Ben Hur e Marcivânia, de 7 anos, nem eram nascidos na primeira vez em que seus avôs Josefa Francisca, de 63, e José da Silva, de 62, ouviram dizer que a luz chegaria e mudaria a vida deles e das mais de 400 famílias que vivem no assentamento Nazaré, entre Conceição do Araguaia e Redenção, no Pará. Corria 2004 e muita gente fez planos. Em 2012, todos ainda precisam de velas e lamparinas para ter alguma claridade.
– O pensamento aqui é: “Um dia podem lembrar que somos criaturas. Por isso, a gente ainda tem esperança de ter luz, de poder ver uma novela, de ter um divertimento. E de ganhar dinheiro. Com luz, dá para fazer polpa de jaca e de manga, geleia, e vender”. A gente escuta isso de quem tem mais estudo e fica achando bom – conta Josefa, que divide a casa com seis pessoas e recebe em média R$ 300 por mês. – Era mais, mas uma filha estava passando fome na cidade, o banco ofereceu um empréstimo e agora ganho pouquinho.
Vizinha de Josefa, Silvana Rodrigues, que mora com três filhos entre 4 e 16 anos numa casa com as paredes pretas, queimadas pelo calor das velas, conta que ficou esperançosa quando a companhia de energia foi ao local, no primeiro semestre deste ano, marcar as casas que seriam beneficiadas.
– Não ficaram nem uma semana. Foi tão triste… É horrível, sabe, viver sem luz. Eu não acostumo. Mesmo que a gente tenha um dinheirinho para comprar carne, a gente não pode, não tem geladeira. Tentei abrir um comércio, mas não funcionou. Era muito gasto com lamparina. Tentei criar galinha e porco, mas aqui também não tem muita água. A gente vai levando – diz a manicure, que gasta por noite três velas para iluminar a casa e, às vezes, fica mesmo no escuro. – O pacote com oito custa R$ 4. Eu nem sei fazer conta, mas sei que é muito dinheiro todo mês para quem vive com R$ 166 do Bolsa Família e nem sempre tem serviço. Mesmo tendo esse pedacinho de terra, eu quero ir embora com os meninos.
Investigação no MP do Mato Grosso
O Luz Para Todos, criado no governo Lula, hoje é uma das ações do Brasil Sem Miséria. Em Conceição do Araguaia, a luz não chegou a alguns assentamentos, segundo o Ministério de Minas e Energia, devido a um problema com as Centrais Elétricas do Pará (Celpa). “O avanço das obras esteve prejudicado, embora já tivesse contrato em andamento, plano de obras aprovado e recursos disponíveis, pela impossibilidade de repasse financeiro, em razão da recuperação judicial da Celpa”. Ainda segundo o ministério, a “Aneel autorizou no último dia 30 de outubro a anuência prévia para a transferência do controle societário da distribuidora de energia elétrica Celpa”. Significa que o controle da concessionária vai mudar, e a instalação da luz ficará mais próxima. Em Conceição do Araguaia, desde o início, o programa já fez 3.214 ligações. Mas 1.710 domicílios ainda aguardam a ligação.
Morador da região, Gebrael Asmar, mais conhecido como Gibrim, luta desde 2004 para levar luz aos assentamentos, todos legalizados pelo Incra. Por pressão dele, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Conceição do Araguaia enviou ao Ministério Público Federal do Pará, em outubro de 2011, um relatório sobre o atraso no programa. O MPF abriu uma investigação e apura por que os assentamentos Nazaré, Centro da Mata, São Raimundo, Vila Transbrasiliana, São Jacinto e Olho D”Água ainda vivem às escuras.
– Não ter luz é ter pobreza. Luto porque, se meu município crescer, eu vou junto. Se for para a lama, também vou – diz Gibrim. – Energia não traz só mais conforto. As pessoas podem ter um motor a bomba, por exemplo, para pegar água, o que é muito bom, já que a maioria carrega baldes de 20 litros para cima e para baixo. Mas a luz também movimenta a economia. E quem vive nos assentamentos precisa muito. São pessoas humildes, que poderiam viver do que têm nos seus quintais: goiaba, caju, jaca, tudo isso podia virar polpa, sorvete e gerar renda.
Além de esbarrar em problemas das empresas de energia, o Luz Para Todos enfrenta fraudes cometidas por servidores públicos. Em Nova Ubiratã, no Mato Grosso, o Ministério Público investiga se o ex-secretário de Agricultura Valdenir José dos Santos cobrou para levar luz para produtores rurais. O Luz Para Todos é gratuito.
Além disso, políticos usam o programa como moeda eleitoral. O ministério diz que, mesmo as prefeituras e os governos estaduais tendo participação institucional no programa, isso “não dá ao prefeito a condição de utilizar o programa eleitoralmente”. Em todo o Brasil, até 2014, serão beneficiadas pelo programa 140,7 mil famílias abaixo da linha de extrema pobreza.
– A gente tem uma vida dura e sonha com a luz. Queria ter uma geladeira, guardar comida. Tudo que temos são rádios a pilha. Quando dá, a gente compra pilha nova e fica sabendo do mundo. Com R$ 200 por mês, não dá para fazer outra coisa a não ser esperar – resigna-se Neurene Silva, de 31 anos, que vive desde 2000 no assentamento e divide a casa com o marido Ildemar, de 44, os dois filhos e os sogros.
Fonte: O Globo