos que envolvem os vencedores do leilão, em mais uma trapalhada que se repete num governo petista, sob suspeita de um negócio bilionário, que envolve dinheiro público.

O plano do governo federal era se adiantar para fazer frente à queda da produção no Rio Grande do Sul, que no final do mês de maio, já havia colhido 70% da safra do cereal deste ano. Maior produtor nacional, em 29 de maio o estado foi atingindo por uma catástrofe climática sem precedentes que arruinou lavouras, silos de armazenagem, destruindo também, grande parte de estradas vicinais, rodovias estaduais e federais, da malha rodoviária do estado, ameaçando o escoamento da safra, justificativas plenamente convincentes para a importação do cereal, um dos principais produtos da cesta-básica dos brasileiros.

Ocorre que, antes mesmo do leilão ser realizado, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) ingressou no dia 3 de junho, com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), no Supremo Tribunal Federal (STF), cujo objetivo primordial era o de suspender o primeiro leilão público da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), marcado para o dia 6 de junho, para a compra de arroz provavelmente da Tailândia. Na ação, a CNA pediu explicações ao governo sobre a medida.

O que era temido pela CNA acabou tomando proporções insondáveis até o momento. O que se sabe pode enredar o governo federal em mais um escândalo com o uso do dinheiro público do contribuinte, e o que era para ser uma “bondade”, se transformou num rosário de desconfianças e coisas mal explicadas.

O leilão

O atípico leilão de arroz importado realizado pela Conab teve quatro vencedores. Uma companhia de Macapá, no estado do Amapá, arrematou o direito de vender 147,3 mil toneladas de arroz importado. Ao todo, a Conab viu arrematantes se comprometerem a venda de 263,4 mil toneladas do produto, em uma operação de R$ 1,3 bilhão.

A empresa de Macapá (AP) é um estabelecimento que vende queijos, outra vencedora é uma fabricante de sucos de São Paulo (SP), e uma terceira, locadora de veículos localizada em Brasília (DF).

A disputa promovida pela Conab com quatro empresas vencedoras receberão um total R$ 1,3 bilhão. Terão até setembro para entregar os produtos, já embalados, à Conab em onze Estados do país. O pacote de arroz de 5 kg ficou orçado em um valor máximo de R$ 25. Será vendido ao consumidor subsidiado por R$ 4 o quilo. A diferença será paga pelos cofres públicos via subvenção.

A lista das vencedoras chamou a atenção: das quatro ganhadoras, três não tem qualquer relação com o ramo de importação. Só uma, a Zafira Trading, de fato atua no segmento de comércio exterior. Ficou com o segundo maior lote e será responsável por importar 28% do total contratado. Confira a íntegra da ata com os nomes dos vencedores.

As empresas participantes devem depositar, até a próxima quinta-feira (13), garantia equivalente a 5% do valor total da operação, para que sua atuação no leilão seja confirmada. Se a empresa não apresentar a garantia no prazo estipulado, é aplicada multa de 10% sobre o valor da operação e cancelada a negociação, de acordo com as regras do certame da Conab.

Segundo a Conab, as bolsas de mercadorias devem se responsabilizar pelas propostas de seus clientes nos leilões estatais, e cabe a essas instituições analisar a capacidade de pagamento.

A Conab afirmou ainda, no sábado (8), que vai convocar as bolsas de mercadorias e cereais para apresentar comprovações de capacidade técnica e financeira das empresas que representaram.

“A transparência e a segurança jurídica são princípios inegociáveis e a Conab está atenta para garantir segurança jurídica e solidez nessa grande operação”, afirmou o presidente da Conab, Edegar Pretto, filho do ex-deputado federal Adão Pretto, eleito à época pelo Rio Grande do Sul, e ligado ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Edegar Pretto, foi presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, quando se elegeu deputado estadual em 2010.

Assumiu a presidência da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), no início do terceiro mandato do governo Lula. A Conab está sob a alçada do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) e passou a ser vinculada também com o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA).

Aumento de capital dias antes do leilão

O principal vencedor foi a Wisley A. de Souza Ltda, cujo nome fantasia é “Queijo Minas”. Conseguiu o direito de importar 147,3 mil toneladas de arroz. Em troca, receberá R$ 736,3 milhões do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A empresa registrada em nome de Wisley é um estabelecimento que vende queijos na região central de Macapá (AP).

De acordo com dados da Receita Federal, a Queijo Minas tem capital social de R$ 5 milhões. No entanto, houve uma alteração nos dados dias antes do leilão. Até 24 de maio de 2024, o capital social era de R$ 80.000.

A parte da Wisley deverá envolver mais de R$ 700 milhões.

A empresa disse em nota que “assumiu este compromisso ciente de que a importação é necessária para reduzir o preço final ao consumidor de um produto essencial na alimentação dos brasileiros”.

Segundo a nota, a Wisley tem “solidez” e experiência no comércio atacadista, na armazenagem e na distribuição em todo Brasil de produtos alimentícios, com um faturamento mais de 60 milhões de reais no ano passado.

“Resultado que vem crescendo ano após ano, com a ampliação do leque de marcas alimentícias que a empresa representa e distribui no Norte do país, região que apresenta a maior complexidade de logística do Brasil”, disse.

A empresa lamentou que “grupos com interesses contrariados estejam tentando afetar sua imagem e deturpar a realidade num momento em que é essencial o país encontrar formas de assegurar o abastecimento de arroz para a população”.

Além Wisley, foram vencedores no leilão a Zafira Trading, a ASR Locação de Veículos e Máquinas e a Icefruit Indústria e Comércio de Alimentos, que por não atuarem no mercado de arroz foram questionadas pelo setor.

A Zafira Trading, que foi a segunda maior arrematante no leilão, com 73,8 mil toneladas, ou 28% do total negociado, afirmou que entrou no certame visando expandir suas operações nas importações de alimentos. As outras duas companhias não se manifestaram.

A Wisley, com sede no Amapá, afirmou em nota no final de semana que tem mais de 17 anos de experiência no comércio atacadista de alimentos e lamentou informações que colocaram em dúvida a capacidade da companhia de realizar a importação.

Após resultado do leilão, governo anunciou medidas

O governo avalia rever o leilão do arroz importado e promover exonerações de servidores públicos que estariam envolvidos na organização do pregão eletrônico.

O motivo é que, na avaliação de governistas, o resultado do certame se tornou um constrangimento e o que era para ser um grande lance do governo — apresentar uma solução para um possível desabastecimento de arroz no país após as enchentes no maior estado produtor do grão no país, o Rio Grande do Sul, tem cheiro de coisa errada.

Primeiro, porque agricultores gaúchos apontaram que não havia risco de desabastecimento e que, portanto, não havia necessidade de um leilão para importar o arroz.

Além disso, a medida ampliou ainda mais o abismo entre o agronegócio brasileiro e o governo federal em um momento em que o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, vinha trabalhando para aproximá-los.

Pessoas ligadas à tramitação do processo relatam também outro constrangimento: o leilão levantou suspeitas de fraude e alimentou a oposição, que pediu uma apuração ao Tribunal de Contas da União (TCU) por eventual fraude.

São duas frentes que estão nesta linha de apuração: uma, com foco na maior arrematante individual do certame, a Wisley A. de Souza, cuja sede é uma pequena loja de queijos em Macapá e que teve seu capital social recentemente alterado; passou de R$ 80 mil para R$ 5 milhões uma semana antes do leilão.

Na noite de segunda-feira (10), empresários ligados a empresa deram informações contraditórias sobre a sua constituição societária.

Outra frente, a partir da revelação de que Robson França, ex-assessor do secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Neri Geller, atuou como corretora em parte da venda.

Fontes do setor disseram que pelas regras do mercado sua comissão no negócio pode passar de R$ 5 milhões.

França é sócio de um filho de Geller em uma empresa no Mato Grosso.

Além disso, ele trabalhou no gabinete de Geller junto com o diretor de Operações e Abastecimento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Thiago dos Santos.

Geller era um dos que, na noite de segunda-feira (10), segundo fontes do governo e do Congresso, balançavam no cargo, além de Thiago dos Santos. O presidente Lula ficou furioso ao saber os detalhes da lambança.

Várias empresas de comunicação procuraram o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, e o presidente da Conab, Edegar Prietto, além de Neri Geller, mas eles não se manifestaram até o momento.

* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.

3 comentários em “Leilão do governo para compra de arroz do exterior sob suspeitas

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  3. João Batista Responder

    Até parece novidade mais não é, corrupção faz parte do cotidiano do povo brasileiro.

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