Por Ricardo Carvalho
Em meio a um tumulto cotidiano que lhes era indiferente naquele momento, quatro pequenas folhas preparavam-se para um ritual de partida, veriam a mais antiga e sábia das suas chegar ao seu último outono. Viam-se na estranheza de saber que deviam se despedir, já que aquele era o momento aonde todas chegavam à igualdade – pois até a mais frondosa rosa, com seu aroma inebriante, um dia também secaria. Era a última das ironias da vida e, para muitos, a mais dura e cruel. Mas a folha, já murcha pelo tempo, olha para as suas companheiras e lhes fala docemente: minhas queridas, não se entristeçam com minha partida iminente. Já sobrevivi a grandes vendavais, mas agarrar-se a arvore para sempre é um dos mistérios do tempo que para sempre nos será desconhecido, eu imagino, e devemos respeitas estes desígnios, pois o que nos é dado já é muito – caso soubermos usufruir desse tanto que é viver cada ruga do tempo com sabedoria – não será uma simples partida. Quero apenas que no momento em que eu me desprender da árvore desta vida, e for adubar a terra, o ar amorteça minha ida e as gotas da garoa ágüem a nova vida a qual levei toda minha existência para ser-lhe. Quiçá desta folha bem vivida nasça um carvalho ou uma flor do campo, e fique para a posteridade algo mais que uma folha seca.
Logo, a folha anciã já aproveitava uma brisa para fazer sua última dança presa a árvore, e em um balanço suave que, contagiando as três – até então – entristecidas amigas, iniciam uma ciranda no mesmo ritmo, em louvor aquela existência exemplar. Mas tão logo o ritual chegue próximo do fim, com a força do vento que aumentava, a envelhecida folha se solta do entrelaçado de galhose escolhas que se fez sua vida,e, afasta-se lentamente das verdes amigas – e do tronco da vida. Então as três a vêem continuar sua derradeira dança em um desapego suave, até que, levemente, ela toca solo que a esperava com um gentil abraço.
As verdes folhas que ficaram vendo o partir da amiga, nada dizem, o silêncio tornou-se o seu canto de despedida, mas em seus pensamentos desejavam tal exemplo. Que quando o tempo de cada uma delas naquela enorme árvore se encerrasse, viajariam bailando ao toque do vento – deixando rastros de alegria e sabedoria – que serviriam de alimento às futuras vidas. Em outro tempo. Em um novo viver.
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1 comentário em “O adeus de uma folha "qualquer"”
“Temer o amor é temer a vida e os que temem a vida já estão meio mortos.” Bertrand Russell
O diabo espera ansioso aqueles que morrem sem amar… pois “A dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional”