Por Antônio Claudio Mariz de Oliveira
Interessante crônica escrita por Ruy Castro e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, denominada “Publique-se a Lista”, mostra como certos fatos passam a ser aceitos tal como foram narrados, sem, no entanto, estarem de acordo com a realidade e como certas afirmações adquirem ares de verdades absolutas, quando são totalmente contestáveis. São as lendas, os mitos e os símbolos que passam a compor a realidade em substituição aquilo que verdadeiramente é, mas que passa a deixar de ser.
Na crônica, Ruy Castro faz menção a um filme, “O Homem que Matou o Facínora”, onde um senador americano construiu a sua carreira política com base no fato de haver matado um célebre criminoso, quando na verdade o responsável pela morte havia sido um ex-pistoleiro, protagonizado por John Wayne. O senador é vivido por James Stuart. Durante anos, aquela versão foi considerada verdadeira e surtiu os efeitos políticos desejados pelo senador, até que ele resolveu revelar a verdade a um jornalista, que lhe disse “quando a lenda se torna realidade publica-se a lenda”.
Ruy Castro, na mesma crônica, mostrou que entre nós houve uma disputa entre dois políticos mineiros a respeito da autoria de uma máxima semelhante àquela referente ao filme. “O importante não é o fato, mas a versão”. Quando José Maria Alkmin disse a Benedito Valadares, até então considerado o autor da frase, que ele estava se apropriando do pensamento que era dele, Valadares de pronto lhe respondeu que realmente o que importava e prevalecia era a versão e não o fato…
Na mesma edição, o jornal publicou um artigo do erudito Antônio Cícero, em que ele fala sobre Fernando Pessoa e os mitos e discute se os mitos precedem à poesia ou se é esta a criadora dos mitos. Citou, ainda, uma frase de Pessoa digna de reflexão: “Desejo ser um criador de mitos, que é o mistério mais alto que pode obrar alguém da humanidade”.
A propósito é pertinente uma comparação entre a mitologia e o simbolismo esse tão em voga nos dias de hoje. Os mitos e as lendas são pré existentes e impessoais, criados pela cultura popular ou fruto da criação poética, literária e mesmo filosófica.
Já o simbolismo tem uma conotação pragmática, pois se dirige a fins específicos que geralmente objetivam enganar e iludir. O simbolismo transmite conceitos e impressões que não correspondem à realidade dos fatos e das verdadeiras intenções. Cria situações ilusórias que ficam entranhadas no subconsciente coletivo, influencia condutas e forma convicções, dando a enganosa ideia de que algo é, quando na realidade não é.
Um observador atento da sociedade brasileira poderá verificar que houve uma substancial modificação na tábua de valores que rege a vida em sociedade e as relações inter-pessoais. Outros são os referenciais e os critérios de avaliação da conduta e do caráter das pessoas.
Houve época em que se prestigiava o ser. A característica que prevalecia e tinha realce nas pessoas e nas situações da vida era a que constituía a sua essência, o seu eu, a sua própria realidade.
Posteriormente, houve uma substituição do ser pelo ter. Houve uma tal voracidade consumista que provocou uma transformação rápida e radical na sociedade. Passou a valer aquele que possuía e não mais aquele que era. Soma-se à ganância a esperteza, representada pela famigerada “lei de Gerson”. Durante algumas décadas, constituímos uma sociedade hedonista, pouco solidária e individualista.
No presente, percebe-se um retorno, embora tímido, aos valores que não têm na competição e no consumo seus pontos mais salientes. Esse movimento é percebido especialmente nas classes baixa e média. Talvez os percalços do cotidiano provocados pela natureza e pelo próprio homem que os atinge mais diretamente, estejam provocando a necessidade de mais solidariedade, compreensão, harmonia e paz nos relacionamentos entre as pessoas. O sinônimo de qualidade de vida nessas camadas não está mais na tentativa exclusiva da obtenção de bens materiais. Paz de espírito, união familiar e amizades sólidas, somadas à satisfação dos anseios básicos de saúde, educação e habitação, preenchem as necessidades para uma vida satisfatória.
No entanto, esta saudável reversão não atingiu as classes mais favorecidas. Nelas prevalece a competição pelo ter e agora, não é mais o ter, mas sim o parecer ter e o parecer ser.
Assim, voltamos ao simbolismo. A aparência prevalece sobre o real, e é o que importa. O cosmético encobre a essência e como é adotado por cada um, é aceito por todos sem nenhuma indagação sobre o ser verdadeiro.
Conclui-se que para as elites endinheiradas prevalecem as máximas citadas pelo cronista Ruy Castro “quando a lenda se torna realidade publica-se a lenda” e “o importante não é o fato mas a versão”.
*Antônio Claudio Mariz de Oliveira é advogado.
1 comentário em “Lendas, mitos e símbolos”
Infelizmente esse governo do Jatene representa de forma patente essa manutenção da máxima de que “quando a lenda se torna realidade publica-se a lenda” e “o importante não é o fato mas a versão”. Os fatos estão aí para comprovar!