Lira procura deputado “linha dura” para comandar Conselho de Ética

O presidente da Câmara quer conter “excessos” dos dois lados do espectro político. Bate-bocas, ofensas, xingamentos e até ameaças fazem parte do dia a dia da Câmara
Reunião do Conselho de Ética no ano passado

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Brasília – Uma configuração altamente polarizada emergiu das urnas em 2022 e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), quer instalar o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar nas próximas semanas e colocar um deputado “linha dura” para preasidir o colegiado a fim de evitar o que considera “excessos” na Casa. Logo após a posse dos deputados eleitos, a Câmara foi palco de bate-bocas e ataques no plenário e nas comissões protagonizados por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) o que tumultua os trabalhos.

Lira tem razão. Um exemplo é o que aconteceu na audiência na terça-feira (28), na qual o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, foi convidado a dar esclarecimentos sobre o decreto que limitou o registro ou a aquisição de armas de fogo, inclusive por Caçadores, Atiradores Esportivos e Colecionadores (CACs), as ações adotadas pelo ministério, após os ataques ocorridos no dia 8 de janeiro, em Brasília; e da sua visita sem escolta policial no Morro da Maré, no Rio de Janeiro, na sede de uma ONG, na área considerada o maior núcleo de distribuição de drogas, armas e outros delitos do Brasil, sem ter sido em nenhum momento incomodado pelos grupos criminosos que dominam a área.

A audiência foi uma confusão, sobrando para os próprios deputados. O deputado mais votado do Brasil, Nikolas Ferreira (PL-MG), foi chamado por um deputado apoiador de Lula, de “chupetinha”, em flagrante ofensa ao decoro.

No momento em que Nikolas perguntou a Flávio Dino (PSB-MA), sobre quem o autorizou a entrar no Morro da Maré (RJ), foi interrompido pelos seus colegas. “Posso continuar?”, perguntou o deputado federal de Minas Gerais e um colega respondeu: “Vai, chupetinha”. A confusão tomou tal proporção que a audiência foi sumariamente encerada pelo presidente da CCJ, deputado Rui Falcão (PT-SP

Para frear esses “excessos” ou pelo menos tentar fazê-lo, Arthur Lira quer um deputado “linha dura” para presidir o Conselho de Ética, instância prevista na organização da Câmara dos Deputados, para fazer cumprir o que determina capítulos do Regimento Interno que tratam da relação entre os congressistas.

Mesmo sem ter sido instalado, o Conselho de Ética da Câmara já tem trabalho acumulando. Desde o início do ano, sete representações foram protocoladas para tramitação nessa instância.

O cenário tem pressionado Lira a instalar o Conselho de Ética e punir parlamentares. O União Brasil, que tem 59 deputados, deve ficar com o comando do colegiado. O principal cotado é Leur Lomanto Júnior (BA), aliado de Lira e um dos parlamentares mais próximos do líder do partido na Casa, Elmar Nascimento (BA).

“O Conselho de Ética vai ter de exercer o papel dele. Com muito equilíbrio e serenidade, é preciso analisar os processos que forem enviados para lá e dar o direito de os representados se defender”, disse Leur, completando: “Esperamos que os próprios parlamentares tenham um pouco mais de equilíbrio nas suas falas e façam um debate mais maduro.”

Antes, no Dia Internacional da Mulher, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) protagonizou uma cena muito criticada ao vestir uma peruca loira. Da Tribuna, Ferreira discursou no plenário da Câmara e ironizou mulheres trans. O parlamentar foi acusado de transfobia e foi alvo de representações no Conselho de Ética e no Supremo Tribunal Federal (STF). Lira repreendeu Nikolas.

Representações protocoladas

Desde o início do ano, sete representações foram protocoladas no Conselho de Ética da Câmara. O colegiado, porém, ainda não foi instalado. Os pedidos estão na Mesa da Câmara e dependem de uma análise jurídica para tramitar. Nikolas é alvo de duas denúncias, uma delas protocolada pelo deputado Fábio Teruel (MDB-SP) e outra pelos partidos PSOL, PCdoB, PT, PDT e PSB por causa do discurso no dia 8 de março. Outros parlamentares, que apoiaram os atos golpistas do dia 8 de janeiro, também foram alvo de representações.

Outro caso que aumenta a pressão sobre Lira é o da deputada Juliana Zanatta (PL-SC), que publicou foto nas redes sociais em que aparece com uma metralhadora e vestindo uma camiseta com o desenho de uma mão com quatro dedos, em alusão ao presidente Lula.

A bancada do PT prepara uma representação contra Juliana no Conselho de Ética. A deputada também decidiu acionar o colegiado contra parlamentares do PT. A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), classificou a publicação como “comportamento nazista”, fato apontado como crime por Juliana.

Supremo

Como os ânimos estão à flor da pele, o episódio rendeu bate-boca no plenário da Câmara. Na última terça-feira, o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), namorado de Gleisi, discutiu com Juliana no meio da sessão após a parlamentar citar o nome da presidente do PT na Casa.

“Isso é um crime que a senhora fez, vai responder no Supremo Tribunal Federal, por incitar violência contra o presidente da República”, disse o petista. “Os seus colegas também serão julgados pelo Supremo Tribunal Federal”, rebateu a parlamentar do PL.

Na primeira reunião da Comissão de Cultura da Câmara, no dia 15, o deputado Marco Feliciano (PL-SP) debochou da ministra da Cultura, Margareth Menezes. “Eu quero saber o que ela é. Eu sei que é uma mulher. Eu não sei se pode ser chamada de mulher ou não”, disse ele. O temor de aliados de Lira é que esse tipo de episódio, sem punição, se multiplique na Câmara.

O próprio presidente da Casa, Arthur Lira, desde a legislatura passada, tem tido embates com o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ). Braga é considerado pelos colegas um dos mais antipáticos e tóxicos deputados do Congresso Nacional. “É agressivo, não respeita ninguém, mas tem que entender que aqui tem regras”, disse numa dessas discussões, numa sessão plenária no ano passado, Arthur Lira. Ele não precisou a data para a instalação do colegiado.

Desde que o deputado Wlad Costa não conseguiu a reeleição, a bancada do Pará é considerada uma das mais disciplinadas da Câmara, com uma ou outra confusão protagonizada pelo deputado Delegado Éder Mauro (PL-PA), que diz ter verdadeira “urticária” ao ouvir falar do nome de petistas e psolistas, seus maiores desafetos na Casa.

Há mais de três anos, em 12 de fevereiro de 2020, depois de quatro horas de debates, a sessão da comissão especial em que o ministro da Justiça e Segurança Pública da época, Sergio Moro, era ouvido sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da prisão após a segunda instância foi encerrada em meio a uma troca de ofensas entre deputados. Os parlamentares Glauber Braga (PSOL-RJ) e o Delegado Éder Mauro (PSD-PA) se xingaram e precisaram ser contidos por colegas e seguranças.

Glauber Braga chamou o deputado Delegado Éder Mauro de “miliciano”. Em dado momento, Mauro levantou e começou a desferir as ofensas próximo a Braga, que permanecia sentado. Neste momento, a sessão foi encerrada. Depois que Moro deixou a sala, os parlamentares continuaram trocando ofensas.

Confusão do deputado Delegado Éder Mauro (PL-PA) com Glauber Braga (PSOL-RJ)

— Eu quero que tu seja o valentão que tu diz que é lá fora — disse Mauro.

— Está me ameaçando, miliciano? — retrucou Braga.

No bate-boca, o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), apelidado de “Vovô Smurf” pelos colegas, se aproximou de Éder Mauro para intimidá-lo e por pouco não pegou um catiripapo. A representação no Conselho de Ética movida por Braga contra Mauro foi arquivada.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.