Agentes políticos e econômicos ficaram “petrificados” e com um “frio na espinha”, na quinta-feira (10), às 16h, com duas declarações dos líderes do governo de transição. Coube ao vice, Geraldo Alckmin, coordenador da equipe de transição, anunciar o ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, como um dos integrantes da equipe que vai desenhar a política econômica do novo governo.
Logo depois, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, discursou e até chorou, questionando a necessidade da atual âncora fiscal — o teto de gastos —afirmando que despesas sociais, como o Programa Bolsa Família, poderiam ficar fora dessa regra de forma permanente.
A reação as duas declarações caiu como uma bomba de destruição em massa em pleno pregão, de uma dia ruim, na B3, a Bolsa de Valores de São Paulo, e no meio político. Lula e Alckmin estão apostando alto no capital político obtido com a vitória nas urnas.
Sem expor o assunto, o presidente e o vice, eleitos há 11 dias para governar o país pelos próximos quatro anos, não admitem, mas apostam que senadores e deputados federais da atual legislatura que se encerra no próximo dia 31 de dezembro, com a posse dos novos congressistas eleitos no dia 3 de novembro, não teriam coragem de votar contra a PEC da Transição.
As declarações messiânicas ao estilo incendiário do alucinado líder nordestino do Século 19, Antônio Conselheiro, vieram à lembrança como um mau presságio após a fala de Lula no Centro Cultural Banco do Brasil — QG da transição de governo.
O ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles considerou “esperada e óbvia” a reação do mercado financeiro. “Há um aumento das incertezas e, por isso, ocorre essa reação esperada e até óbvia do mercado”, afirmou Meirelles. Defensor da candidatura de Lula ainda no primeiro turno, o ex-ministro e ex-presidente do Banco Central argumentou na campanha eleitoral que o presidente eleito, em seus dois mandatos à frente do país (2003-2010), apresentou resultados positivos tanto do ponto de vista do crescimento econômico quanto das contas públicas, com aumento médio do PIB de 4% ao ano e superávit fiscal em todos os oito anos de governo.
Na primeira ida a Brasília desde que venceu as eleições, Lula afirmou em duas ocasiões – no fim da tarde de quarta-feira e na manhã de quinta – que é preciso rediscutir o que é “gasto” e o que é “investimento” para fins de regra fiscal.
Em evento fechado para clientes do BTG Pactual, o ex-presidente do Banco Central nos dois mandatos de Lula se disse pessimista sobre a economia. Henrique Meirelles afirmou para clientes do banco que o presidente eleito estava sem falar sobre economia para não desagradar. “Hoje, começou a falar. Aí, ele começou a sinalizar uma direção à Dilma“, disse.
Meirelles, que chegou a ser cotado para ocupar a Fazenda no novo ministério, criticou as falas de Lula na manhã de quinta a parlamentares e apoiadores. “Estou pessimista, não tenha dúvida“, afirmou. “Só posso dizer uma coisa a todos vocês: boa sorte”.
A economista Elena Landau, que elaborou o programa econômico de governo da então candidata à Presidência, Simone Tebet (MDB), que aderiu à Frente Ampla comandada por Lula após ser derrotada no primeiro turno, avaliou a reação do mercado ao discurso do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Segundo Landau, a experiência econômica brasileira mostra que a irresponsabilidade fiscal afeta a população mais pobre, ao contrário do que o presidente eleito prega ao estilo Antônio Conselheiro.
“Toda a experiência brasileira mostra que toda vez que há irresponsabilidade fiscal, quem sofre é o pobre, é ele quem paga pela inflação, pelo desemprego e pelos juros elevados. Existe esse mito de que o mercado é que domina essa discussão. O mercado atua em nome de inúmeros poupadores de todo tipo de renda”.
Landau disse ainda que o mercado foi pego de surpresa, pois esperava um “Lula pragmático”. “As pessoas tinham um pouco de esperança de ter um Lula de 2003, um Lula pragmático, entendendo a importância da questão fiscal para se atingir a responsabilidade social. O que vimos foi um discurso populista, um discurso onde traz o monopólio da virtude para a esquerda”, afirmou a economista.
O Ibovespa, índice que reúne as maiores empresas listadas na B3, a bolsa de valores brasileira, perdeu R$ 156,269 bilhões em valor de mercado depois do discurso do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva criticando políticas de controle fiscal fez as ações desabarem e o dólar desvalorizar o real como a mais desvalorizada moeda do mundo no final do pregão.
As portas começaram a ser batidas na cara. O ex-presidente do Banco Central (BC), Armínio Fraga, declarou na noite de quinta que não se vê fazendo parte do governo Lula caso seja convidado. A declaração foi feita ao responder à pergunta de uma repórter sobre uma eventual participação no governo petista.
O ex-presidente do BC avaliou que o Brasil não está muito distante de uma crise de confiança. “Não estamos muito distantes de [uma crise de confiança]. Inclusive porque o ambiente global é muito perigoso”.
PEC da Transição
Principal aposta do governo eleito para conseguir manter em 2023 os atuais R$ 600 pagos pelo Auxílio Brasil, a chamada Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição — que vai excepcionalizar do teto de gasto o valor total do auxílio e abrir espaço na lei orçamentária — irá iniciar sua tramitação pelo Senado. O acerto foi costurado essa semana em encontros reservados de Lula com o presidente do Senado, que busca a reeleição no cargo, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Em evento com o presidente eleito Lula e a equipe de transição na presença de parlamentares no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), em Brasília, na manhã de quinta-feira (10), o relator-geral do Orçamento 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), informou que o trâmite no Senado é mais célere e poupará tempo diante do prazo curto para solução dos dilemas orçamentários do futuro governo, já que a matéria deve ser aprovada até 16 de dezembro.
De acordo com Castro, a expectativa é de que se excepcionalize do teto de gasto todo o valor atual do Auxílio Brasil, hoje em R$ 105 bilhões, já previstos no orçamento para o próximo ano, e sejam acrescentados mais R$ 70 bilhões: R$ 52 bilhões para cobrir a diferença entre R$ 400 (valor do auxílio a partir de janeiro do ano que vem) e R$ 600 (valor atual), mais R$ 18 bilhões relativos a um acréscimo de R$ 150 por criança até seis anos:
“A gente tiraria R$ 175 bilhões do teto de gastos e teríamos um espaço orçamentário de R$ 105 bilhões para serem preenchidos com aquelas demandas da farmácia popular, merenda, saúde indígena, etc, que são muito caros ao novo governo, que sempre fala em ações sociais e investimentos para gerar emprego, para impulsar o desenvolvimento, melhorar a renda e estimular o setor privado a investir também e fazer girar a roda da economia”, disse o relator do orçamento.
Tramitação
O senador informou ainda que assim que a PEC for apresentada serão colhidas as assinaturas e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, designará o relator. Em seguida, poderá passar pela Comissão de Constituição e Justiça e depois vai a Plenário.
A PEC da transição deverá ser apensada na Câmara à PEC nº 24/2019, já sujeita à deliberação do Plenário, segundo Castro. Isso possibilitará maior celeridade ao processo, já que assim a proposta não precisará cumprir os prazos da comissão especial ou passar por qualquer outro colegiado.
De acordo com o líder do PT na Câmara, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), o texto final da PEC da transição ainda não está totalmente fechado, “o que há é um rascunho”, revelou.
Na quarta-feira (9), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, afirmou nas redes sociais, após encontro com o presidente eleito Lula, que “o Congresso irá trabalhar, de forma responsável e célere, para assegurar os recursos que garantam, em 2023, os R$ 600 do Auxílio Brasil, o reajuste do salário mínimo e os programas sociais necessários para a população mais carente do país”.
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.