Pouca coisa ou quase nada abala a indústria extrativa mineral baseada em Carajás, no Pará. Nem mesmo a pandemia do novo coronavírus foi capaz de paralisar cem por cento os maquinários da multinacional Vale, que explora o melhor minério de ferro da história nas minas das serras Norte e Sul, situadas no complexo de lavra mais famoso do globo.
O ferro brasileiro — em torno de quem giravam previsões sombrias durante a pandemia nos países asiáticos e europeus — segue firme, desafiando projeção de queda nos preços em médio prazo e, paralelamente, subindo. Ontem, terça-feira (19), durante o dia, a cotação do minério marcou 100,07 dólares para a tonelada da commodity com teor de hematita de 62%, produto de referência no mercado. O preço do dia estabilizou e fechou em 97,55 dólares, ainda assim bem mais que os 84 dólares de duas semanas atrás. O minério de Carajás, por alcançar até 67% de teor, ganha prêmio por tonelada, e o valor aumentou em meio à pandemia.
Segundo especialistas em commodities, o preço do minério tem subido num fogo cruzado de emoções. De um lado, o apetite da China, maior consumidora global e de onde partiu o novo coronavírus, responsável pela atual pandemia de Covid-19. A China já superou a fase mais dura da contaminação e retomou sua economia, que agora tem sede de minério. A demanda por aço está garantida e precisa ser sustentada com muitos milhões de tonelada de ferro.
Do outro lado, está o minério de Carajás, o mais demandado pelos chineses e cuja produção vive sob risco de desaceleração, por conta do alastramento da pandemia no Pará, onde cerca de 17 mil pessoas já se infectaram e o número de óbitos caminha para atingir 2.000 até o final de semana. A simples possibilidade de ver a oferta de minério paraense cair mexe com os fundamentos do mercado e eleva os preços.
Os municípios de Parauapebas e Canaã dos Carajás, maiores produtores de minério de ferro do Brasil, somavam no início da noite de ontem 1.106 casos confirmados de Covid-19 e 57 óbitos. São mais casos e mais óbitos que os estados do Mato Grosso (1.009 e 32, respectivamente) e Mato Grosso do Sul (642 e 16), e quase tantas mortes quanto em todo o estado de Goiás (73). Juntos, Parauapebas e Canaã dos Carajás têm cerca de 300 mil habitantes, enquanto Goiás alcança 7,1 milhões.
Força da mineração
Apesar do grave problema de saúde pública no país, o diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Flávio Penido, disse em entrevista à Reuters que prevê ampliação futura das atividades, com o retorno de minas paralisadas e a entrada de novos projetos. “O setor de mineração certamente será o primeiro a responder pela recuperação da economia brasileira, por conta da capacidade instalada e da recuperação de curto prazo”, disse ele, apontando a recuperação econômica em curso na China.
Dados levantados pelo Blog do Zé Dudu junto ao Ministério da Economia revelam que de janeiro a abril deste ano o minério de ferro contribui com 6,19 bilhões de dólares na balança comercial do país. É a 3ª commodity mais exportada, atrás apenas da soja, com 11,5 bilhões de dólares, e do petróleo, com 8,24 bilhões de dólares. Como a apuração do movimento dos produtos minerais é imediata e a das commodities agrícolas é feita por meio de previsões sistemáticas de safra, é possível antecipar que a mineração, sobretudo a paraense, vai puxar primeiro o país.
No primeiro quadrimestre deste ano, o Pará foi o estado que mais produziu recursos minerais no Brasil e respondeu por 44,3% do movimento nacional do setor. Minas Gerais, em segundo lugar, respondeu por 35,4%. A participação paraense na fatia de minério de ferro foi de 54,4%, enquanto a mineira, 45%. Os municípios de Canaã (1,79 bilhão de dólares), sede das operações na Serra Sul de Carajás, e Parauapebas (1,75 bilhão), sede das operações na Serra Norte, são respectivamente o 4º e o 5º maiores exportadores brasileiros, superados apenas pelos fluminenses Duque de Caxias (3,9 bilhões) e Rio de Janeiro (3,34 bilhões) e por São Paulo (2,08 bilhões), maior metrópole do mundo ocidental.