Há quase duas décadas tentando retirar do Ministério Público o poder de realizar investigações criminais sem participação da Polícia, a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol-Brasil) amargou mais uma derrota no Supremo Tribunal Federal (STF) às vésperas do Carnaval, na última sexta-feira, 28 de fevereiro.
À unanimidade de votos, os ministros reafirmaram o entendimento proferido em outras decisões de que o Ministério Público pode fazer investigações criminais por conta própria, sob a condição de registrar o procedimento no Judiciário e seguir os mesmos prazos e regras aplicáveis à condução de inquéritos policiais.
O julgamento do Supremo foi sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3.806, impetrada pela Adepol-Brasil no ano de 2006, e que teve como relator o ministro Edson Fachin. Ele reafirmou o mesmo entendimento apresentado em outras três ADIs, a de números 2.943, 3.309 e 3.318, julgadas conjuntamente em abril do ano passado.
Na decisão, o STF deixou claro que a Polícia não detém monopólio sobre as investigações criminais ao decidir que o MP “dispõe de atribuição concorrente para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado”.
No julgamento da ADI 3.806, Edson Fachin ratificou que, embora o MP seja parte nos processos de investigação, a atuação do órgão “não coloca em risco o devido processo legal, desde que resguardadas as prerrogativas da defesa e a reserva da jurisdição”. E que a investigação conduzida pelo Ministério Púbico tem caráter subsidiário, com o objetivo de favorecer mecanismos de cooperação.
Conforme os parâmetros definidos pelo Supremo, o MP é obrigado a comunicar imediatamente ao Poder Judiciário sobre o início e término dos procedimentos, e as investigações devem seguir os mesmos prazos e regras dos inquéritos policiais.
Em seu parecer, Edson Fachin considerou que apenas quando a garantia que representa o inquérito policial não for plenamente realizada é que o MP pode atuar, devendo justificar as razões pelas quais optou por conduzir a investigação preliminar. “Isso não significa que compete sempre ou exclusivamente ao Ministério Público a investigação preliminar, mas lhe compete, na qualidade de único legitimado a propor a ação penal pública, decidir sobre a suficiência (relativamente ao direito de eventual investigado) dos atos produzidos no inquérito”, concluiu o relator.
Na ADI 3.806, a Adepol alegou ofensa constitucional em trechos do Estatuto do Ministério Público da União (Lei Complementar 75/1993), da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625/1993) e da Resolução nº 13 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que conferem ao MP poder de investigação criminal.
Segundo a Associação dos Delegados, pela Constituição Federal e pelo sistema processual em vigor, a participação do MP na fase de produção de provas, na instauração e, ao mesmo tempo, presidindo o inquérito penal, “tornaria nula toda a ação penal” por violar o devido processo legal, de acordo com o artigo 5º, inciso LIV da Constituição Federal.
Adepol contra a Gaeco nacional
No mesmo dia em que o Supremo reafirmou o poder do MP sobre investigação criminal, Adepol-Brasil impetrou nova ação direta de inconstitucionalidade (ADI 7.784), com pedido de liminar, desta vez, contra o ato interno do Ministério Público Federal que criou o Grupo Nacional de Apoio ao Enfrentamento ao Crime Organizado (Gaeco). O relator é o ministro Alexandre de Moraes.
Entre os argumentos da associação, duas se destacam: a de que a criação de órgãos na estrutura do Ministério Público depende de lei submetida à análise, votação e aprovação pelo Congresso Nacional; e de que há “exorbitância” de atribuições de caráter de persecução penal “que colidem com as atribuições de apuração da Polícia Federal, prejudicando investigações e criando choques institucionais que afetam a efetividade da persecução penal em conformidade com a Constituição Federal, gerando nulidades a serem exploradas”.