Brasília – Passava das 15h00 de um calorento sábado (15), quando o helicóptero branco que conduzia o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), aterrissou no heliporto do Palácio do Planalto. Minutos depois, montando um cavalo e vestindo botas e chapéu de boiadeiro, o presidente cavalgou na frente dos manifestantes, subiu em um carro de som e discursou para milhares de manifestantes que o aguardavam na Esplanada dos Ministérios desde cedo, após passarem por duas rigorosas revistas. A primeira na frente do Museu Nacional, e a segunda nos gramados em frente ao Congresso Nacional.
A manifestação foi organizada por ruralistas, caminhoneiros e religiosos, em apoio ao governo, criticando membros o Supremo Tribunal Federal (STF), da CPI da Covid e gritando palavras de ordem a favor do voto impresso e auditável a partir das eleições de 2022.
Em seu discurso, Bolsonaro inflamou a audiência ao afirmar que: “Tiraram um canalha da cadeia”. Segundo ele, um político solto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula, que não teve o nome citado, quer ganhar a eleição por meio de fraude. O presidente, como na manifestação de 1º de Maio (Dia Internacional do Trabalho), voltou a defender a aprovação da proposta de emenda à Constituição (PEC 135/2019), que torna obrigatória a impressão do voto nas eleições e plebiscitos para que seja possível auditar o resultado das urnas eletrônicas. A PEC é de autoria da deputada Bia Kicis (PSL-DF), atual presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Na semana passada, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), determinou a criação de uma comissão especial para discutir a proposta. O parecer do relator, deputado federal Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), pela admissibilidade da matéria, foi aprovado com 33 votos sim, 5 votos não do total de 38 votos válidos na CCJ e agora será discutido na comissão especial. Se aprovado segue para o Plenário em dois turnos de votação. Se aprovado, segue o mesmo rito no Senado.
Modificações nas regras eleitorais só podem sem sancionadas se aprovadas até um ano antes do pleito.
O presidente focou o seu discurso com vista a eleição de 2022, quando disputará a reeleição. “Quem prepara a terra e planta, é porque quer colher alguma coisa lá na frente. Se tiraram da cadeira o maior canalha da História do Brasil, se para esse canalha foi dado o direito de concorrer, o que me parece é que se não tivermos o voto auditável, esse canalha ganha as eleições do ano que vem”, disse Bolsonaro, em referência a Lula.
Sem usar máscara, Bolsonaro caminhou entre os manifestantes, que criticavam tanto os ministros do Supremo quanto os membros da CPI da Covid, em curso, no Senado.
Ao som de gritos de “eu autorizo, eu autorizo”, uma referência ao discurso em tom de ameaça do próprio Bolsonaro de que esperava um pedido do povo para adotar medidas contra as medidas de isolamento social na pandemia, o presidente afirmou que não se pode “assistir passivamente tantos desmandos”:
“Não podemos assistir passivamente tantos desmandos, tantas arbitrariedades que vocês bem viram ao longo do último ano. Parece que tínhamos que passar por isso para dar valor à nossa liberdade.”
O presidente disse que “direitos” estão sendo “suprimidos” e que “acabou esse tempo”:
“Não queremos o confronto com ninguém. Mas não ousem confrontar ou roubar a liberdade do nosso povo. Vocês têm todo o direito de ir e vir, o direito à crença, o direito de trabalhar. E, sem qualquer critério, esses direitos foram suprimidos de vocês. Acabou esse tempo. Isso não voltará a acontecer. Afinal de contas, esse dispositivo constitucional é um dever de todos nós respeitar.”
Bolsonaro destacou que muitos apoiadores querem “solução rápida para tudo, mas afirmou que todos os seus ministros têm o mesmo propósito de “servir à sua pátria” e “preservar a nossa liberdade”.
Diversos ministros do governo federal estiveram presentes, como Walter Braga Netto (Defesa), Anderson Torres (Justiça), Ricardo Salles (Meio Ambiente), Tereza Cristina (Agricultura), Tarcísio Gomes de Freitas (Infraestrutura) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional).
Bolsonaro também falou em “reunião de vagabundos” — repetindo o termo usado por um dos seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), para se referir ao relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros (MDB-AL) — e disse que não iria dar “palanque”.
“Você falou a palavra ‘súcia’. Alguém sabe o que o significado de súcia? É a reunião de vagabundos. É a turminha deles. Mas não vamos dar palanque. Todo mundo já conhece quem é esse cara e qual o seu papel.”
Concentração
O Parque Leão, nos arredores de Brasília, antes do Trevo de acesso à Taguatinga, cidade satélite do Distrito Federal, concentrou a maioria dos manifestantes das comitivas que vieram de todo o Brasil, maioria do Mato Grosso, Goiás e Pará.
Dois atos diferentes estavam marcados para domingo (16), na capital federal: um de religiosos, pela manhã, e outro de produtores agropecuários, de tarde. Na prática, no entanto, houve uma mistura entre os dois grupos.
O STF foi um dos principais alvos dos manifestantes, seja em cartazes ou em gritos nos carros de som. Uma faixa, por exemplo, dizia que os ministros da Corte estão “demitidos”. Outra pedia uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o tribunal.
Outro ponto muito citado foi o chamado “voto impresso auditável”. A presidente da Comissão de Constituição de Justiça (CCJ), Bia Kicis, autora de uma proposta sobre este tema, discursou no carro de som e pediu para os manifestantes gritarem alto o suficiente para o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, escutar.
No Parque Leão, políticos de vários estados visitaram os manifestantes e mantiveram conversas com líderes dos movimento “Ver e Amarelo”.
O deputado federal Joaquim Passarinho (PSD-PA) e o senador Zequinha Marinho (PSC-PA), acompanharam a marcha dos protestos desde o alvorecer do sábado.
Discursos dos coordenadores da manifestação conclamaram a união dos produtores rurais para apoiar o governo “que deixa a gente trabalhar” e “defende os nossos direitos”, disse Roberta Pereira, de Santana do Araguaia (PA), no carro de som que serviu de palanque no Parque Leão, minutos após o discurso de apoio aos manifestantes da ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Tereza Cristina.
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.