Brasília – Uma surpresa inédita aconteceu na quinta-feira (25) para quem aguardava o anúncio dos vencedores do 63º Prêmio Jabuti, que condecora as melhoras obras literárias do país e ela veio. A jornalista e escritora paraense Monique Malcher, de Santarém, indicada na categoria Literatura, ganhou o prêmio com o livro de contos “Flor de Gume”. Ela é a segunda mulher paraense que concorreu ao prêmio. A primeira foi Olga Savary, que ganhou a honraria em 1971 e morreu em 2020 por complicações da Covid-19.
A premiação é dividida em quatro eixos principais: literatura, não ficção, produção editorial e inovação, que comportam vinte categorias.
A edição de 2021 contou com um aumento de 31% nas inscrições em relação à edição de 2020, com aproximadamente 3,4 mil obras concorrendo.
João Luiz Guimarães e Nelson Cruz foram os ganhadores do “Livro do Ano”, com a obra “Sagatrissuinorana“, que conta a fábula dos Três Porquinhos — mas tendo como pano de fundo o rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho. Eles foram agraciados com o prêmio de R$ 100 mil.
O romancista Ignácio de Loyola Brandão, autor de importantes obras como “Não Verás País Nenhum” e “Zero”, foi homenageado como a “Personalidade Literária” do ano.
Já os vencedores de cada gênero literário levam uma estatueta em forma de jabuti e o prêmio de R$ 5 mil.
Confira os triunfos por categoria:
Livro do Ano
Sagatrissuinorana, de João Luiz Guimarães e Nelson Cruz | Editora: ÔZé Editora
Literatura
Conto
Flor de gume, de Monique Malcher | Editora: Jandaíra
Crônica
Histórias ao redor, de Flávio Carneiro | Editora: Cousa
Histórias em Quadrinhos
META: Depto. de Crimes Metalinguísticos, de André Freitas, Dayvison Manes, Marcelo Saravá e Omar Viñole | Editora: Zarabatana Books
Infantil
Sagatrissuinorana, de João Luiz Guimarães e Nelson Cruz | Editora: ÔZé Editora
Juvenil
Amigas que se encontraram na história, de Angélica Kalil e Amma | Editora: Quintal Edições
Poesia
Batendo pasto, de Maria Lúcia Alvim | Editora: Relicário
Romance de Entretenimento
Corpos secos, de Luisa Geisler, Marcelo Ferroni, Natalia Borges Polesso e Samir Machado de Machado | Editora: Alfaguara
Romance Literário
O avesso da pele, de Jeferson Tenório | Editora: Companhia das Letras
Não Ficção
Artes
Atlas Fotográfico da cidade de São Paulo e arredores, de Guilherme Wisnik, Henrique Siqueira e Tuca Vieira | Editora: AYO
Biografia, Documentário e Reportagem
A república das milícias: Dos esquadrões da morte à era Bolsonaro, de Bruno Paes Manso | Editora: Todavia
Ciências
Ciência no cotidiano: viva a razão. Abaixo a ignorância!, de Carlos Orsi e Natalia Pasternak | Editora: Contexto
Ciências Humanas
Sobreviventes e Guerreiras, de Mary Del Priore | Editora: Planeta do Brasil
Ciências Sociais
A razão africana: breve história do pensamento africano contemporâneo, de Muryatan S. Barbosa | Editora: Todavia
Economia Criativa
Prato Firmeza Preto: Guia Gastronômico das Quebradas de SP, de Amanda Rahra, Guilherme Petro, Milo Araujo e Jamile Santana | Editora: Énois Inteligência Jovem
Produção Editorial
Capa
Sul da fronteira, oeste do sol | Capista: Ana Paula Hentges, Bruno Miguell Mendes Mesquita, Gabriela Heberle e Sabrina Gevaerd | Editora: Alfaguara
Ilustração
Carona | Ilustrador: Guilherme Karsten | Editora: Companhia das Letrinhas
Projeto Gráfico
O Médico e o Monstro | Responsável: Giovanna Cianelli | Editora: Antofágica
Tradução
Divã ocidento-oriental | Tradutor: Daniel Martineschen | Editora: Estação Liberdade
Inovação
Fomento à Leitura
Slam Interescolar SP | Responsável: Emerson Alcalde
Livro Brasileiro Publicado no Exterior
Tupinilândia | Editora: Todavia e Editions Métailié
Monique Malcher
Nascida em Santarém, no oeste do Pará, Monique Malcher escreve desde os 10 anos de forma consistente. “Fico aborrecida quando falam que sou uma escritora iniciante. É preciso desconstruir a ideia de que a literatura começa e termina no livro. Há tantos formatos dos quais faço uso que me recuso a ser tratada como uma escritora que teve sorte”, conta Monique, que já vendeu diversos dos seus formatos literários no ônibus e sempre teve como foco ser lida.
“Flor de Gume” trata de temas que, infelizmente, rodeiam o mundo feminino como alienação parental, violência doméstica e abuso sexual. A obra literária conta com 37 contos que reúne histórias das mulheres da vida de Monique como mãe e avós, mas também de mulheres diversas com quem cruzou em sua existência, como quando trabalhou com vítimas de violência doméstica, quando ainda exercia o jornalismo.
“Flor de Gume é uma narradora em primeira pessoa e por ser em primeira pessoa enfrento a questão de acharem que sou eu. É comum, por exemplo, a pergunta se ainda falo com o meu pai, sendo que há vários escritores que usam a primeira pessoa para os seus personagens e não são questionados se o trabalho é autobiográfico. Caio neste lugar, porque sou mulher”, afirma.
Literatura brasileira x literatura regional
Com a indicação ao prêmio, Monique passou a se deparar com mais frequência com coisas que a incomodam. “É bastante desagradável chamarem a literatura que desenvolvo de regional. É literatura paraense, tem regionalidade, mas ela é uma literatura brasileira universal, porque escrevo sobre sentimentos que são universais. Ninguém diz a um autor ou autora do sul e sudeste do Brasil que eles são regionais, eles são escritores brasileiros, por quê?”, questiona.
Ainda na seara da nomenclatura, a autora denuncia o apagamento de escritoras da região em um ato pelo qual passou recentemente. “Foi uma situação desagradável com o site Rascunho, especializado em jornalismo literário. Eles fizeram uma matéria e simplesmente me ignoraram. Fiz um post no Instagram onde sou ativa e a resposta foi a de que não houve a intenção, eles ‘apenas’ citaram algumas categorias e por coincidência a mulher do norte do Brasil ficou de fora. É importante debater sempre as escolhas e como se constrói um texto”, provoca.
Sobre suas escolhas e a indicação ao prêmio, Monique afirma que a obra não teria a visibilidade que teve se não fosse a força de cada mulher que falou, leu e compartilhou seu livro. “Não adianta ter um livro bem escrito, se ele não circula, se ele não é lido. Então, professoras dos interiores, professoras de Belém, professoras de outras cidades começaram a usar o livro em suas aulas, eu participei de eventos online. Isso, sem dúvida, levou Flor de Gume além”.
Apesar de alegria, a autoria faz questão de relembrar o caminho que percorreu. “É muito difícil escrever o livro, trabalhar, enquanto você tem que fazer mil coisas para sustentar aquele teu trabalho que não rende ainda dinheiro, que não paga a tua comida e eu não tenho vergonha disso. Meu objetivo é que o livro seja mais e mais lido. Isso me deixa feliz, porque são temas que precisamos debater, além de ele trazer as peculiaridades da região, que é sempre vista como algo cristalizado e nós não somos cristalizados, nós somos muitas coisas juntas, somos complexos”.
Para saber mais sobre Flor de Gume, siga: @moniquemalcher
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.