Na abertura da XXV Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios, organizada pela CNM (Confederação Nacional dos Municípios), na manhã desta terça-feira (21), um “jogo de empurra” evidenciou o descolamento da relação do Congresso Nacional com o Poder Executivo. Enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pedia “urgência para a aprovação da lei de desoneração dos municípios”, o presidente do Senado (e do Congresso), senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), cobrou o presidente para definir o acordo não finalizado sobre o tema.
Após o governo perder nos votos, no Congresso Nacional, o projeto de lei que prorrogava a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia, e de municípios com até 156 mil habitantes até 2027, Lula vetou o projeto. O veto, entretanto, que foi derrubado com ampla votação de senadores e deputados em sessão conjunta do Congresso Nacional. Uma dupla derrota.
Em vez de enviar uma outra proposta para discutir um acordo com os congressistas, o presidente apelou para uma tática que tem sido chamada em Brasília de “judicialismo de coalizão”, usado pelo governo quando não consegue aprovar uma medida no Legislativo, e fonte de reclamação da oposição e até de partidos que se dizem aliados do governo.
O caso virou uma confusão desnecessária, que expõe um comportamento baratinado dos responsáveis pela articulação política do governo com o Congresso.
A Advocacia-Geral da União (AGU) ingressou, há duas semanas, com uma ação de arguição de inconstitucionalidade da lei aprovada pelo Congresso. A ação foi distribuída para o ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF) que, em decisão monocrática aceitou a tese da AGU.
A temperatura subiu, houve protestos dos congressistas e dos setores afetados, assim como das prefeituras. Temendo novas derrotas, o governo recuou e sentou à mesa, quase que obrigado, para construir um acordo.
Notificado da decisão do STF, o Congresso Nacional disse ao ministro Cristiano Zanin concordar com a suspensão, por 60 dias, da ação que contesta a desoneração da folha de pagamentos de setores da economia e das prefeituras, para ganhar tempo.
A manifestação foi enviada na sexta-feira (17), depois de o magistrado pedir um posicionamento do Congresso, em seu despacho.
Após o conhecimento da sentença monocrática, a Advocacia-Geral da União (AGU) teve de voltar atrás por ordem de Lula, e pediu a suspensão dos efeitos da decisão do STF, depois que o governo federal e o Legislativo chegaram a um acordo sobre o tema, no sentido de que a cobrança tributária seja retomada de forma gradual a partir de 2025 em novo projeto apresentado pelo senador Efraim Filho (União Brasil-PB). É para esse projeto que Lula pede a urgência de votação.
Por sua vez, o presidente do Congresso Nacional, em sua participação na abertura da Marcha dos Municípios, o senador Rodrigo Pacheco cobrou do presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma resolução sobre a reoneração gradual da contribuição previdenciária dos municípios. Uma saia justa em público.
Segundo Pacheco, ao resolver a questão da folha de pagamentos, “o Rio Grande do Sul é socorrido e diversos municípios são socorridos”. Durante o discurso, ele enalteceu a atuação de Lula e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na negociação que manteve a alíquota de 8% aos municípios em 2024. O congressista disse que, agora, falta chegar a um acordo sobre a reoneração gradual de 2025 até 2027. Um jogo ensaiado de morde e assopra.
“Que possamos resolver o problema da dívida previdenciária dos municípios com alongamento do parcelamento, redução de juros e com limitação da parcela no percentual da receita corrente líquida dos municípios. Acho que é uma medida, de fato, que o governo pode capitanear e fazer esse gesto federativo aos municípios brasileiros”, afirmou o senador.
Pacheco também acenou aos prefeitos sobre a renegociação da dívida e voltou a sinalizar insatisfação com o argumento já usado por Haddad de que os congressistas devem ter “responsabilidade fiscal”.
“O trabalho de vocês em favor da desoneração não é uma expressão de irresponsabilidade fiscal ou uma benesse em proveito próprio, é um instrumento de se fazer o básico para aquele cidadão que mora no seu município”, acrescentou.
Além de Lula e Pacheco, o evento de abertura da marcha contou com a massiva participação de integrantes do governo, incluindo 29 ministros. O líder do Governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), e o líder do Governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), também marcaram presença.
Lula teve a recepção dividida. Ao ser anunciado, o presidente ouviu vaias e gritos “fora Lula”, que logo depois foram interrompidos por aplausos e cantoria a favor do chefe do Executivo.
Leia a lista dos presentes na marchLuiz Inácio Lula da Silva (PT) – presidente da República;
Geraldo Alckmin (PSB) – vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços;
Rodrigo Pacheco (PSD-MG) – presidente do Senado;
Arthur Lira (PP-AL) – presidente da Câmara;
Alexandre Padilha – ministro da Secretaria de Relações Institucionais;
Fernando Haddad – ministro da Fazenda;
Esther Dweck – ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos;
Simone Tebet – ministra do Planejamento e Orçamento;
Alexandre Silveira – ministro de Minas e Energia;
Márcio França – ministro do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte;
Márcio Macedo – ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República;
Laércio Portela – ministro interino da Secretaria de Comunicação Social;
Sônia Guajajara – ministra do Povos Indígenas;
Silvio Almeida– ministro dos Direitos Humanos e Cidadania;
Anielle Franco – ministra da Igualdade Racial;
Maria Helena Guazeri – ministra substituta das Mulheres;
Wellington Silva – ministro do Desenvolvimento, Assistência Social, Família e Combate à Fome;
Carlos Lupi – ministro da Previdência Social;
Margareth Menezes – ministra da Cultura;
Camilo Santana – ministro da Educação;
Luiz Marinho – ministro do Trabalho e Emprego;
Silvio Costa Filho – ministro de Portos e Aeroportos;
Ricardo Lewandowski – ministro da Justiça e da Segurança Pública;
Rui Costa – ministro-chefe da Casa Civil;
Jader Filho – ministro das Cidades;
Paulo Teixeira – ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar;
Waldez Góes – ministro da Integração e do Desenvolvimento Regional;
Celso Sabino – ministro do Turismo;
André Fufuca – ministro do Esporte;
Juscelino Filho – Ministro das Comunicações;
Marina Silva – ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima;
Luciana Santos – ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação;
Randolfe Rodrigues (sem partido-AP) – senador e líder do governo no Congresso;
Jaques Wagner (PT-BA) – senador e líder do governo no Senado;
Edvaldo Nogueira – presidente da Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos;
Carlos Vieira – presidente da Caixa;
Tarciana Medeiros – presidente do Banco do Brasil;
Alexandre Gonçalves de Amorim – diretor-presidente do Serpro.
Abrindo os discursos na Marcha dos Prefeitos, o presidente Lula diz que trata municípios sem olhar partidário: “Nunca na história do Brasil um presidente tratou os prefeitos com o carinho e o respeito que tratamos”, garantiu.
O presidente anunciou medidas de apoio financeiro a municípios brasileiros, como a já esperada manutenção, até o final deste ano, da alíquota de 8% para contribuição previdenciária, e outras, como nova regra de renegociação de dívidas e a liberação imediata de emendas parlamentares.
A XXV Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios reúne cerca de 10 mil autoridades municipais no Centro Internacional de Convenções do Brasil, em Brasília, até o próximo dia 23. O tema da reunião deste ano é “Pacto Federativo: Um Olhar para a População Desprotegida”.
Antes de iniciar sua fala, Lula pediu um minuto de silêncio às vítimas das cheias do Rio Grande do Sul. A partir de então, e durante todo seu pronunciamento, cessaram as manifestações oposicionistas. “Eu tenho muito orgulho de chegar na frente de qualquer prefeito deste país, de qualquer partido político, de qualquer tamanho de cidade, e dizer: ‘Nunca antes na história do Brasil um presidente tratou os prefeitos com o carinho e o respeito que tratamos os prefeitos. Nunca. E vocês sabem disso”.
Segundo o presidente, tal postura insere-se na dimensão de um projeto político que ele diz representar. “Não é possível um país ser rico se a cidade é pobre. Não tem país rico com cidades pobres”. Por isso, reforçou Lula, “não é possível tomar decisões em nível federal sem medir as consequências dela quando chegar na ponta, na cidade”.
Medidas anunciadas
Além da manutenção da desoneração da folha, com alíquota de 8% para prefeituras contribuírem com a Previdência, e retomada gradual dos valores a partir de 2025, até que se atinja os antigos 20%, como defende o Governo Federal, Lula também anunciou:
• Novas regras para renegociação de dívidas previdenciárias e precatórios, com novo prazo, redução de juros e teto máximo das receitas correntes líquidas municipais a ser comprometido com as dívidas;
• Liberação, a ser creditada a partir do próximo dia 25, de aproximadamente R$ 7,563 bilhões em emendas parlamentares destinadas aos municípios;
• Extensão de projetos do Minha Casa, Minha Vida, também para cidades com até 50 mil habitantes;
• Securitização das dívidas municipais, o que abre possibilidade de as prefeituras comercializarem títulos no mercado financeiro;
• Desburocratização de processos para a liberação de repasses de até R$ 1 milhão, com dispensa de licitação, entre outras medidas;
• Envio de R$ 4,3 bilhões para custeio de programas de saúde bucal no âmbito do SUS;
Reguladas por decretos ou portarias, quando não por projetos de lei que passam pelo Congresso, as medidas têm prazos de execução diferentes. Já o envio das emendas parlamentares e as verbas para o programa de saúde bucal já foram liberados.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília