Brasília – O que era tido como boato no final da semana passada foi confirmado como verdade nesta terça-feira (13), pelo próprio presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que anunciou o nome do economista e ex-ministro Aloizio Mercadante (PT) como o seu escolhido para assumir a presidência do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no início de sua terceira sua gestão à frente da Presidência da República brasileira.
“Não é mais boato,” disse Lula. “Nós estamos precisando de alguém que pense em desenvolvimento, de alguém que pense em reindustrializar esse país, em inovação tecnológica, na geração e financiamento ao pequeno e médio empresário para que esse país volte a gerar emprego,” afirmou o presidente eleito.
No mercado, os rumores sobre a indicação circulavam desde ontem (12). No fechamento desta segunda, o principal índice de ações da B3 encerrou o dia em queda de 2,02%, aos 105.343,33 pontos. Com a derrocada, a carteira teórica zerou todos os ganhos acumulados em 2022, e, nesta terça, as perdas se aprofundaram ainda mais fechando em 103.539.67 mil pontos com −1.71% em relação ao pregão de segunda-feira (12).
Quando saiu, a notícia azedou o humor dos investidores e afetou os ativos da Petrobras, que, ao lado das ações da Vale, tem os maiores pesos no índice Ibovespa. As ações da petroleira encolheram mais 3,24% no fechamento do pregão. Não só isso, todas as empresas estatais listadas na Bolsa derreteram e as empresas privadas não viam desvalorização parecida desde o anúncio da pandemia global de covid-19. Trilhões de reais foram para o espaço desde o anúncio do resultado das eleições presidenciais.
Para entender a reação do mercado, é necessário relembrar quem é Aloizio Mercadante. Filho de um general do Exército linha dura, o escolhido de Lula é tido como uma das pessoas mais boçais que já circularam nos corredores dos palácios de Brasília. Não cumprimenta ninguém e sempre está de cara feia e de mal com o mundo, dizem pessoas que o conhecem.
Mercadante desenhou o simulacro de programa de governo da campanha do presidente eleito, que depois foi retirado do site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sendo republicado um resumo genérico sem estabelecer qualquer racionalidade nas propostas ou compromissos palpáveis.
Atual coordenador de grupos técnicos da transição de governo, o economista formado na Universidade de São Paulo (USP) liderou três ministérios durante os mandatos da ex-presidente Dilma Rousseff (2011 a 2016): Ciência, Tecnologia e Inovação, Educação e Casa Civil.
“Ele teve participação protagonista durante os mandatos de Dilma Rousseff. Ele foi uma presença efetiva em diversas tomadas de decisão importantes do governo, que não foi bem avaliado pelo mercado,” afirma Matheus Pizzani, economista da CM Capital.
O governo Dilma foi marcado por atitudes consideradas irresponsáveis do ponto de vista fiscal. As sucessivas interferências nas estatais, o controle artificial dos preços da gasolina e energia elétrica, e a chamada “contabilidade criativa” nas contas do governo resultaram na alta da inflação e na mais profunda recessão e desemprego da história do país em tempos de paz.
As fontes consultadas pela Reportagem foram elegantes e se esquivaram da palavra “incompetência”, mas para isso há sinônimos que foram ditos – mais sobre os bastidores dessa apuração na Coluna Direto de Brasília desta sexta-feira (16).
Ainda sobre o perfil do ex-ministro, Mercadante tem mestrado e doutorado em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), considerada de viés mais “heterodoxo” – pensamento econômico antagônico ao tradicional, geralmente associado à política de maiores investimentos públicos para fomentar o crescimento econômico.
“Ele é tido como um economista heterodoxo, o que não é bem visto pelo mercado, considerando a percepção de que isso pode envolver retomada de políticas de caráter desenvolvimentista,” afirma Pizzani. Outra fonte disse que Mercadante está na metade do século passado em termos de pensamento econômico, num mundo que mudou radicalmente. O exemplo prático é que até a China, com sua política econômica estatizante, intervencionista sob o manto ideológico, abriu os mercados para a iniciativa privada, porque se deu conta que o Estado não é Deus.
Na visão de Flávio Conde, analista de ações da Levante Ideias de Investimentos, a escolha de Mercadante significa que Lula está descartando o suporte de economistas liberais. Figuras respeitadas como Pérsio Arida, Armínio Fraga e Henrique Meirelles chegaram a manifestar apoio ao líder do Partido dos Trabalhadores (PT) durante a corrida eleitoral.
Desde o primeiro discurso do presidente eleito, ele vem fazendo troça do mercado, acusando os operadores de mercado de “especuladores”, demonstrando total desconhecimento sobre teto de gastos e responsabilidade fiscal, com isso, irritou o mercado e os economistas apoiadores sumiram do mapa após publicar uma carta ensinando o abc para Lula.
“Ele está desconsiderando, para posições-chave da economia, colocar alguém desse grupo ou apoiado por esse grupo [de liberais]. A decepção maior do mercado é em relação a isso. Não é apenas o nome do Haddad ou Mercadante, por si,” diz Conde. “Lula desconsiderou as ideias deles e está apenas colocando pessoas que defendem um lado da moeda, que é o lado do ‘PT raiz’”.
Mercadante no BNDES
A indicação de Mercadante ao BNDES assusta o mercado financeiro pela perspectiva de um retorno às práticas da gestão de Dilma. Na época, a instituição foi muito utilizada para direcionar crédito com juros abaixo do mercado, por meio do forte endividamento do governo.
“O governo se endividava para fazer com que o BNDES pudesse fazer empréstimos com juros baixos, porque o BNDES não podia ficar operando no prejuízo, então o prejuízo ficava para o Tesouro. Só que hoje não temos essa capacidade de endividamento,” diz Mário Lima, analista sênior de política e macroeconomia da Medley Advisors.
A consequência dessa política é o aumento dos gastos públicos e do risco fiscal, fora a interferência na política monetária. Em outras palavras, a medida provocava distorções no mercado de crédito – enquanto o Banco Central tentava controlar a inflação subindo os juros, o BNDES continuava fornecendo crédito com juro baixo, estimulando o consumo na ponta final.
Durante o governo de Michel Temer (MDB), o programa foi reduzido. Logo, o BNDES pagou a dívida com o governo e os juros dos empréstimos passaram a andar em linha com o mercado. “Isso fez com que as grandes empresas fossem buscar financiamento também via mercado, melhorando o mercado de crédito no Brasil com esse novo desenho,” afirma Lima.
O analista político ressalta que a formação acadêmica de Mercadante na Unicamp e a possibilidade de que ele apoie maiores gastos públicos para financiar crescimento provoca dúvida sobre o modelo que será adotado no BNDES caso o ex-ministro assuma o comando da instituição. “Retomar esse modelo do BNDES promover uma enxurrada de dinheiro no mercado, de forma subsidiada pelo governo, pode criar mais distorções e dificultar o trabalho do Banco Central no combate à inflação,” diz Lima.
Como o governo eleito está recebendo a chave do cofre?
Após acusações de membros da cúpula do PT afirmarem que Lula receberá um Estado quebrado por Jair Bolsonaro (PL), com críticas endereçadas também ao ministro da Economia Paulo Guedes, a pasta distribuiu uma nota oficial, em que rechaça as acusações. A íntegra da nota é a seguinte:
Diante da recente série de declarações infundadas sobre o atual cenário econômico, o Ministério da Economia faz os seguintes esclarecimentos:
• As declarações de que o Estado Brasileiro está “quebrado” não são compatíveis com a realidade. A Dívida Bruta do Governo Geral deverá terminar o ano representando 74% do Produto Interno Bruto (PIB) e superávit primário de R$ 23,4 bilhões, o primeiro desde 2013 (Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias – 5º Bimestre de 2022). Será o primeiro governo que encerra o mandato com endividamento em queda: em 2018, a relação dívida/PIB chegou a 75,3%. Demais países emergentes e desenvolvidos têm projeções de crescimento de dívida entre 10,6 pontos e 8,5 pontos percentuais, respectivamente, em comparação com as taxas observadas antes da pandemia. Governos anteriores ampliaram a relação dívida/PIB em quase 20 pontos do PIB sem enfrentar pandemias ou guerras como a vista no Leste europeu, sem que esses recursos se traduzissem em efetiva melhora na qualidade de vida da população;
• Graças às medidas de suporte aos entes subnacionais durante a pandemia e às ações de política econômica que resultaram em rápida recuperação da atividade no pós-pandemia, Estados e municípios registrarão o segundo ano consecutivo de superávit primário em 2022. Ainda na relação com os entes federados, as transferências por repartição de receita chegaram a 4,8% do PIB em 2022 (aproximadamente R$ 480 bilhões), maior patamar da série histórica iniciada em 1997. Cabe destacar, também, o resultado das empresas estatais que caminha para fechar 2022 na casa dos R$ 250 bilhões, depois de resultado de R$ 188 bilhões em 2021, contra prejuízos de mais de R$ 30 bilhões em 2015. A atual administração também marca outro fato inédito ao entregar o nível de despesa primária em proporção do PIB em patamar inferior ao do início do governo (18,7% do PIB em 2022 contra 19,5% em 2019);
• Os compromissos totais devidos pelo Brasil a organismos e instituições financeiras internacionais deverão somar US$ 1,23 bilhão em 2023. É quase 20% menos que o total de US$ 1,52 bilhão devidos no ano de 2016. A melhora registrada nos últimos anos ocorreu graças a um conjunto de esforços que tem como regra mais usual priorizar os pagamentos há mais de dois anos em atraso e que ponham o Brasil sob ameaça de perda de direitos de participação nos respectivos fóruns de governança. O acompanhamento direto é realizado pelos ministérios setoriais, agências e entidades vinculadas, que subsidiam o Ministério da Economia com informações para as decisões pontuais a respeito dos pagamentos e equacionamento desses passivos junto aos organismos internacionais. Importante considerar que, para 2022, o Governo havia reservado no PLOA o valor de R$ 2 bilhões para pagamento de compromissos com organismos e instituições financeiras internacionais, mas o valor foi reduzido pelo Congresso Nacional a R$ 907 milhões, o que impossibilitou maior redução dos passivos;
• O pagamento da última parcela do reajuste dos salários dos servidores públicos, decidido em 2016 (Governo Temer), ocorreu em 2019, portanto, há três anos. Desde 2020, o Brasil e o mundo foram economicamente impactados pela pandemia da Covid-19. Diante da gravidade do cenário, o governo federal e o Congresso Nacional entenderam que a prioridade seria alocar recursos para o combate à doença em nível federal, estadual e municipal, a manutenção dos empregos e a concessão de auxílio financeiro aos mais vulneráveis, o que não permitiu a aprovação de novos reajustes aos servidores públicos até 31/12/2021 (conforme determinado pela Lei Complementar nº 173/2020, artigo 8º). Para 2023, o Projeto de Lei Orçamentária enviado ao Congresso previu R$ 10,5 bilhões para reajustes dos servidores públicos do Poder Executivo. Esses R$ 10,5 bilhões corresponderiam, de forma linear, a cerca de 5% de correção salarial. Em relação ao salário-mínimo, o PLOA prevê uma alta nominal de 7,4% no salário-mínimo. Com a desaceleração da inflação, portanto, prevê um ganho real do salário-mínimo para 2023;
• Em continuidade à Estratégia de Governo Digital (EGD), foram previstos R$ 142 milhões no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2023 na ação “Gestão do Governo Digital”. É um valor 105% superior ao de 2021 e 53% maior que o previsto para 2022. Até novembro, o governo federal alcançou a marca de 140 milhões de brasileiros cadastrados no GOV.BR, plataforma de relacionamento do Estado com o cidadão. O número equivale a 87% da população brasileira acima de 18 anos com acesso, de forma prática, ágil e segura, a mais de quatro mil serviços públicos digitais. Os serviços disponíveis no GOV.BR correspondem a 86% de tudo o que pode ser digitalizado pela Administração Pública federal;
• O Brasil foi reconhecido pelo Banco Mundial como o segundo país do mundo com a mais alta maturidade em governo digital. A avaliação é resultado do GovTech Maturity Index 2022, divulgado em novembro, que considera o atual estágio da transformação digital no serviço público em 198 economias globais. O Brasil ocupa o segundo lugar nesse ranking, sendo líder em governo digital no Ocidente.
Por Val-André Mutran – de Brasília