O que era para ser uma cerimônia rotineira de sanção de uma nova lei, acabou repercutindo como um protesto de setores evangélicos que repudiaram uma ala que está se aproximando do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O episódio foi na última terça-feira (15), no Palácio do Planalto, onde o presidente sancionou a nova lei que cria o Dia Nacional da Música Gospel a ser comemorado todos os anos em 9 de junho. Com caráter simbólico, a data não vai integrar o calendário de feriados no país.
Segundo o autor do projeto, deputado Raimundo Santos (PSD-PA), que é músico e toca acordeon, “a fixação da data nacionalmente valoriza a cultura e a religiosidade de milhões de brasileiros”.
“A música gospel não apenas conquistou rapidamente corações e mentes, como se revelou capaz de absorver influências da música brasileira, religiosa ou não. […] Os brasileiros souberam transformar uma manifestação cultural e espiritual nascida no exterior em algo muito nosso, que merece difundir-se e se tem difundido para além de nossas fronteiras. A religiosidade evangélica simplesmente já não pode ser pensada, em nosso País, sem essa dimensão musical,” justificou o parlamentar.
A data oficial de 9 de junho é uma homenagem à missionária sueca Frida Maria Strandberg Vingren (1891-1940), em referência ao dia e mês de seu nascimento. Ela se notabilizou como grande compositora na Harpa Cristã, o hinário oficial das Assembleias de Deus no Brasil, cujo lançamento ocorreu em 1922.
Multi-instrumentista, cantora, compositora, enfermeira, jornalista, poetisa, articulista e tradutora, era casada com Gunnar Vingren (1879-1933), cofundador da Assembleia de Deus, a igreja-mãe em Belém do Pará, ao lado de Daniel Berg (1884-1963), ambos também nascidos na Suécia. Ela é responsável por mais de 20 hinos da Harpa Cristã, alguns considerados verdadeiros clássicos.
Polarização
A cerimônia teve repercussão extramuros. Bastou o ex-aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), deputado Otoni de Paula (MDB-RJ), puxar uma oração de bênção ao presidente, pela assinatura da lei, que a reação contrária de lideranças da comunidade evangélica veio a jato.
De Paula foi xingado de Judas Iscariotes por seguidores do pastor Silas Malafaia, em suas redes sociais. O líder da Frente Parlamentar Evangélica, Silas Câmara (Republicanos-AM), disse que o congressista carioca foi ao Planalto a seu pedido e minimizou a participação. Enquanto o pastor Silas Malafaia reagiu mal à aproximação com o petista e criticou os colegas religiosos que estavam com o mandatário.
Câmara comentou: “Não é um gesto, é uma agenda em que a lei sancionada tem a ver com o nosso segmento. O deputado Otoni de Paula, veio a meu pedido. Essa foi uma proposição trabalhada por todos. É justo que, na sanção, estivéssemos representados. A sanção é presidencial, mais a luta foi nossa no Congresso Nacional,” minimizou as críticas.
Aprovada sem dificuldades no Congresso, a lei que cria o Dia da Música Gospel teve o apoio do PT, que tem 15 representantes na bancada evangélica. Esses parlamentares tentam melhorar a relação do segmento religioso com o governo Lula.
Durante o evento, De Paula agradeceu ao petista pela sanção da lei e fez elogios ao presidente, além de afirmar que os evangélicos “não têm dono”.
“Nossas escolhas são pautadas em crenças e valores. Não temos um dono, senhor presidente. Somos um corpo plural em nossa visão de mundo a partir do nosso entendimento das santas escrituras,” disse o deputado. Ele também agradeceu a Lula por ter aprovado e sancionado a Lei de Liberdade Religiosa no seu primeiro governo. “As igrejas e organizações religiosas passaram, graças ao senhor, ao sancionar aquela lei, a ter personalidade jurídica,” completou.
Mas, para Silas Malafaia, os gestos de Lula não contemplam os evangélicos. Líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, o pastor disse que a sanção da nova lei é “uma balinha” a favor do petista, diante de “um almoço e uma janta completa” contra. “No primeiro mês de governo, a ministra da Saúde derrubou várias portarias que dificultavam o aborto e tirou o Brasil da aliança das nações contra o aborto,” escreveu Malafaia em suas redes sociais.
“Que bancada evangélica vai se aproximar de Lula? Alguns podem se aproximar, mas a massa não vai. O gesto do Otoni acontece porque ele quer jogar para os dois lados, ele quer dar uma de Bolsonaro, mas está queimado do lado de cá,” concluiu Malafaia.
Por Val-André Mutran – de Brasília