Ulisses Pompeu – de Marabá
Quando Mariana P. chegou ao Hospital Materno Infantil, em Marabá, no final de janeiro deste ano, ela já estava preparada para o parto cesariano. Não porque tivesse indicação médica para isso, mas por um simples motivo: já havia acertado previamente com o obstetra que fizera seu pré-natal em um consultório particular e, coincidentemente (será?), estava de plantão naquele dia e horário marcados.
Tudo ocorreu como planejado. Isso porque uma semana antes Mariana havia efetuado o depósito no valor de R$ 1.500,00 na conta bancária do médico para que a cesariana e a laqueadura fossem realizadas no hospital público, usando equipamentos públicos.
Primeiro problema: a parturiente confessou à Reportagem que não tinha nenhum problema que a impedisse de ser submetida a um parto normal. Mesmo assim, ganhou a filha por intermédio de um procedimento que custa cerca de R$ 752,00 para o SUS, isso incluindo os honorários de um anestesiologista.
Dados da Secretaria Municipal de Saúde, fornecidos pelo secretário Marcone Leite, apontam que um parto normal custa em média, R$ 470,00 para os cofres públicos. “Temos de considerar profissional e ocupação leito. Essa aí é uma estimativa baixa, pois não estamos considerando algumas eventualidades que podem acontecer durante o parto”, explica.
Segundo problema: a parturiente só tinha um filho e não poderia ter passado por laqueadura, que interrompe as trompas da mulher para anticoncepção definitiva, ou seja, para ela não engravidar novamente. E, pasmen, o HMI não está habilitado para fazer esse tipo de cirurgia, considerada eletiva e que deveria ser realizada no Hospital Municipal. Aliás, é bom que se diga que as eletivas naquela casa de saúde estão suspensas por falta de condições. Quando realizada, é feita de forma mascarada, criando uma situação em que ela seria a única saída para um parto “complicado”.
A Reportagem teve acesso a recibo de depósito bancário em nome de um dos 11 médicos obstetras que trabalham no HMI. Mas, segundo a mesma parturiente, uma tia sua já havia percorrido o mesmo caminho antes e lhe orientou a quem procurar para ter um procedimento mais barato e seguro.
O que é a laqueadura?
A laqueadura é um processo de esterilização definitiva, que consiste no fechamento das tubas uterinas para impedir a descida do óvulo e a subida do espermatozoide. Com isso, a mulher não consegue mais engravidar. Raríssimos são os casos em que ocorre a recanalização das trompas, com subsequente gravidez.
É uma cirurgia simples, na qual as trompas são cortadas e suas extremidades amarradas de tal forma que a passagem dos espermatozoides fica bloqueada, assim como a do óvulo. A realização do procedimento é polêmica porque abrange questões sociais, religiosas, políticas e econômicas. Por causa disso, um psicológico do Hospital deveria ter conversado antes com Mariana, para ter certeza do procedimento, observando número de filhos, entre outras informações, o que não aconteceu.
Mulheres que desejam não ter mais filhos e não querem gastar cerca de R$ 6 mil para realizar o procedimento em um hospital particular em Marabá, acabam procurando médicos que vendem o serviço no hospital público.
“Meu primeiro filho nasceu de parto normal e tinha medo da cesariana. Eu quis assegurar que o meu médico iria estar presente e que iria ser cesariana”, explica a mulher, que reside em Morada Nova e separou-se do marido logo no início da gravidez.
Todo o acordo foi feito entre o médico e a paciente, sem que outros profissionais da maternidade fossem envolvidos ou ficassem sabendo. “O parto foi marcado para o plantão dele na maternidade e quando cheguei lá deu tudo certo, ele só reafirmou que eu não tinha condições mesmo de fazer o parto normal”, relata a mãe.
Ela ainda comenta que aceitou em pagar porque se preocupava principalmente com o próprio bem-estar. O médico que a atendeu teria dito que a cobrança era indevida, mas ela aceitou mesmo assim. “Eu não queria que nada prejudicasse ele, só queria que tudo desse certo e deu”, finalizou.
Secretário de Saúde vai abrir sindicância
Procurado pela Reportagem, o secretário municipal de Saúde de Marabá, Marcone Leite, ficou espantado com o relato, inclusive com a existência de recibo que comprova a irregularidade. Confirmou que o HMI não está habilitado para realizar laqueadura e que vai determinar a abertura de uma sindicância para apurar esse procedimento no Hospital Materno Infantil.
Ele disse que essa prática ilegal precisa ser denunciada pelo paciente para que as providências possam ser tomadas com mais rigor. “O paciente não deve pagar, mas as medidas que iremos tomar poderiam ser mais rígidas e rápidas ainda se houver denúncias, o que pouco acontece.
Em nota enviada à Reportagem, o Ministério da Saúde esclarece que o SUS oferece tratamento integral, universal e gratuito à população em todo o Brasil e que nenhum procedimento pode ser cobrado. “Caso haja qualquer tipo de cobrança em relação aos procedimentos ou leitos disponibilizados pelo SUS, o que inclui o pré-natal, o parto e o pós-parto, o fato deve ser comunicado às autoridades policiais para a adoção das medidas criminais cabíveis”, ressaltado na nota. As denúncias também podem ser feitas por meio da Ouvidoria do SUS, pelo Disque Saúde 136 ou pelo portal www.saude.gov.br/ouvidoria.
Número de cesáreas aumenta duas centenas em um ano
Ao mesmo tempo em que há uma leve queda no número de nascimentos, a quantidade de partos por cesariana no Hospital Materno Infantil (HMI) de Marabá subiu significativamente entre os anos de 2015 e 2016.
Em 2015, a única maternidade pública do município registrou 2.855 nascimentos por parto normal, enquanto as cesarianas atingiram a expressiva marca de 1.561.
No ano passado, os partos normais caíram para 2.687, enquanto as cesarianas subiram para 1.827, alcançando uma marca de 266 partos cirúrgicos a mais que no ano anterior. Não se pode atribuir esse fator à comercialização de cesáreas e consequente laqueaduras, mas trata-se de um fenômeno que precisa ser avaliado com cuidado.
Em geral, os médicos atribuem o grande número de partos por via cesárea em Marabá à ausência de consultas do pré-natal ou mesmo à ausência deles. Como o HMI atende vários municípios da região, há registros de que muitas parturientes não fizeram pré-natal ou, quando ele foi realizado, não teve o acompanhamento adequado.
2 comentários em “Marabá: maternidade vira balcão para vender laqueadura por R$ 1.500,00”
Onde é que se consegue laqueadura por esse valor?
Me avisem que eu quero
Cadê a equipe de assistênte social e homanizacao pq o paciente deve passar por lá
aí ser liberado pra outro precedimentos