Por Eleutério Gomes – de Marabá
“O sertão vai virar mar…
Dá no coração
O medo que algum dia
o mar também vire sertão”
A profecia contida nos versos da belíssima canção “Sobradinho”, da dupla Sá e Guarabyra, composta na década de 1970, mais do que nunca está presente entre os temores do marabaense diante do baixíssimo nível que vem atingindo o maior símbolo natural de Marabá, o Rio Tocantins, que nesta sexta-feira (22), amanheceu com apenas 1,38 metro acima do normal.
Moradores dos bairros que ficam à margem do rio e que estão acostumados a amanhecer e anoitecer contemplando o majestoso curso d’água, hoje o fazem com lágrimas nos olhos, ao virem uma extensa faixa de areia onde deveria haver as ondas se movimentando ao sabor dos ventos.
Porém mais do que a tristeza, eles guardam o temor de que seus filhos não possam ver nem mesmo pouco do que ainda resta do Tocantins, como a comerciante Maria de Lourdes da Silva: “Hoje, a minha maior preocupação é com a minha filha de nove anos. Como será daqui a 20 anos? O que a natureza vai ter para ela, com essa seca toda aí?”, indaga, com a fisionomia desolada.
Para Lourdes, é o próprio homem que, com sua falta de consciência em relação ao meio ambiente, está matando o rio, na medida em que desmata as margens e polui as águas. “O pessoal fica jogando lixo em todo canto, aterrando todo canto e isso vai acabando com as nascentes. Se a gente não cuida, o que vamos receber de volta é isso aí. São danos causados por nós mesmos que vão trazer esses resultados, infelizmente”, lamenta.
Edivaldo Monteiro de Moura, pescador, vive há mais de 15 anos na margem do Tocantins e diz nunca ter visto o rio seco, como está hoje. “Fico muito triste com isso. Quando eu vou pescar, que volto, e vejo como o rio está, dá vontade de nem voltar mais”, afirma ele, confessando que já lagrimou ao constatar, que “o rio está se acabando”.
Na opinião de Edivaldo, que é igual à de Maria de Lourdes, as queimadas, a devastação da floresta e as toneladas de lixo jogadas no rio, é que estão fazendo com que o Tocantins esteja gravemente doente. “Infelizmente, o homem mesmo está destruindo tudo isso aí. Eu acho que, futuramente, nós vamos atravessar o rio a pé”, prevê.
Jaime Teixeira, 23 anos, nasceu na orla e nunca tinha visto o Rio Tocantins tão baixo. Ele vende espetinhos na porta de casa e afirma que, além do prejuízo ao meio ambiente, está tendo prejuízo financeiro. “Geralmente as pessoas vêm aqui ver o rio, param, comem alguma coisa, mas agora, o movimento caiu muito”, diz ele.
O rapaz assinala ainda que, devido à descida excessiva do rio, a água já está faltando nas torneiras. “Tenho medo que o rio desapareça, porque isso é um ponto turístico da cidade, acabou o rio, acaba tudo”, afirma.
Francisca Souza Albuquerque tem 76 anos e desde a adolescência mora na orla do Rio Tocantins. Indagada sobre o que pensa da seca, ela faz uma cara de mistério e ao mesmo tempo de tristeza e diz: “Não sei, moço. Eu estou achando muito estranho isso. Eu sei o que é isso… Isso deve estar acontecendo porque estão acabando com as matas. Quem for vivo ainda vai ver muita coisa, muita coisa…”.
Questionada acerca do que quis dizer com a última frase, ela prefere calar, baixa a cabeça, diz que não quer foto, e silencia, com a fisionomia triste.
Edydenny Silva Cardoso, que pedalava pela orla quando foi parado pelo Blog diz que, para ele, a situação em que o rio se encontra é uma tristeza. “Isso aqui faz parte da gente, da vida das pessoas, de todas as vidas. É isso [o rio] que nós dá vida”, exclama.
Isso está acontecendo, na opinião dele, por falta de chuvas, ocasionada pelo desmatamento, pelo desrespeito com a natureza. “Qualquer dia não tem mais rio, vai ser um marzão de areia”.
“É tristeza demais, a gente fica desolado”, afirma Edydenny, acrescentando que a própria sociedade que está matando o rio é a mesma que pode salvá-lo: “Não jogando mais esse lixo que nós estamos vendo aqui na beira do rio, parando de degradar o rio, parando de acabar com as nascentes, reflorestado imediatamente a mata ciliar. Aí nós vamos conseguir parar essa seca, mas, se continuar, vamos ficar sem o nosso rio”, lamenta ele, que também teme que seus filhos, futuramente, não possam contemplar o Tocantins, como ele já contemplou.
Quando esteve em Marabá, no último dia 15, a fim de falar sobre as soluções para o racionamento de água que está havendo na cidade, justamente pelo baixo nível do rio, o presidente da Cosanpa, Cláudio Conde, chamou atenção para um fato grave. Disse que hoje seis grandes hidrelétricas estão instaladas ao longo do Rio Tocantins e contou que advertiu a direção da ANA (Agência Nacional das Águas) sobre os danos que o represamento pode causar ao curso d’agua.
“Hoje temos as barragens de Tucuruí (PA), Estreito (MA), Luiz Eduardo Magalhães (TO), Peixe Angical (TO), Cana Brava (GO) e São Salvador (TO), daqui a pouco estaremos do mesmo jeito que o Rio São Francisco, com a capacidade de vazão reduzida”, advertiu.