Advogado Caio Teixeira diz que 25 de maio é ocasião para o poder público no Brasil avaliar as tristes estatísticas nacionais envolvendo o trabalhador campesino.
Por Luiz Cláudio Fernandes – de Belém
Josivaldo Santos, 42, mora no município de Marabá (PA) e trabalha de sol a sol há cinco anos em uma lavoura. Durante três desses cinco anos labutou sem carteira assinada. Com pouco estudo, ele não sabia que tinha direitos expressos em Lei e, mesmo que decidisse fazer uma denúncia ao Ministério do Trabalho, o agricultor esbarraria em dois problemas: o medo de perder aquela forma de sustento e a precariedade da estrutura judiciaria dos locais mais distantes dos centros urbanos. Situações como essa são comuns no Brasil, de acordo com o secretário de Assalariados e Assalariadas Rurais da Confederação Nacional de Trabalhadores na Agricultura (Contag), Elias D’Angelo.
O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) revela, com base em pesquisa do IBGE de 2012, que, dos quatro milhões de trabalhadores assalariados rurais no país, 60% – cerca de 2,4 milhões – atuam na informalidade e com salários menores que os formais. “A informalidade no setor rural é um problema grave e precisa ser enfrentado”, avalia o secretário. Segundo ele, só no Nordeste, são um milhão nessa situação e a informalidade também aumenta o risco do trabalhador ser exposto a situações de trabalho escravo.
No início deste mês, o Ministério Público Federal e o Ministério do Trabalho acompanharam fiscalizações da Polícia Federal em fazendas de Marabá, Floresta do Araguaia e Curionópolis contra o trabalho escravo. A região sudeste do estado é, historicamente, onde ocorre a maior parte dos casos de trabalho escravo em propriedades rurais em todo o Brasil. Em duas fazendas foram encontradas irregularidade trabalhistas logo no primeiro dia. Em uma terceira foi detectado trabalho degradante. A operação resultou em multas e pode acarretar ações penais contra os responsáveis.
O advogado Caio Teixeira, especialista em Direito do Trabalho pela PUC-SP e pós-graduado em Direito Empresarial do Trabalho pela FGV, diz que este 25 de maio, data em que se comemorou o Dia do Trabalhador Rural, foi ocasião para o poder público no Brasil avaliar as tristes estatísticas nacionais envolvendo o trabalhador campesino. Ele explica que atualmente as fontes formais do direito do trabalhador rural são a Constituição Federal de 1988 (art. 7º), que identifica o direito dos trabalhadores urbanos e rurais, a Lei 5.889/1973 e seu Regulamento (Decreto 73.626 de 12/02/1974), e o disposto na CLT. “A Constituição, a partir da data de sua promulgação, equipara o trabalhador rural ao trabalhador urbano, garantindo-lhe salário mínimo, FGTS, 13º Salário, adicional noturno, entre outros direitos”, explica. Segundo o advogado, trabalho rural compreende prestação de serviço entrelaçado com as atividades econômicas vinculadas à cultura agrícola e à pecuária.
Na opinião do jurista, algumas evoluções na questão dos direitos devem ser comemoradas. “Podemos considerar como evolução a regulamentação específica sobre o trabalhador rural, que não abre brechas ou exceções para entendimentos diversos, mas dispõe de forma explícita os direitos do trabalhador rurícola”, avalia. O especialista esclarece que a equiparação dos direitos do trabalhador rural aos do trabalhador urbano a partir da CF pode ser considerada um grande avanço, apesar das regulamentações aplicáveis que já dispunham anteriormente.
O advogado explica: “antigamente, eram aplicáveis ao trabalhador rural as normas de natureza contratual previstas no Código Civil referentes aos contratos de locação de prédio rústico (art. 1.211 a 1.215, do Código Civil de 1916) e de parceria (arts. 1.410 a 1.423, do CC/16), e dispositivos esparsos da CLT. No entanto, antes mesmo do advento do Estatuto do Trabalhador Rural, eles não estavam totalmente desamparados ou excluídos da aplicação do Direito do Trabalho, porque a eles se estendiam as disposições da CLT relativas ao salário mínimo, às férias, ao aviso prévio e às normas gerais do contrato de trabalho. A aplicação do art. 76, que rege sobre o salário mínimo, implicitamente reconhecia-lhes o regime de oito horas para um dia normal de trabalho. Tinham, ainda, o direito ao repouso semanal remunerado e à remuneração dos domingos e feriados trabalhados”.
A legislação vigente determina que a jornada de trabalho do trabalhador rural é de oito horas diárias ou 44 horas semanais, assim como a do trabalhador urbano. Como em qualquer trabalho contínuo superior a seis horas de labuta, haverá um intervalo para refeição e descanso, conforme usos e costumes da região, segundo previsão legal da Lei 5.589/73, o que é uma certa peculiaridade neste sentido. Dessa forma, o empregador pode conceder ao seu empregado rural dois intervalos durante o dia de trabalho, porém um deles precisa ser igual ou superior a uma hora. Esse intervalo é assegurado pelo art. 71 da CLT e não abre exceções em nenhuma hipótese, conforme posição consolidada pelo Tribunal Superior do Trabalho.
Quanto ao trabalho noturno, há uma diferença entre o trabalho realizado pelo empregado na lavoura e para aqueles que exercem as suas atividades na pecuária. “No primeiro caso, o horário considerado noturno é compreendido entre as 21h de um dia e as 05h00 do outro, enquanto que no segundo, o horário compreendido é entre 20h00 de um dia e as 04h00 do outro”, explica o advogado. Segundo ele, na atividade urbana o horário noturno compreendido para efeitos legais é das 22h00 às 05h00 e também existe uma diferença entre os adicionais noturnos, visto que o do trabalhador rural é de no mínimo 25% e o do trabalhador urbano de no mínimo 20%.
O jurista destaca ainda peculiaridades dos direitos do trabalhador rural: “em caso de incapacidade para realização do trabalho no campo, ao empregado rural idoso é resguardado o direito a aposentadoria especial”, explica. “Já a demissão por justa causa, necessariamente deve ser enquadrada nas hipóteses previstas no art. 482 da CLT”, complementa.
Quanto ao trabalho escravo, Caio Teixeira explica que o trabalhador sabe que está sendo submetido a condições análogas a esse regime quando pratica jornadas extensivas a 10/12 horas/dia, sem intervalo para refeição, sem assinatura de sua Carteira de Trabalho e sem a percepção de salário, sob a subordinação do mesmo “patrão”. “Em muitos casos o trabalhador rural se submete a jornadas de 12 ou 14 horas, sem qualquer equipamento de proteção para a prática dessas atividades, com intervalos mínimos para refeição e descanso e com salários abaixo do mínimo estipulado”, relata o advogado.
Segundo avaliação do jurista, é necessário que se intensifique a fiscalização nos municípios do estado do Pará e se ofereça a estrutura judiciária (criação de Varas do Trabalho) adequada, principalmente naqueles mais distantes dos centros urbanos, para que os direitos trabalhistas sejam aplicados de forma mais satisfatória. “Hoje, a enorme distância entre o trabalhador rural e o local de acesso aos direitos que lhe são inerentes, prejudica de forma considerável e preocupante, a fiscalização e cumprimento da Lei”, pontua.