Por Antônio Moura Reis
A equipe de comunicação da presidente Dilma Rousseff, menos afoita que alguns antecessores nos últimos meses da era Lula, decidiu pensar melhor os caminhos, becos e veredas a percorrer no processo de tramitação no Congresso do projeto batizado de “regulação de conteúdos da mídia”.
Logicamente não se vinculou o envio do projeto ao suave território do banho-maria à reação dos grandes veículos, pulando tanto ou mais que cabrito na chuva quando o então ministro Franklin Martins anunciou a conclusão do texto a ser encaminhado ao Congresso. Para os comandantes da chamada grande imprensa “regulação de conteúdo” não passa de eufemismo para encobrir sonhos impuros de censura e controle da imprensa. Logicamente Franklin Martins também sapateou no terreiro e defendeu o projeto, com juras de nenhuma vinculação a censura. O próprio Lula, como sempre, meteu a colher no angu e se declarou contrário a qualquer tipo de censura, pois se considera “resultado da liberdade de imprensa neste país”. Mas não disfarçou o ressentimento ao se considerar “vítima de perseguições” do que chamou de “velha mídia”.
O assunto, embora retirado da pauta de prioridades do Planalto, não morreu e merece, portanto, convites à reflexão por sua natureza, no mínimo, polêmica.
Remanescente dos tempos em que nem a mais delirante ficção científica foi capaz de imaginar a internet e o consequente jornalismo virtual, aqui do meu canto, acho, para início de conversa, que a expressão “regulação de conteúdo” pode corresponder a “embolar o meio de campo” caso nivele por baixo ou por cima todos os segmentos da mídia moderna.
Dito isto, ofereço à reflexão do tema a clássica observação do historiador Nelson Werneck Sodré (1911-1999), de que o desenvolvimento da imprensa se fez par e passo ao desenvolvimento da sociedade capitalista e que o controle dos meios de difusão de ideias e de informações “é uma luta em que aparecem organizações e pessoas da mais diversa situação social, cultural e política, correspondendo a diferenças de interesses e aspirações”.
Ao lado dessas diferenças, acrescenta Sodré em seu livro-referência História da Imprensa no Brasil (Graal, Rio de Janeiro, 1966), “ e correspondendo ainda à luta pelo referido controle, evolui a legislação reguladora da atividade da imprensa”.
O historiador, um dos mais importantes do século passado, observa igualmente uma “ligação dialética e não simplesmente mecânica” entre o desenvolvimento da imprensa e o do capitalismo, decorrente da influência dos meios de difusão de ideias e de informações sobre “o comportamento das massas e dos indivíduos”.
Cito outra observação clássica, a do jornal inglês Evening Post, publicada em 1803: “ é o anunciante quem paga o jornal”.
Poder e Controle
Os veículos de comunicação integram, portanto, a estrutura empresarial capitalista: investimentos financeiros para montar a estrutura industrial com o objetivo de produzir bens de consumo, no caso no segmento dos não duráveis, elaborados para atrair consumidores. Indispensavelmente devem dar lucro.
O que o ex-presidente Lula chama de “velha mídia” – os grandes jornais e revistas impressos – apresenta como peculiaridade que a diferencia de queijos e salsichas, entre as variedades expostas nas gondolas dos supermercados, as ideias e informações que difunde e que influenciam “o comportamento das massas e dos indivíduos”. Por esta razão, como muito bem assinalou Nelson Werneck Sodré, seu controle é objeto do desejo dos vais variados segmentos sociais, principalmente dos governos.
Nessa luta, permanece válida a didática e centenária informação do Evening Post de que é a publicidade que paga a conta e permite a independência das empresas e seus veículos em relação a governos, embora nem sempre em relação a interesses e aspirações de grupos.
As peculiaridades brasileiras, ainda marcadas pela enorme diferença dos estágios de desenvolvimento econômico e social de regiões, estados e até de municípios, se refletem nos veículos de comunicação. O grau de independência de cada um em relação ao governo e grupos políticos e econômicos será diretamente proporcional ao grau ao grau de robustez financeira da empresa editora. Essa robustez se alimenta do volume da publicidade e, sobretudo, da diversidade e multiplicidade de anunciantes.
O projeto de “regulação de conteúdo da mídia”, coordenado pelo veterano e competente jornalista Franklin Martins, a meu ver, reflete certo ressentimento de seus autores e de seu inspirador em relação a críticas e denuncias da imprensa, o que pode ser altamente perigoso pois o secular embate pelo controle do processo de disseminação de informações e opiniões perde efetivamente o rumo quando nas mão de qualquer governo. Não é prática das democracias, mas de ditaduras. O controle por parte de grupos econômicos ou políticos não leva ao melhor dos mundos, mas é menos danoso, pois permite o contraditório.
Entendo igualmente que o projeto mistura e confunde legislação reguladora, convergência de mídias e normatização de concessões públicas. Considero salutar a preocupação de olhar rigoroso sobre concessões públicas a grupos políticos, porta de acesso ao monopólio dos meios de comunicação regionais.
Devemos, portanto, saudar o envio do projeto ao limbo da não prioridade que certamente conduzirá a exames e debates mais cautelosos, recomendáveis e indispensáveis nestes tempos de profundas mudanças provocadas pela internet. Mudanças, aliás, que ninguém, em qualquer parte, tem a exata noção das reais dimensões e impactos futuros.
(*) – Antônio Moura Reis é jornalista de larga experiência na Última Hora, crítico de cinema e escreverá esporadicamente aqui no Blog sobre assuntos do cotidiano. Moura Reis, como é conhecido no meio, vive em São Paulo e é irmão do ilustre jornalista PC, de Parauapebas.
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