O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) demitiu o comandante do Exército, general Júlio Cesar de Arruda, em meio a uma crise de confiança aberta após os ataques do dia 8 de janeiro, em Brasília. A decisão foi comunicada ao militar neste sábado (21).
O novo chefe da Força é o atual comandante militar do Sudeste (responsável por São Paulo), general Tomás Miguel Ribeiro Paiva. Nesta semana, ele havia feito um discurso incisivo de defesa da institucionalidade, pedindo o respeito ao resultado das eleições e afirmando o Exército como apolítico e apartidário.
Arruda tinha sido nomeado para o comando da Força em 28 de dezembro, antes da posse de Lula como presidente. Ele havia sido escolhido por critério de antiguidade pelo ministro da Defesa, José Múcio Monteiro.
Segundo auxiliares do presidente, a decisão foi tomada porque Arruda não demonstrou disposição de tomar providências imediatas para reduzir as desconfianças de Lula em relação a militares do Exército após a invasão do Palácio do Planalto e das sedes do STF (Supremo Tribunal Federal) e do Congresso.
Tomás, como é chamado, já havia sido cotado para o cargo, mas alguns petistas temiam que sua grande capacidade de articulação o tornasse numa força independente, assim como Eduardo Villas Bôas foi quando escolhido por Dilma Rousseff (PT) no fim de 2014 — o ex-comandante foi o artífice da volta dos fardados à política.
Além disso, o general está na linha sucessória natural, sendo o mais antigo detentor de quatro estrelas do Alto-Comando, ao lado de Valério Strumpf.
Em discurso na quarta-feira (18) durante uma cerimônia no QGI (Quartel-General Integrado), em São Paulo, que o resultado das urnas deve ser respeitado, independentemente do presidente exercendo o mandato.
Sem citar o nome de Lula, o comandante afirmou que “não interessa quem está no comando, a gente vai cumprir a missão do mesmo jeito”. Disse também que ainda que houvesse um “turbilhão, terremotos, tsunamis”, continuarão coesos, respeitosos e garantindo a democracia.
Em outro trecho, afirmou: “Quando a gente vota, tem que respeitar o resultado da urna. Não interessa. Tem que respeitar. É isso que se faz. Essa é a convicção que a gente tem que ter. Mesmo que a gente não goste”, afirmou. “Nem sempre a gente gosta. Nem sempre é o que a gente queria. Não interessa. Esse é o papel de quem é instituição de Estado. Instituição que respeita os valores da pátria, como de Estado.”
A demissão de Arruda tem potencial para agravar as tensões entre Lula e o comando das Forças Armadas. Os governistas afirmam, no entanto, que a saída de Arruda é necessária para que Lula exercesse sua autoridade como presidente.
Depois dos ataques à praça dos Três Poderes, Lula manifestou publicamente sua desconfiança em relação às Forças Armadas, em críticas direcionadas especificamente ao Exército.
No dia 12, ele afirmou que “muita gente das Forças Armadas” dentro do Palácio do Planalto foi conivente com a invasão. “Estou convencido de que a porta do Palácio do Planalto foi aberta para essa gente entrar porque não vi a porta de entrada quebrada”, disse. As declarações de Lula provocaram reações negativas dentro da Força.
O Alto-Comando do Exército, formado pelos generais do topo de carreira, se reuniu neste sábado para discutir a demissão.
Lula cumpre agenda neste sábado em Roraima para anunciar ações contra uma crise de saúde em terras yanomamis. Ele deve retornar a Brasília no fim do dia.
Na sexta-feira (20), o presidente se reuniu com Arruda e os comandantes da Marinha, Marcos Sampaio Olsen, e da Aeronáutica, Marcelo Kanitz Damasceno. O encontro foi articulado por Múcio como uma maneira de reduzir as tensões deste início de governo.
A reunião, no entanto, não foi suficiente para “virar a página” na relação, como pretendia o ministro da Defesa. A conversa se concentrou em projetos estratégicos e planos de investimentos das Forças Armadas. Dirigentes da Federação das Indústrias do Estado do de São Paulo foram chamados por Lula para participar do encontro.
Nos dias que antecederam a reunião, Lula disse a auxiliares que esperava uma providência enérgica contra os militares que teriam sido coniventes com o ataque à praça dos Três Poderes, no dia 8. A sinalização incluiria uma punição aplicada a esses indivíduos pelas próprias Forças Armadas.
Um dos focos mais vivos de tensão era a chefia do Batalhão da Guarda Presidencial, responsável pela segurança do Palácio do Planalto. Lula exigiu a troca do comandante da tropa, mas o Exército defendeu afastá-lo só depois de uma investigação que pudesse comprovar que ele teria facilitado a invasão do prédio.
O governo também exige uma mudança clara de posição dos militares diante de eventuais ameaças de protestos em frente aos quartéis. Neste ponto, há sinais de convergência: a determinação dos militares é impedir novas ocupações.
Aliados de Lula que fazem uma ponte com os militares afirmam que o novo governo conseguiu melhorar as relações com a Marinha e a Aeronáutica. O Exército, por outro lado, era visto como um problema —o que ficou marcado com a demissão de Arruda.
(Transcrito da Folha de S. Paulo, edição de 21.jan.2023)