Líder do Governo na Câmara critica Constituição e propõe reforma constitucional

Reações foram contra e a favor da proposta
Ricardo Barros é o líder do governo Bolsonaro na Câmara dos Deputados

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Brasília – O líder do governo na Câmara dos Deputados, deputado federal Ricardo Barros (PP-PR) agitou os meios políticos em Brasília ao defender na segunda-feira (26), a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte para escrever uma nova Constituição para o Brasil. Segundo o parlamentar, a Carta atual torna o país ingovernável, além de fomentar o ativismo político do Poder Judiciário e dos órgãos de controle, como o Ministério Público (MP). Segundo ele, um novo texto constitucional seria preciso para conter esses órgãos. A atual Constituição brasileira é de 1988.

“Nossa Constituição, a Constituição Cidadã… o presidente Sarney já dizia isso quando a sancionou, que ela tornaria o país ingovernável. E o dia chegou. Temos um sistema ingovernável. Estamos há seis anos com déficit fiscal primário, ou seja, gastamos menos do que arrecadamos”, disse Barros.

“Eu defendo uma nova Assembleia Nacional Constituinte. Acho que devemos fazer um plebiscito, como fez o Chile, para que possamos refazer a Carta Magna e escrever muitas vezes nela a palavra ‘deveres’, porque nossa Carta só tem direitos. É preciso que o cidadão tenha deveres com a nação”, completou Barros.

Segundo o deputado, apenas reformar a Constituição, através de propostas de emenda constitucional (PECs), não dará ao Brasil condições de adquirir governabilidade no longo prazo.

Equilibrar poderes

Para Barros, também é importante escrever uma nova Constituição para reequilibrar os poderes e conter o ativismo de órgãos de controle. O líder do governo é um crítico da Operação Lava-Jato.

“Quando eu falo em reformar a Constituição, eu penso também em equilibrar os poderes. O poder fiscalizador ficou muito maior do que os demais e, numa situação incompreensível, de inimputabilidade [de seus agentes]. Juízes, promotores, fiscais da Receita, agentes do Tribunal de Contas da União, da Controladoria-Geral da União provocam enormes danos com acusações infundadas e nada respondem por isso”, criticou o vice-líder do governo.

Segundo o parlamentar, o Poder Legislativo se sente acuado por órgãos de controle. “O Legislativo se sente acuado, muitas vezes, por quase uma chantagem que lhe é imposta, por uma intimidação que lhe é imposta por órgãos de controle, por um ativismo político visível que atinge a todos aqueles que assumem posição de protagonismo, que coloca todos sob acusações”, disse Barros, que é um crítico ferrenho à operação Lava Jato.

Barros participou do evento “Um dia pela democracia”, organizado pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst). O evento contou, ao longo do dia com a participação de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e outros juristas.

Ideia não é nova

A ideia de convocar uma Constituinte para escrever uma nova Constituição para o Brasil não é novidade. Ainda na campanha presidencial de 2018, o vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) atribuiu a crise econômica à Constituição de 1988, que marcou o fim da ditadura militar e a redemocratização brasileira.

“Minha opinião é que nós precisamos de uma Constituição mais enxuta. Nossa Constituição é extensa demais. Uma Constituição tem que ser de princípios e valores”, disse Mourão à época.

Mas uma eventual nova Constituição, segundo o general, não deve ser escrita por representantes eleitos pelos brasileiros. “Eu julgo que Constituinte não é o caso. Foi um erro que nós cometemos no passado e o próprio Congresso se tornou Constituinte. Acho que é melhor uma comissão de notáveis e depois submeter o processo a um plebiscito para aprovação da população”, propôs Mourão à época. “Uma Constituição não precisa ser feita por eleitos pelo povo.”

O PT também defendeu a convocação de uma nova Constituinte em seu programa de governo nas eleições de 2018, apesar de não deixar claro como isso funcionaria. Recentemente, no “Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil”, documento lançado pelo partido, o tema voltou à tona.

“As reformas necessárias à construção do desenvolvimento soberano – reforma agrária, política, tributária, bancária, do acesso à informação e às comunicações – exigem profundas mudanças das instituições. O PT entende que o processo democrático de promovê-las, sob um governo legitimado pelo voto em eleições livres, é a convocação de uma Assembleia Constituinte Soberana”, diz o documento.

Antes disso, durante o período em que governou o Brasil, petistas também haviam defendido uma nova Constituição para o Brasil. À época, a ideia foi criticada porque seria uma suposta manobra para repetir no Brasil o que o ex-presidente Hugo Chávez fez na Venezuela – quando mudou a Constituição e ganhou mais poderes, pavimentando o caminho para construir a ditadura atual no país.

Reações

A fala do líder do governo gerou críticas de juristas e deputados. Não tem cabimento a sugestão estapafúrdia do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), de que o Brasil deveria seguir o exemplo do Chile e convocar um plebiscito para estabelecer uma Constituinte que corrija as distorções da Carta de 1988. O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Velloso comentou: “Trata-se da opinião de alguém que não sabe o que é Constituição, não sabe o que é política, não sabe o que é governabilidade”.

Para o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), 46 anos, advogado e professor, que presidiu a Comissão Especial da Reforma da Previdência na Câmara em 2019 e é o relator da PEC da Prisão em 2ª Instância, “a declaração do líder do governo, Ricardo Barros, de que o Brasil precisa de outra Constituição como o Chile porque a atual tornou o Brasil ingovernável demonstra uma ignorância política e histórica.”

“A CF de 1988 gerou a estabilidade político-institucional que nos permitiu passar por dois impeachments, crise econômicas e políticas, sem ruptura institucional. O Chile fez no domingo (25) o que fizemos em 1988. A Constituição do Chile é da Ditadura de Pinochet, a nossa é da Democracia, comparou”.

O ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, declarou: “Tenho visto gente no Brasil tentando pegar carona no plebiscito chileno para reabrir o debate sobre uma nova Constituição por aqui. Estudar um pouco de história e entender a transição democrática deles e a nossa seria útil. Só para começar”, alertou.

Diferenças

As melhores constituições são as que respeitam a estabilidade das regras em vez de tentar reinventá-las. É verdade que a brasileira é uma das mais longas do mundo. Também é verdade que garante mais direitos do que impõe deveres (quase o quádruplo, segundo um cálculo). Mas nada disso justifica reescrevê-la. Seria, diz o ex-ministro do STF Carlos Velloso, “um retrocesso em termos de direitos fundamentais”.

Velloso explica que ao contrário do Chile, regido por uma Constituição do tempo da ditadura de Pinochet, o Brasil passou por uma Constituinte democrática, que nos legou a Carta de 1988. “Já na época, as mentes argutas chamavam a atenção para o risco da ‘fúria legiferante’ que acomete as assembleias encarregadas de redigir novas constituições. Nas palavras memoráveis de Roberto Campos, deputado constituinte em 1987, ‘cada parlamentar sente uma tentação insopitável de inscrever no texto constituinte sua utopia particular’”, conclui o ex-ministro.

Val-André Mutran – É correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.

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