Na calada da madrugada, deputados aprovam pacote que abre a porteira da Lei de Licitações

Projetos escandalosos foram aprovados nos primeiros minutos de quinta-feira (30), com apenas 50 deputados em plenário e os demais votando pelo celular
Presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), escafedeu-se do Plenário na hora da votação do ‘’pacote’’, sendo substituído para presidir a sessão, já de madrugada, pelo deputado Duarte Jr. (PSB-MA)

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Como já virou praxe em final de ano, os políticos com mandato em Brasília se esmeram para envergonhar os eleitores que acreditaram no seu trabalho. E, na madrugada de quinta-feira (30), não foi diferente: em mais uma votação polêmica, desta vez foi aprovado o escandaloso ‘’pacote’’ de bondades a prefeituras aliadas, juntadas no Projeto de Lei n° 3.954/2023, do Senado, que agora segue para sanção presidencial. O relógio marcava 0h39, quando a Lei das Licitações sofreu o duro golpe. 

Afinal, em 2026, deputados querem renovar o mandato, e o projeto “facilita” o envio de verbas a prefeitos parceiros. E o que foi aprovado abre a porteira para quebrar o rigor ou flexibilizar as regras de licitações, quesito predileto na administração pública para a prática da roubalheira de gestores corruptos.

Especialistas analisaram a aprovação o ‘’pacote’’ de projetos como um ‘’crime anunciado’’. No conjunto, é um convite à bandalheira com o dinheiro público, que, de forma imediata acelera o envio de verbas a redutos eleitorais e diminui o controle sobre licitações de prefeituras.

Os riscos de desvios que já eram trapaceados por muitos gestores com tendências à prática da corrupção para enriquecimento próprio, verão na flexibilização das atuais regras uma porteira aberta para falta de transparência e até formação de cartéis.

O repertório do ‘’pacote’’ é um presente de Natal para prefeitos sérios ou pilantras, não faz distinção, como o projeto — inserido no ‘’pacote’’ — apresentado e aprovado pelo deputado Otto Alencar Filho (PSD-BA), que permite que prefeituras embarquem em licitações de outros municípios comprando os mesmos produtos dos mesmos fornecedores sem abrir um novo procedimento.

O modelo, chamado de ata de registro de preços, serve apenas para compras recorrentes de coisas comuns, como copos descartáveis, materiais de limpeza e alimentos. De acordo com especialistas, a prática pode contaminar as licitações nos municípios, ao estabelecer os mesmos produtos e os mesmos fornecedores para cidades que possuem realidades diferentes. Além disso, se for constatado algum problema na contratação, como superfaturamento ou direcionamento para uma única empresa, todas são impactadas. É um convite à formação de cartéis e onde já houver, o fortalecimento de quem o pratica.

A adesão para contratações que não são recorrentes já causou desvios de dinheiro público, como nos casos de asfalto do orçamento secreto, compra de kits de robótica e gastos com bistecas não entregues para indígenas na Amazônia. Existem milhares de outros exemplos ainda sob o escrutínio de órgãos como o Tribunal de Contas da União, Procuradorias Federais e Polícia Federal.

No total, foram aprovados quatro projetos apensados em um único, o que acontece normalmente quando propostas sobre o mesmo tema são apresentadas. O ‘’pacote’’ foi aprovado com 307 votos favoráveis, 27 contrários e uma abstenção, deixando clara a intenção dos deputados em ‘’facilitar’’ a difícil vida de prefeitos aliados ou não, em um liberou geral.

Imoral

Os detalhes que revelam a forma como seu deu o encaminhamento da discussão na sessão de quinta-feira, é de arrepiar os cabelos. O ‘’pacote’’ foi votado em discussão de turno único e matéria extra-pauta, ou seja, sequer constava na Ordem do Dia.

O relator, deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA), não estava mais na Câmara e quem leu o parecer foi o deputado Domingos Sávio (PL-MG). O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também havia deixado o local antes da deliberação. A maioria dos deputados votou remotamente, pelo celular. No momento da aprovação, a quantidade de deputados presentes no plenário não passava de 50.

O mais escandaloso é que a maioria que votou remotamente sequer tinha lido o que votaria. ‘’Nós não sabemos o que estamos votando. Eu não posso nem ser contra, nem a favor, porque nós não sabemos”, disse a deputada Julia Zanatta (PL-SC), que votou contra.

O deputado Cabo Gilberto Silva (PL-PB) votou a favor e disse que foi ’’convencido’’, sem explicar quais os argumentos, utilizado por líderes partidários de que o projeto era bom, mas criticou a votação relâmpago na madrugada. ’’Precisamos ter previsibilidade e saber o que estamos votando’’.

O bloco da maioria, que reúne os partidos com o maior número de parlamentares, não orientou a votação. ‘’Vou seguir a maioria e vou embora. A maioria foi embora, presidente’’, disse o deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES), provocando risos entre os colegas. Ele votou contra.

Prefeituras

O ‘’pacote’’ deve facilitar o envio de verbas federais, incluindo as emendas parlamentares, para prefeituras em 2024, ano de eleições municipais. Prefeitos pressionam congressistas por envio mais rápido de dinheiro e entregas antes da disputa.

Outro projeto do ‘’pacote’’ aprovado, de autoria da senadora Tereza Cristina (PP-MS), cria um regime simplificado para o envio de recursos federais a municípios que assinam convênios para receber a verba e fazer as obras.

Com a proposta, se o projeto custar até R$ 1,5 milhão, o dinheiro vai cair de uma só vez, de forma antecipada, e só depois a prefeitura vai executar o serviço. Antes, o pagamento era feito em parcelas e dependia do andamento da obra, o que gerava um controle maior, mas também reclamações de prefeitos e parlamentares em função da demora.

Além disso, se a obra custar menos do que o repasse enviado pelo governo federal, a prefeitura não terá mais que devolver o restante e poderá usar a sobra para ampliar o projeto. Por exemplo, se planejou pavimentar 20 ruas, poderá asfaltar mais cinco.

O modelo é uma resposta ao uso da emenda Pix, que também envolve o repasse direto de recursos para prefeituras, mas não é fiscalizada e tem provocado críticas de especialistas e órgãos de controle.

O regime simplificado prevê transferência direta e antecipada, mas ainda mantém a fiscalização federal com exigências técnicas como plano de trabalho, licenciamento ambiental e relatórios de acompanhamento — o que não acontece com a emenda Pix.

A adesão à emenda Pix cresceu e pode atingir R$ 12 bilhões em 2024, ano de eleição municipal, mas o uso tem incomodado alguns parlamentares, pois os prefeitos podem usar o dinheiro de qualquer maneira e muitos não gastam conforme a indicação do congressista.

Propostas sigilosas

O mesmo projeto abre uma brecha para diminuição da transparência em licitações e até a formação de cartéis. Em licitações com valores acima de R$ 1,5 milhão, empresas vão oferecer propostas de forma sigilosa para obras de engenharia, assistência técnica e serviços de limpeza urbana, num verdadeiro 3 em 1.

Nesse formato, chamado de modo de disputa fechado, as propostas de quem está interessado em vencer a licitação só são conhecidas no momento da divulgação e da abertura de todos os lances apresentados — o que pode facilitar a formação de conluios entre empreiteiras. O modelo já existe, e o projeto diz que, nas compras acima de R$ 1,5 milhão, essa vai ser a regra.

Para o procurador de Justiça e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, Roberto Livianu, o ‘’pacote’’ traz preocupações no momento em que o valor das emendas parlamentares aumenta e a fiscalização diminui. ‘’Os ingredientes do projeto nos mostram que a situação é gravíssima e, se tiver problema em uma licitação, o vício vai contaminar as licitações que embarcarem na mesma contratação’’, disse. ‘’Não se elimina a burocracia desrespeitando o patrimônio público. O projeto pode gerar uma concentração de mercado, que é nociva e vai na contramão do próprio princípio da licitação.’’

Obra inacabada

O relator do ‘’pacote’’, Elmar Nascimento (União-BA), afirmou no parecer que a proposta gera maior rapidez e eficiência nas compras e contratações por parte dos municípios. Agora, o texto irá à sanção ou veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). ‘’Precisamos acabar com esse negócio de obra inacabada no Brasil e de perder dinheiro público porque não se consegue concluir uma licitação adequada’’, justificou Domingos Sávio.

Bancada do Pará

Três deputados da bancada do Pará desapareceram na hora da sessão:

• Dilvandra Faro (PT-PA)
• Hélio Leite (União-PA) e
• Olival Marques (MDB-PA).

Como votaram os deputados do Pará no PL nº 3.954/2023

Para evitar desgaste, quase toda a bancada do MDB não quis votar. As deputadas (os) Andreia Siqueira (MDB-PA), Drª Alessandra Haber (MDB-PA), Dilvandra Faro (PT-PA), Elcione Barbalho (MDB-PA), Hélio Leite (União-PA), José Priante (MDB-PA) e Renilce Nicodemos (MDB-PA) estavam ausentes para não votar, não exercendo a sua obrigação. Os demais, votaram para aprovar o polêmico projeto.

DEPUTADOCOMO VOTOU
Airton Faleiro (PT-PA)Sim
Antônio Doido (MDB-PA)Sim
Andreia SiqueiraNão quis votar
Delegado Caveira (PL-PA)Sim
Delegado Éder Mauro (PL-PA)Sim
Draª Alessandra Haber (MDB-PA)Não quis votar
Dilvandra Faro (PT-PA)Não quis votar
Elcione Barbalho (MDB-PA)Não quis votar
Henderson Pinto (MDB-PA)Sim
Hélio Leite (União-PA)Não quis votar
Joaquim Passarinho (PL-PA)Sim
José Priante (MDB-PA)Não quis votar
Júnior Ferrari (PSD-PA)Sim
Keniston Braga (MDB-PA)Sim
Olival Marques (MDB-PA)Não quis votar
Raimundo Santos (PSD-PA)Sim
Renilce Nicodemos (MDB-PA)Não quis votar

* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.