O presidente da França, Emmanuel Macron, fez um anúncio surpreendente em discurso anual aos embaixadores franceses, na segunda-feira (28), em Paris: a França quer aderir ao tratado de cooperação que reúne oito países amazônicos.
Macron acha que a França faz parte da Amazônia e disse que vai formalizar o ingresso do país à Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). A declaração pegou de surpresa as chancelarias na região.
“Declaro solenemente que a França é candidata a participar da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica e a desempenhar um papel pleno nela, com uma representação associando estreitamente a Guiana Francesa’’, anunciou Macron.
“Isso é muito importante, e devemos desempenhar nosso papel diplomático por meio de nossos territórios ultramarinos. Portanto, eu realmente espero que o Brasil e todas as outras potências da região aceitem nossa candidatura e nos permitam participar desse formato”, acrescentou.
Para Macron, a França poderia aderir justamente em razão de a Guiana Francesa ter território amazônico e, na sua visão, a França assim é também amazônica.
Em 2019, quando presidiu o G7, grupo das principais nações industrializadas, Marcon afirmou durante um pronunciamento que ‘“a Amazônia é nosso bem comum. Estamos todos envolvidos, e a França está provavelmente mais do que outros que estarão nessa mesa [do G7], porque nós somos amazonenses. A Guiana Francesa está na Amazônia”.
Ao mencionar a Amazônia como bem público comum, fontes dizem que Macron não se refere ao território amazônico, mas ao que a floresta fornece em termos de umidade, rios voadores, biodiversidade, com efeito transfronteiriço. Porém, como às vezes se expressa mal, e o que diz não vem com nuances, nacionalismos primários interpretam sua fala como risco de ‘internacionalização’ da Amazônia.
Mas o que a França quer agora não é uma questão diplomaticamente fácil de ser resolvida. É que, em princípio, a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica não é aberta a adesões, porque considera que seus oito membros já cobrem o território da floresta – Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, República da Guiana, Peru, Suriname e Venezuela.
A OTCA é o único bloco socioambiental da América Latina e diz ter “uma ampla visão do processo de Cooperação Sul-Sul, trabalha em diferentes dimensões, no âmbito da implementação do Tratado de Cooperação da Amazônia (TCA)”.
Em janeiro deste ano, de volta ao poder, o presidente Lula chegou a convidar Macron para participar da Cúpula da Amazônia, em Belém, reunindo os líderes dos países da OCTA. Macron não veio e não mandou representante algum, o que é interpretado nos meios diplomáticos como uma enorme desconsideração.
A ausência do presidente francês foi criticada por parte da imprensa em Paris. O jornal Libération falou de “desprezo” dele em relação à iniciativa dos países amazônicos.
O próprio Lula deu uma alfinetada na ausência de Macron. O presidente disse, numa entrevista, que a presença do francês teria sido importante para evitar que ele fique falando da Amazônia lá da Europa. “Venha conhecer a Amazônia. Venha ver como é o povo ribeirinho, como vivem os nossos indígenas“, disse Lula.
No seu discurso de ontem, Macron disse que gostaria de ter ido à Cúpula em Belém “para ser o único chefe de Estado europeu, ao lado de embaixadores europeus, para explicar como financiamos a Amazônia”. Deu sua resposta e jogou a bola para o lado da OTCA.
Com o anúncio para aderir à OTCA, o mais provável é que o tema faça agora parte da agenda da reunião de chanceleres dos países membros, marcada para novembro em Brasília. A OTCA é o único organismo multilateral com sede no Brasil.
No passado, chegou-se a cogitar um convite para a França ser observadora na OCTA. Mas alguns países se opuseram à iniciativa. As relações com a Venezuela estão menos ruins, mas ainda assim o regime de Nicolás Maduro pode ser um dos obstáculos aos franceses. Há quem ache também que a França, através da Guiana Francesa, é tão responsável pela Amazônia quanto os demais países da região e deveria realmente colocar mais recursos na sua proteção.
Em seu discurso de ontem, Macron relatou que seu governo prepara para a Cúpula do Clima da ONU (COP 30), também a ser realizada em Belém, em 2025, ideias sobre desenvolvimento de créditos de biodiversidade e um mercado de carbono que funcione melhor.
“Estabelecemos parcerias de conservação que começamos a implantar no Gabão e em Papua Nova Guiné no verão passado, mobilizando financiamento público e privado para preservar essas áreas em conjunto com os povos indígenas”, disse. “E continuaremos a fazer isso, como também queremos fazer na Amazônia, por meio de nosso próprio território, mas também por meio de nossos principais parceiros, em especial o Brasil’.
Sem citar o Mercosul, ele reiterou também que a França continuará a se “opor aos acordos comerciais que permitiriam a importação para a Europa de produtos que não atendem aos nossos padrões de saúde, clima, carbono ou biodiversidade. E é isso que nos torna uma força tão poderosa nessas questões. Gostaria de lembrar que foi por termos sido os primeiros a pressionar pela proibição do desmatamento importado que pressionamos muitas potências a evitar essas práticas”.
Paulatinamente, observadores internacionais começam a questionar por qual razão ou quem delegou à Europa o protagonismo da União Européia (UE) em ditar as regras do que é e o do que não produto sustentável, ambientalmente correto e adequado para figurar nas importações dos países do bloco.
Para esses mesmos analistas, a EU está se utilizando dessa narrativa para criar sérias barreiras protecionistas para os seus mercados, e nesse contexto, a França gasta bilhões de euros para subsidiar seus agricultores impondo pesadas tarifas de importações de produtos que possam fazer competição ao que é produzido dentro do país. E o Brasil é a maior pedra no caminho quando as palavras são produção de alimentos e competitividade de preços.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.