Temendo uma iminente derrota, após a apertada votação do novo DPVAT na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), por apenas 15 votos a favor e 11 contrários, na terça-feira (7), os articuladores políticos do Palácio do Planalto no Senado Federal, “puxaram o freio de mão e deram um cavalo de pau”, adiando para esta quarta-feira (8) a votação da matéria no Plenário. Nas contas dos articuladores, o governo não teria votos suficientes para aprovar o projeto.
Ocorre que a não aprovação do Projeto de Lei Complementar (PLP n° 233/2023) derrubaria também o “jabuti” (emenda inserida no texto original, sem relação com o objeto do projeto) aprovado pelos deputados na semana passada, que aumenta em R$ 15,7 bilhões o limite para as despesas da União (leia mais abaixo). Em verdade, uma “barganha” para o governo negociar, com cada um dos congressistas, o valor das emendas contidas na justificativa do Veto Presidencial n° 4/2024, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) suspendeu a dotação de R$ 5,6 bilhões prevista para o pagamento de despesas sugeridas por comissões permanentes do Senado, da Câmara e do Congresso Nacional, irritando os congressistas de todos os campos, da esquerda à direita. Afinal, 2024 é ano de eleições municipais e ninguém quer ficar com a mão abanando ao vento.
Bastidores
A chamada Casa Revisora, principal papel do Senado Federal no processo legislativo federal, geralmente faz uma análise mais acurada dos projetos em exame. E o entendimento geral dos senadores é de que o PLP n° 233/2023, que dispõe sobre o Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito (SPVAT), substituindo o extinto DPVAT, foi considerado “ruim”, pela maioria deles.
O roteiro para entender esse descontentamento começou na Câmara dos Deputados, que alterou o texto original proposto pelo Poder Executivo para ampliar a lista de despesas a serem cobertas pelo SPVAT. O rol passa a contemplar assistência médica e suplementar, como fisioterapia, medicamentos, equipamentos ortopédicos, órteses e próteses.
Também passam a ser pagos serviços funerários e despesas com a reabilitação profissional de vítimas que ficarem parcialmente inválidas. Os deputados incluíram ainda a possibilidade de pedidos de indenização e assinatura de documentos por meio eletrônico.
Emendas apresentadas na CCJ do Senado
O PLP n° 233/2023 recebeu 27 emendas na CCJ do Senado. O senador Jaques Wagner — Líder do PT no Senado, acatou apenas uma delas, de redação, proposta pelos senadores Marcos do Val (Podemos-ES) e Rogério Carvalho (PT-SE).
A alteração deixa claro que o cônjuge e os herdeiros da vítima devem receber indenização por morte e reembolso de despesas com serviços funerários. A vítima recebe as demais coberturas: invalidez permanente e reembolso por despesas com fisioterapia, medicamentos, equipamentos ortopédicos, órteses, próteses e reabilitação profissional.
Os senadores Alan Rick (União-AC), Carlos Portinho (PL-RJ) e Vanderlan Cardoso (PSD-GO) apresentaram emendas para tirar do projeto o dispositivo que cria uma multa de trânsito por atraso no pagamento do SPVAT. Apesar de não ter acolhido as emendas, o relator anunciou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve vetar esse ponto do texto.
“Não estou acolhendo, mas quero me comprometer com o veto do Poder Executivo neste artigo. Esse item, uma penalização excessiva, veio da Câmara, mas será vetado pelo presidente da República”, disse Jaques Wagner.
Falam os senadores
Na abertura dos debates, ficou clara a divisão em busca de consenso para a aprovação da matéria. A oposição criticou a criação do SPVAT. Para o senador Carlos Portinho, líder do PL, a criação do SPVAT vai elevar a carga tributária: “O [novo seguro] tem natureza arrecadatória. O beneficiário é o Estado. É tudo para sustentar a máquina do Estado. O contribuinte já compra o carro mais caro do mundo, cheio de imposto pendurado. Ele paga o IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores), e não sabe para onde vai o dinheiro. Paga o licenciamento. Paga um dos combustíveis mais caros do mundo. Paga um seguro privado. E agora a gente vai enfiar na população mais uma contribuição, taxa, imposto? A gente não, que eu voto contra. A tunga é no bolso do trabalhador”, detonou.
Já o senador Carlos Viana (Podemos-MG) apresentou uma emenda para isentar da cobrança do SPVAT aos donos de veículos que tenham apólices privadas de seguro. Mas o senador Jaques Wagner não acolheu a sugestão.
“Por que não podemos manter o seguro apenas para quem não tem uma apólice? Se já pago um seguro, porque vou ser obrigado a pagar o SPVAT? Por que temos que impor isso a toda a sociedade brasileira? Isso só vai impondo a todos nós uma vida muito mais difícil. O seguro é importante? A meu ver, é. Mas não acho justo que imponhamos ao cidadão brasileiro, que já tem uma carga muito grande no seu salário”, argumentou Viana.
Para o senador Fabiano Contarato (PT-ES), a defesa da aprovação da matéria era prioridade: “Vejo os colegas senadores falarem em imposto, em tributo. Com todo respeito, eles não estão sabendo diferenciar o que é um tributo do que é um seguro. O seguro é um contrato, que gira em torno de risco. É pago apenas por quem é proprietário de veículo automotor, enquanto qualquer pessoa pode ser seu beneficiário. Daí a função de proteção social. Se uma pessoa é atropelada e você não sabe quem é o motorista, impõe-se o recebimento do seguro. Não tem nada a ver com tributo, não tem nada a ver com imposto”, explicou.
Na opinião do senador Weverton (PDT-MA), o seguro obrigatório é uma forma de proteger as vítimas de acidentes de trânsito: “Temos no Brasil mais de 620 mil acidentes por ano, e cerca de 30 mil pessoas perdem a vida. Matamos tanto quanto uma guerra nesse dia a dia muito difícil que vivemos, que é o trânsito brasileiro”, salientou.
Projeto altera o Arcabouço Fiscal
Outro ponto da maior relevância e que está nas entrelinhas da criação do SPVAT são suas outras consequências: a principal delas é que o PLP n° 233/2023 altera o novo arcabouço fiscal (Lei Complementar n° 200, de 2023), fragilizando ainda a nova regra fiscal proposta e aprovada pelo novo governo.
No “jabuti” aprovado pelos deputados, o texto do PLP antecipa em dois meses a permissão para a abertura de crédito suplementar em caso de superávit fiscal. Segundo Jaques Wagner, a mudança permitiria uma elevação de 0,8% nas despesas da União, o equivalente a R$ 15,7 bilhões, e a oposição criticou citando a “gastança desenfreada do governo”, com tudo subindo, especialmente os gêneros básicos de consumo.
Parte do dinheiro pode ser usada para compensar o corte de emendas parlamentares ao Orçamento (Lei n° 14.822, de 2024). Na mensagem de veto parcial ao texto (VET 4/2024), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva suspendeu uma dotação de R$ 5,6 bilhões prevista para o pagamento de emendas dos congressistas.
Segundo o líder do governo, caso a antecipação para a abertura de crédito suplementar prevista no PLP n° 233/2023 seja aprovada pelo Plenário, R$ 3,6 bilhões serão usados para compensar o corte de emendas imposto pelo VET 4/2024. O veto ao Orçamento está na pauta de uma sessão deliberativa conjunta da Câmara e do Senado, marcada para a próxima quinta-feira (9), e o governo teme a derrubada desse veto.
A oposição criticou a mudança no arcabouço fiscal. No entender do senador Carlos Portinho, a antecipação da abertura de crédito suplementar é “um jabuti” — tema estranho ao objeto de uma proposição legislativa — incluído no texto original pela Câmara.
“Esse precedente é muito grave. Não dá para admitir mais um ‘jabuti’ ou vai virar regra. Não tem nada a ver com o mérito. Se passar esse, vão passar todos. Não vai ter mais argumentos para segurar a manada de ‘jabutis’ que vão vir em outros projetos de lei. Isso é uma vergonha”, protestou.
A bancada do PL apresentou um destaque para retirar o dispositivo do texto. Mas a emenda foi rejeitada pela CCJ em votação simbólica.
O embate ganha agora o ringue do Plenário, e as articulações do governo transcorreram ao longo da terça-feira (7), com as conversas e tentativas de convencimento varando madrugada adentro.
A sessão está convocada para começar às 14hs desta quarta-feira (8), no Plenário do Senado Federal.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.