Após 20 anos de disputas com a Vale, Francisco Antônio da Silva, um pequeno agricultor que mora no Igarapé Gelado, área de proteção ambiental a 50 km da maior mina de ferro do mundo, foi surpreendido por um convite para jantar com o presidente da empresa, Roger Agnelli, na Casa da Vale, em Carajás. Ao lado de 23 agricultores, seu Chico, como é chamado, subiu os 700 metros até Carajás, onde moram os funcionários mais qualificados da mina, e foi à mansão da companhia.
No jantar, os agricultores falaram das dificuldades para viver e produzir na região e do histórico de conflitos com a companhia. O entorno de Carajás é um local de condições precárias de saúde, educação e saneamento. O índice de mortalidade infantil em Parauapebas, município onde está a mina é de 30 para cada mil nascidos. Seu Chico demora quatro dias de viagem para ir do Igarapé a Parauapebas vender seu cultivo.
A mineração costuma criar castas nas cidades: as pessoas que trabalham para as companhias ascendem, enquanto as demais continuam a viver precariamente. Essa diferença é visível entre Carajás e Parauapebas. Em Parauapebas, demandas básicas não garantidas para todos, como água, esgoto e energia elétrica. Em Carajás, as casas não possuem cercas, há zoológico, cinema e restaurantes.
Na Casa da Vale, Agnelli ouviu as reivindicações dos representantes da comunidade. Cinco dias depois foi ao Igarapé Gelado para colocar a pedra inaugural de um novo centro voltado à produção e à educação para comunidades carentes. Isso foi em outubro. Hoje, as estações do conhecimento – como são conhecidos esses centros – tornaram-se um projeto central da Vale e deverão reduzir os conflitos da companhia com os movimentos sociais e as comunidades pobres que vivem nas cidades impactadas pela mineração.
As estações foram idealizadas a partir de estudos sobre as necessidades de comunidades carentes que vivem em 41 cidades impactadas pela Vale. A companhia investiu R$ 42 milhões apenas para fazer o levantamento das demandas sociais nessas cidades e preparou 54 projetos para atender às necessidades básicas locais, como tratamento de água e esgoto, técnicas de produção e de agricultura.
A Vale fez projetos de saneamento para atingir 1,7 milhão de casas nessas cidades e vai construir novas moradias através de um fundo criado junto à Caixa Econômica Federal, no qual R$ 50 milhões depositados pela companhia serão liberados para as prefeituras em convênios locais. "Mas não vamos entregar e depois ir embora", afirmou Sílvio Vaz de Almeida, presidente da Fundação Vale, o braço de ações sociais da companhia. "A empresa quer se envolver com essas comunidades, numa relação que será permanente."
A Vale pretende levantar estações do conhecimento em todas as cidades em que possui empreendimentos. Segundo Vaz de Almeida, está prevista a construção de oito novas estações neste ano, ao custo de R$ 5 milhões por unidade. Quatro estações serão erguidas em cidades atingidas pela ferrovia da Vale – um percurso de 890 km entre Carajás e São Luís. Nelas, a empresa pretende criar um "corredor de relacionamento social" com as comunidades locais. Será um desafio para a companhia, pois existem vários movimentos sociais contrários à ferrovia. Eles se uniram em torno de um nome comum – Justiça nos Trilhos – e distribuem panfletos convocando populares para aderir ao movimento que cobra compensações por supostos danos ao meio ambiente e reparações à pobreza. O movimento é organizado, conta com o apoio do MST e da Via Campesina.
A última ameaça ocorreu em março por força de reivindicações que contestavam reduções de repasses de recursos da Eletronorte. A companhia estatal de energia não atendeu às queixas feitas por algumas comunidades no sudeste do Pará e, em protesto, eles ameaçaram bloquear a ferrovia da Vale. O que parece uma incongruência – paralisar uma ferrovia por causa de um conflito com uma companhia estatal de energia – é comum no Pará. Movimentos sociais se acostumaram a cobrar de grandes empresas como forma de chamar a atenção para problemas não resolvidos pelo governo.
As três primeiras estações próximas à ferrovia serão erguidas no Maranhão, em São Luís, Açailândia e Arari. A Vale ainda estuda a criação de uma quarta estação próxima aos trilhos, mas prefere não anunciar as cidades candidatas a recebê-la para não gerar expectativas nas comunidades locais.
No Igarapé Gelado, será construída uma fábrica de multimistura de farelo, que, segundo a Vale, tem alto poder de nutrição. O objetivo é combater a mortalidade infantil. Haverá também uma "packing house" para frutas, além de salas de aula, campo de futebol e anfiteatro. "Antes, a filosofia era brocar, queimar, retirar o minério e ir para outro lugar", afirmou Antônio Alves de Souza, que foi garimpeiro por três anos em Serra Pelada. Hoje, ele coordena a comunidade do Igarapé em torno de projetos ligados à companhia. Toninho, como é chamado se tornou um dos diretores da estação do conhecimento da Vale.
Antes de erguer as estações, a Vale faz reuniões com a prefeitura e as comunidades locais. As obras só começam se houver aceitação unânime. Nas estações, há centros educacionais que servirão como escola para as comunidades carentes. Além do currículo básico, esses centros também darão apoio organizacional aos pequenos produtores. Assim, os agricultores aprendem novas técnicas de cultivo, ao mesmo tempo em que seus filhos são alfabetizados. Dos nove filhos de seu Chico, pelo menos dois estão voltando de centros urbanos do Pará para o Igarapé exclusivamente para trabalhar na estação.
Além das obras no Igarapé Gelado, o Valor visitou, a convite da Vale, a estação de Tucumã, no último sábado de abril. A cidade fica perto de Ourilândia, onde está a mina de Onça Puma, base de exploração de níquel da Vale. Dali, serão retiradas 58 mil toneladas de níquel por ano. A exploração estava prevista para ter início em janeiro de 2011, mas foi adiada por um ano por causa da redução na demanda provocada pela crise financeira internacional. Ali, antes de retirar a primeira pedra de níquel, a Vale criou um relacionamento diário com as comunidades locais através de sua estação.
A companhia construiu salas de aula e um centro avançado de treinamentos esportivos, com piscinas, pista de atletismo e campos de futebol em Tucumã. Ao chegar ao local num sábado, a reportagem viu o local absolutamente tomado pela população local. Lá são atendidas 1540 pessoas entre 7 e 19 anos. Meninos jogavam futebol com a mesma bola utilizada no Campeonato Paulista e meninas treinavam natação com instrutores. Um grupo de adolescentes se revezava entre salto em altura, piques de cem metros rasos e arremesso de dardos feitos de bambus. Um pequeno grupo de índios xikrins, que moram na reserva ao lado da cidade, observava o treinamento. Cada marca era anotada pelos professores que vieram de Campinas, cidade conhecida por treinar atletas de ponta.
Um dos objetivos da Vale em Tucumã é formar atletas para as Olimpíadas de 2016. No início do ano, uma jovem de Tucumã ficou em terceiro lugar na São Silvestrinha, em São Paulo, e há fotos dela por toda a estação. Além de esportes, a estação de Tucumã vai se focar na hotelaria – uma demanda criada pela mineração. Existem 30 hotéis entre Ourilândia e Tucumã e praticamente todos funcionam por conta das atividades desenvolvidas pela Vale.
Após o jantar com Agnelli, seu Chico recebeu ajuda da companhia para reformar o seu criadouro de aves, de gado e até uma pequena estação de psicultura. Ele ganhou algumas novilhas da mineradora e espera retribuir o presidente da companhia com uma galinhada, que foi marcada para julho, quando Agnelli deverá voltar à região para inaugurar a estação do conhecimento. "Antes, a Vale impedia a gente de entrar nessa região. Era uma guerra permanente", contou o agricultor. "Após muita luta, ganhei a concessão de uso da terra. Agora, não há mais problema e o seu Roger vai comer uma galinhada com a gente", disse, sorrindo.
Fonte: Valor Econômico – Juliano Basile, de Carajás, Tucumã, Parauapebas e Igarapé Gelado
5 comentários em “Mineradora quer alterar antigo perfil de presença em regiões pobres, que criava castas”
Fui criança para aquelas terras, quase um bebê, sofria com a mata dença, o frio intenso, as fortes chuvas e os perigos que a selva oferece,
Mais de 20 anos depois ainda sofro toda vêz que tenho que ir vê meus pais, simplesmente porque as estradas estão despedaçadas, a Vale usa as APAs como extensão da mina de ferro, com uma única diferença! não cuida.
Hoje se os acricultores antigos como o senhor Chico, dona Deuselena, Seu João Vieira, Seu Neguinho, João Paraíba e outros continuam lá, parabens a eles, porque foram guerreiros e tiveram merito próprio. Hoje depois de eles já estarem com seus filhos criados, a mineradora aparece com programas sociais, dizendo que quer construir escolas etec.
Sinto muito pelos amigos de infancia ….(ronaldo, leia vale, pedro, wagner, zilma, nei, vera, biro bira, abrão, débora, gilmar, gorda, joquebede alcantara, selminha do albede, selma barros, lilica, nego, raquel, sidnei, milí)… e seus pais que hoje já não moram mais nas APAs.
AÍ VAI UMA LISTA DE ALGUNS GRANDES HOMENS QUE JÁ NÃO ESTÃO MAIS NAS APAs:
Valdivino e Dona Socorro
Chico Dedo Dona Maria,
Senhor Polino e sua esposa;
Seu Chiquinho, onde hoje é do Dr. Bento;
Dona Lídia e “Cloudomiro”; já falecido
Dona Ana e seu Albede;
Seu Setuba e dona Maria Belem;
Pois bem!
Muitos dos nossos amigos de fato pioneiros foram embora porque não aguentaram a malária, e a perceguição dos guardas: São pessoas que fizeram parte da história de desbravação do nosso municipio, até porque se não me foge a memoria “pois ainda era criança” muitos desses pioneiros perderam suas terras pelo simples fato de não ter como sobreviver a tantas dificuldades. Ainda hoje agricultores sofrem com problemas adversos.
se possivel publique
Já tivemos terra na APA, e a 20 anos atrás cançamos de sair preso ou escoltado pela guarnição florestal da vale, e hoje depois de tudo conquistado a mesma vem querer fazer média com os colonos que antigamente eram tratados como maginais, lembro que levavamos os mantimentos em remanchinho pesando cerca de 45 kg nas costas, por muitas vezes os guardas chegavam e jogava tudo no mato e ainda rasgavam as lonas que serviam de abrigo para nós, só quem não conhece e que tem coragem de dar alguma opinião erronia e descabida a favor dessa exploradora dos menos favorecidos ( particularmente acho que ela está mais uma vez tentando tapiar os colonos) se manca VALE.
Importante sim, pontual não!!!
A empresa deveria já estar fazendo a lição de casa, ha pelo menos 20 anos.
Muito importante esta iniciativa, o que acho errado é a parceria com a Prefeitura de Parauapebas, que geralmente as secretarias envolvidas desviam as verbas ou benefeciam apenas alguns. Com a prefeitura envolvida, não há como não ter politicagem no meio. Lamentavelmente.
Falta de compromisso que esse governo tem com a zona rural. PMP e vez de ser parceira da Vale, sobe brigar por dinheiro… Tai um boa iniciativa que a Vale tomou. Ja que o prefeito nunca vai jantar com agricultores muito menos com cidadão parauapebense.. Vale faz..