Projeto do Porto do Espadarte, em Curuçá, está planejado para área pertencente a reserva extrativista, que não pode ser ocupada pela empresa
O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou nesta terça-feira, 28 de junho, uma ação civil pública em que pede a suspensão imediata, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do processo de licenciamento ambiental do Porto do Espadarte, projeto da mineradora Vale para instalação em Curuçá, no nordeste do Pará. Segundo o MPF, o licenciamento é irregular pois prevê a utilização de áreas que não podem ser ocupadas pela empresa porque fazem parte de uma reserva extrativista (resex).
A ação judicial pede à Justiça que determine à União a suspensão das inscrições de ocupação de áreas pela Vale na resex Mãe Grande de Curuçá e também das inscrições de ocupação em nome da RDP Empreendimentos e Serviços Portuários. A RDP transferiu as ocupações para a Vale e ficou responsável pelos estudos de impactos ambientais do empreendimento.
Baseando-se na legislação sobre unidades de conservação de uso sustentável, o MPF ainda solicitou que a Justiça impeça funcionários da Vale e da RDP de entrarem na resex sem a autorização do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Caso a Justiça aceite os pedidos do MPF, os procuradores da República especializados em questões ambientais Bruno Araújo Soares Valente, Daniel César Azeredo Avelino e Felício Pontes Jr. requerem que sejam determinadas multas de R$ 100 mil por dia se houver descumprimento da decisão.
A Mãe Grande de Curuçá é uma das nove reservas extrativistas marinhas existentes no Pará. Oito estão situadas no litoral continental paraense e uma está localizada no arquipélago do Marajó. As nove resex foram criadas com o objetivo de possibilitar a preservação da zona costeira, rica região de mangue, também conhecida como “amazônia atlântica”, que forma, juntamente com o litoral do Maranhão, a maior área de manguezal contínuo do planeta.
Histórico – A resex Mãe Grande de Curuçá, que tem 37 mil hectares e abriga 2 mil famílias, foi criada em dezembro de 2002 por meio de um decreto presidencial. Em 2006, a Companhia Docas do Pará realizou reunião para tratar da concessão para o porto do direito de uso de três ilhas da resex, com área total de 5 mil hectares. Segundo o projeto, em uma delas, a Guarás, seria instalado o porto. Nas outras duas (Ipemonga e Mutucal) seriam implementados sistemas de transporte para ligar o porto ao continente. Naquele ano, o MPF abriu investigação para acompanhar o caso.
Em 2008, a RDP Empreendimentos e Serviços Portuários, que possuía registros de ocupação de imóveis nas ilhas, solicitou ao Ibama termo de referência para dar início aos estudos de impactos ambientais. No início de 2010, a União entregou a área para o Ministério do Meio Ambiente. Pelo acordo, a área só poderia ser utilizada para as atividades da resex. No final do ano, a RDP transferiu para a Vale os registros de ocupação que possuía.
Em 2010 e 2011, o MPF entrou em contato com a Secretaria de Patrimônio da União (SPU), que confirmou que essas áreas integram a resex. A SPU também informou que sugeriu o bloqueio, no sistema de administração patrimonial da União, dos registros de ocupação ou aforamento concedidos, impossibilitando a expedição de certidões de autorização de transferências em áreas situadas em unidades de conservação.
“É totalmente incompatível com a existência de uma unidade de conservação na modalidade reserva extrativista o empreendimento portuário que se estuda implantar”, criticam os procuradores da República na ação. “Referido empreendimento importaria, necessariamente, em impacto sobre considerável área de manguezal situada no interior da resex, e sobre a qual as milhares de famílias de usuários extraem seu sustento. Além do impacto direto sobre o ecossistema, o fluxo de embarcações que um terminal portuário desse porte atrairia trafegaria em parte da área de espelho d’água que compõe a unidade de conservação, afetando de maneira direta a atividade de pesca realizada no local”, observa o texto do MPF.
“É importante, portanto, estabelecer que, independentemente de qualquer juízo de valor a ser formado acerca da importância do empreendimento em relação à das comunidades tradicionais, mostra-se, por força das disposições legais que regem a matéria, a total incompatibilidade entre a presença de uma reserva extrativista e de um empreendimento portuário no mesmo local. Portanto, o empreendimento apenas passaria a ser juridicamente possível se a área onde se pretende instalá-lo deixasse de ser reserva extrativista, o que depende de lei federal para ocorrer”, complementam Soares Valente, Azeredo Avelino e Pontes Jr.
Fonte: MPF